outubro 22, 2005

“Todos somos uma minoria”


A cultura étnica faz transparecer o carácter híbrido motivador do tecido estruturante da obra de Mário Cláudio. “Oríon”, a segunda de uma “tríade” literária.

A propositada criação de uma linguagem miscigenada, como forma de mostrar ao leitor o traço construtor de cada palavra, e de o encaminhar bem para lá dos tempos, com a imagem do presente como berço de uma narrativa e de uma conversa que abandona a ficção.

A constelação Oríon, é representada pelo mito simbólico renascido da lenda de um caçador, que depois de tantas aventuras se transforma em constelação celeste.

Todavia “Oríon”, no livro de Mário Cláudio, é o relato, que sob a forma de romance metafórico aproveita o verídico acontecimento histórico do envio de um punhado de crianças judias, em 1443, no reinado de D. João II, para o arquipélago de S. Tomé e Príncipe, o que “ faz pensar em algo tão característico da condição humana, na qual todos nós somos crianças de alguma maneira abandonadas numa ilha, tentando contemplar o horizonte, onde por vezes avistamos uma constelação que interpretamos como sinal de esperança, de possibilidade da realização de um sonho futuro”.

Aos quinze anos encontrou em si mesmo, “ a escrita como algo central na minha vida”, considerando mesmo ser “impossível sobreviver sem ela”, explicando sucintamente a motivação que o conduziu à criação desta obra, “ tinha lido um episódio histórico acerca deste acontecimento, e surgiu-me a ideia de construir um romance”.

Para o escritor, professor, e licenciado em direito, a quem as invictas palavras que exalam da sua voz não conseguem ocultar as raízes portuenses, “os romances nascem disso mesmo, de ideias que se sedimentam e depois emergem, surpreendentemente”.

“Desembarcou na ilha uma leva de degredados, gente que mirava as novidades da paisagem com uma brasa em cada olho, se deslocava numa lentidão de cautela e de pasmo, hesitante quanto ao solo que pisava, mas decidida a beber até ao seu termo a vida que lhe fora poupada...” .

Neste segundo livro de uma trilogia possuidora de uma “égide comum aos três romances, embora cada um deles se possa ler de forma independente” e cuja ideia matriz se relaciona com a abordagem “ à situação de pessoas que se encontram num contexto de fragilização diante do poder, no primeiro caso com sete delinquentes, agora com sete crianças iguais a todas, desde sempre, mas de etnia diferente”.

As distinções apresentadas, quase como que através de uma eclesiástica encenação divina, pelas sociedades contemporâneas, povoam o seu imaginário de uma avidez revolucionária, que transparece não raras vezes, na sua obra, bem como na conversa, “procuro prestar o meu contributo, naquilo que melhor sei fazer, reflectindo e tentando fazer reflectir acerca das razões que conduzem à confrontação e à eterna guerrilha entre minorias e maiorias”. Explicitando o seu papel social como televisionador do presente, e referindo-se aos degredados dos nossos dias assume, “como escritor, como artista que sou, a minha tendência conduz-me a estar sempre ao lado das minorias ostracizadas, até porque todos nós, por uma ou outra razão, fizemos, fazemos, ou faremos parte delas”.

No actual contexto global, classifica a sua obra como “um momento de reflexão para situações que necessitam de ser pensadas, de forma mais generalizada, por forma a rasgar e atravessar todos os lugares, de todas as épocas”.

O romancista explana também o seu pensamento acerca da cultura nacional, nomeadamente quanto ao enquadramento que vai recebendo por parte da governação, preferindo começar por focalizar “a terrível fase por que atravessamos, pois psicologicamente encontramo-nos fortemente combalidos”, sublinhando ser este um “período de acentuada depressão, não só em termos monetários, mas muito mais preocupantemente, em termos de esperança, tão necessária ao desenvolvimento de qualquer sociedade”. Revelando-se “consternado”, continua no entanto expectante quanto ao “rumo que se está a seguir”, que anseia, “ mude radicalmente o deu decurso, o mais rápido quanto possível”.

Mário Cláudio prossegue, agora analisando o país como algo “tão débil do ponto de vista da intervenção cultural, quer dentro das nossas fronteiras, quer pelo mundo”, traçando uma pessimista, mas muito pessoal previsão, “se não adoptarmos e não incrementarmos uma dinâmica diferente daquela a que estamos habituados, em todos os níveis da nossa sociedade, corremos o risco de, mais tarde ou mais cedo, soçobrar”.

Não esquecendo o Governo, e as competências que lhe incumbem nesta matéria, critica a situação vigente no Ministério da Cultura, observando, “a existência de uma área da cultura nesta governação, parece não corresponder a quase nada, apenas a um nome, sem qualquer tipo de conteúdo”.

Por,
Pedro Cativelos, 2003

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