outubro 22, 2005

“Os portugueses estão tristes”


A África dos contrastes e das palavras. De um português escrito, mas pensado em conivência, em consonância com as assimétricas diferenças, constantes do globo que ocupamos, mas tão displicentemente dispostas num continente “mágico”, que não se explica, mas se pressente, em cada linha elaborada no pensamento de Pepetela.

Pepetela, nasceu em Benguela com outro nome, Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos. Professor na Universidade Agostinho Neto em Luanda, licenciado em Sociologia, foi no passado guerrilheiro, político e representante do MPLA. Escritor também foi, como é e será, “para sempre”, diz.

Angolano no sangue, na voz, no sorriso e na escrita que polvilha com étimos naturais de uma cultura tão diversa, Pepetela descreve “como uma declaração de personalidade, necessária na época em que aconteceu” a sua escrita, nascida desde que na escola, “uma professora me pediu para fazer uma redacção, e eu fiz um texto diferente dos outros meninos, receoso da sua reacção, mas impelido pela vontade de fazer algo diferente, escrevi, ela adorou, e me deu como exemplo para todos os outros”.

Autor de “Lueji, o Nascimento de um Império” ou “As aventuras de Ngunga” entre muitos outros, a história de “Jaime Bunda, Agente Secreto” editada em 2001, é continuada em 2003, com “ Jaime Bunda e a Morte do Americano”, onde o James Bond angolano investiga a morte de um americano que com tantos locais no mundo para morrer, como por exemplo o Afeganistão, a Somália, o Irão ou a Colômbia, logo haveria de ir morrer na pacífica cidade de Benguela, onde na memória do povo que lá vive nenhum americano havia até aí morrido. A omnipresença americana no mundo “é aliás um dado adquirido”, mas no entanto a morte do norte-americano na pacífica cidade das acácias rosas não incomodou muita gente, “ocupada na legítima e cada vez mais problemática azáfama de sobreviver”, conta o último romance da saga do metafórico agente investigador angolano, “todos me perguntaram quando fiz o primeiro livro se a história iria continuar, na altura não sabia e continuou, mas agora não vai haver mas Jaime Bunda posso garantir”.

África é inevitavelmente um ponto por onde a conversa, e o discurso de Pepetela, vai tocando, partindo e chegando. Os contrastes, as áfricas, dentro intemporal África, “todo o mundo, num só imenso espaço”. “Explicá-la... não é possível por palavras, mágico, talvez seja o termo que encontro para adjectivar o continente”. O escritor angolano conta, “quando encontro portugueses que lá estiveram muito tempo, a primeira coisa de que me falam é da noção de espaço, da sua imensidão infinita, mas também do seu cheiro, do céu quando vai cair a noite, da própria paisagem”.

Da sua Angola, refere “a transformação” que se deu após a liberdade conquistada nos últimos anos, mas no entanto alerta “para a dificuldade” por que passa o seu povo, “cujo ordenado mínimo ronda os quarenta euros”, observando a crescente diáspora angolana, nomeadamente estudantil residente em Portugal, como “uma fonte de esperança necessária para o meu país”.

“O povo português está triste, parece-me”. Pepetela regista assim a sua visão acerca do que vem observando, desde que no início do mês iniciou a campanha promocional da sua mais recente obra, que o levou a locais como Reguengos de Monsaraz, Setúbal, Coimbra, passando por Lisboa, e onde, de passagem por alguma outras localidades, pôde revisitar um país “de que sempre gostei muito”. No entanto o romancista de Benguela observa algumas diferenças agora existentes, destoantes do sentimento com que regressou da última vez que voou para a sua terra natal, “quando parti, há cerca de três, quatro anos, levava a sensação de um povo português mais alegre, descontraído e sorridente, mas agora parecem estar todos um pouco em baixo, deprimidos, mas não sei, é uma ideia que venho interiorizando”.

Com o carácter de relevo que a sua personalidade implicou nas últimas dezenas de anos em Angola, Pepetela não observa com grande optimismo o percurso que a cultura vai tomando no seu país de nascença, “são poucos os livros editados em Angola, e embora o orçamento da cultura haja aumentado, o da defesa aumentou muito mais”, considerando esta como uma “responsabilidade da qual o estado não se pode demitir”.

E sobre cultura, discorre também uma curiosa opinião, “é tudo o que uma sociedade envolve”, prosseguindo, “não só teatro, ou música clássica, como é vinho, é história e são tradições”. “Cultura é o rosto de um povo e nunca deve ser esquecida”.

Por
Pedro Cativelos, 2003

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