novembro 05, 2007

Pública: Entroncamento... Na terra dos sonhos




Para começar têm dois, três, demasiadas figuras paternas. Nem uma mãe... Poderia também ter Jonhy Depp esta história, e ainda Tim Burton, Linch, Lewis Carrol... mas numa outra dimensão, tê-los-á conhecido, à sua maneira, a história dos fenómenos que se espalharam de boca em boca, pelo país e pelo tempo. Na estação onde as verdadeiras viagens começam, mesmo que sejam pela imaginação, vai permanecendo um mundo onde cada vez menos coisas deixam de ter explicação, a realidade ocupa o espaço da fantasia, o despertar emancipa-se cada vez mais, e o sonho perde o lugar. Na terra do padre Borga, onde Carlos Paredes actuou em vida pela última vez, já não há cantigas nem histórias de fazer sorrir. Apenas linhas de ferro em memórias para lembrar.


Texto
Pedro Cativelos

Fotografia
Patrícia Moreira


Mil novecentos e trinta. Três da tarde. Cheira a carvão nos vapores do Outono que se avizinha. O comboio que vem de Lisboa abastece as fornalhas cansadas. O ferro está quente, e os suores dos passageiros bem trajados, também.
Entroncamento, deve o baptismo ao emaranhado de linhas que ali se amontoam desde o século passado, uma espécie de capital do caminho-de-ferro, charneira das ligações com o Leste e a Beira Baixa, a estação representou durante décadas, ponto de paragem obrigatória para quem mudava de linha, quando o comboio era o meio de transporte mais utilizado. Nesse tempo, muitos viajantes ilustres vindos da Europa pela Linha do Leste, ou fazendo o percurso inverso, almoçaram ou jantaram no restaurante da estação. Nas suas obras literárias, vários escritores se lhe referiram, de Hans Christian Andersen, a Ramalho Ortigão, passando por Eça ou Alberto Pimentel.
Numa montra próxima da gare, um mostrengo em forma de abóbora com mais de 50 quilos. “Jesus!”, terão murmurado algumas das senhoras da sociedade da época. “Fenomenal”, terão pronunciado os senhores que por ali passavam, esperando o próximo comboio.
E assim acontece. Durante os anos seguintes, a moda pegou e foram entrando em exposição na montra da tabacaria Luanda, outros legumes e frutos ditos “fenomenais', pelo tamanho ou pelas formas sugestivas, frequentemente antropomórficas, eróticas, erógenas, pecaminosas, suscitadoras de sorrisos, como se um malvado diabrete se escondesse nas terras de cultivo com o intuito de brincar com a imaginação malandra e fértil de quem se situava calado para não pecar no Portugal anterior a Abril de setenta e quatro. A lenda cresceu, cresceu, cresceu... e desapareceu. Hoje só já resta a expressão que todos conhecem e que colocou o nome desta localidade igual a tantas outras eternamente alojado numa das citações mais recorrentes do léxico popular português. Às coisas mais bizarras não há hoje quem resista a baptizá-las logo como fenómenos... do Entroncamento.





Cá pelo Burgo

Apenas concelho em 1945 (não deixa de ser um fenómeno para uma estação de comboio com algumas habitações em redor), conta-se que até Salazar sorria (outro fenómeno!), quando lia no jornal mais um dos acontecimentos estranhos daquela terra ribatejana.
Mas, e como nem tudo tem de ter um princípio comum, Eduardo Brito, foi um dos pais dos fenómenos. Era um seguidor das circenses bizarrias americanas, os freak shows de homens com escamas, mulheres de bigode, anões com duas cabeças, que por cá já iam fazendo notícia. Achava que "estes poderiam ser óptimos exemplos para divulgar um lugar onde apenas se cruzavam linhas e comboios", explica. Sendo assim, procurou o invulgar, e encontrou-o. Todavia, mas a uma outra escala, bem menos americanizada. Um raro melro branco. Depressa lhe começaram a levar galinhas com quatro patas ou carneiros com chifres demais...
A palavra fenómeno espalhava-se em cada passageiro em viagem e entrava assim nas páginas dos jornais de Lisboa, e sempre indissociável de uma outra, Entroncamento. "Todas as lendas ou contos populares começam assim, com um determinado facto histórico que depois é explorado e exponenciado" assinala o escritor, agora com noventa e cinco anos de vida, setenta e cinco passados a sublinhar a evolução das histórias do inimaginável ao longo dos tempos numa crónica a que chamou à época, Cá Pelo Burgo. “Depois, bem, a imaginação das pessoas fazia o resto e quem as conta acrescenta sempre mais um ponto não é verdade?!. Às vezes até há várias versões da mesma lenda e aliás, defendo que nestas coisas, neste tipo de assuntos que nos fazem bem até, podemos e devemos intervir à vontade".

Há alguma coisa como um fenómeno?
Pode dizer-se que os portugueses têm uma atracção especial para os fenómenos e uma muito exponenciada relação com os superlativos exagerados. Mania das grandezas ou outra coisa qualquer, porventura bem expressa no livro dos recordes do Guiness e na quantidade de grandiosos feitos que por lá estão identificados em português de Portugal. Em Vila de Rei existe uma cabra com uns cornos com 2,15m, em Vila Verde, na tradicional Festa das Colheitas, bateu-se há tempos o recorde de 645 tocadores de concertina em sinfonia, em Esposende o mesmo homem foi sepultado em dois cemitérios diferentes, em Oeiras o recorde mundial da mais longa cadeia de relógios foi quebrado com um total de 1382 relógios, e mais para o interior, os Viseenses fizeram uma broa de milho com 402 metros de comprimento!
Quanto ao Entroncamento, por lá as abóboras são descomunais, os tomates contra natura, os pepinos avantajados, os marmelos rechonchudos, as batatas têm formas de Buda, as alfaces crescem aos três metros, e há pintos, cães e outros animais com duas cabeças... Houve. Ouve-se e sempre se ouviu que sim. Não entraram para o Guiness, mas entraram para o imaginário nacional que desde então reserva à localidade ribatejana o lugar de sítio estranho onde tudo pode de facto acontecer.



Um sorriso vale mais que mil fenómenos
As histórias do Entroncamento são um pouco como aquelas brincadeiras de criança ou de alguns adultos, da caça aos “gambuzinos” ou do homem do saco. Todas as localidades têm a sua, todas possuem um fundo de verdade ou de lição, comparado com a carga de galhofa que ostentam. Basta perguntar por um fenómeno em qualquer café da região, e o sorriso comprometedor não se faz esperar, como que se revelasse logo ali um segredo apenas guardado a quem sempre esteve por perto. Todas as lendas são assim, só se tornam épicas fora do local onde realmente aconteceram. Aos oitenta e três anos, Antero Fernandes, é outra das figuras paternas dos fenómenos. “Comecei novo, trabalhava na C.P. e como tinha facilidade em viajar e ia a Lisboa frequentemente, acabei por começar a escrever para vários jornais, mais na área desportiva. Depois, e quando reportei o primeiro facto estranho, as pessoas começaram a vir ter comigo para me trazerem abóboras gigantes, cenouras com formas esquisitas e...até um pinto com quatro patas e outras tantas asas”, conta.
E que destino tinham estes fenómenos, para além de propalados nas páginas do Correio da Manhã onde escreveu desde o primeiro número? “Bem, trazia-os onde podiam ser vistos por toda a gente que passava, a tabacaria Luanda”, que durante anos serviu de museu ao sobrenatural mundano que por aqui se passeava. “Claro que na maioria dos casos puxava um pouco à brincadeira... marmelos gigantes, melões gémeos... o que fazia sorrir as pessoas e tornava a coisa engraçada”, lembra.
Nos anos quarenta do século passado, o Entroncamento era, depois do Barreiro, o segundo meio operário do país, representando os trabalhadores dos caminhos-de-ferro mais de metade da sua população. A CP criou bairros para os empregados, uma escola e um armazém de víveres, mas... faltava o resto. Na verdade, a história dos fenómenos passa na sua quase totalidade pela brincadeira popular, de um povoado de gente proveniente dos quatro cantos do país e, onde o único contacto com o meio onde residiam e com o mundo para lá dos horizontes era a linha do comboio. “O Entroncamento é uma terra especial, composta de muitas gentes de várias proveniências, com muita imaginação, também fomentada pela inexistência de grandes notícias e outros atractivos que por aqui sempre foram escassos”. O pároco do Entroncamento, (que se considera em tons de brincadeira também ele um verdadeiro fenómeno, pois dirige as paróquias do Entroncamento com o padre Luís Borga, igualmente natural da região, e ele próprio um fenómeno de popularidade, e partilha com ele uma similitude curiosa, ambos têm irmãos gémeos) explica também que “tudo nunca passou de uma distracção à normalidade que acabou por unir uma verdadeira salada russa de muitas proveniências diferentes”.
Mas, e estando Fátima a poucos quilómetros, nunca terá surgido uma associação mais religiosa, a estes fenómenos mais, mundanos? Padre Vicente, aclara. “Não, porque não é nem nunca foi essa a génese destes acontecimentos. As pessoas daqui são muito criativas sabe, e estas coisas sempre aconteceram como forma de ilustrar a rotina de vida e não de entrar nos caminhos da fé ou do sobrenatural. Nunca se falou em fantasmas nem em espíritos, santos ou não!”, revela, com humor.

O tempo, não volta para trás
De apeadeiro até concelho com vinte mil habitantes num século diferente. Hoje, os comboios já não se alimentam de carvão, a maioria das famílias não trabalha na CP, e muitos comboios nem travam quando se aproximam da estação. A sombra dos aviões que esvoaçam e do TGV que há de passar a correr vão pendendo num tempo onde a ciência também ganhou todas as corridas. Sobra pouco espaço às histórias, e mesmo por aqui, entre a febre da construção de cores berrantes e o trânsito de final de tarde, para lá das tépidas conversas em bancos de jardim repletos de sobreviventes de outros tempos, já vai escasseando tempo para pensar e sorrir sobre as pequenas coisas do dia a dia.
Os motards Fenómenos do Entroncamento e a firma de mudanças Transfenómeno são os últimos resquícios visíveis de uma identidade que nunca o foi verdadeiramente e a última situação verdadeiramente estranha registada aconteceu já há alguns anos. Pouco tempo após a inauguração, o túnel que passa por debaixo da linha do comboio foi palco de um acidente tão trágico quanto invulgar. Dois homens chocaram precisamente a meio do túnel. Ambos morreram, ambos iam de bicicleta, à mesma hora, no mesmo local, na mesma trajectória. Insólito, mas demasiado sinistro para a boa disposição dos descobridores de fenómenos.
Pela cidade, um museu das aberrações chegou a ser falado, anunciado até, mas nunca viria a acontecer por falta de “matéria-prima”. De então para cá, os contadores de histórias como Eurico ou Antero envelheceram, reformaram-se, e apesar das terras continuarem férteis, as pessoas não vêm mais na imaginação as formas que lhes traziam à memória mais um bom tema de conversa, mais uma sonora gargalhada, mais uma história diferente de uma vida de formas sempre iguais.

Pública,
Outubro de 2007

novembro 02, 2007

Pública: Medo de ter medo…

Agorafobia, Aerofobia, Métrofobia, Filematofobia, Mnemofobia… Têm nomes estranhos, distintos significados clínicos, mas muito em comum. Todos são sinónimos de pavor, de perda de controlo. Na viagem pelos corredores labirínticos do Medo humano enquanto fantasma que atemoriza e pesa no subconsciente, a ajuda pode ser real mas também virtual.

Texto por
Pedro Cativelos

Fotos por
Patrícia de Melo Moreira


No ano de 1895, Sigmund Freud, patriarca da Psicanálise, publicou o seu primeiro estudo sobre a Fobia. De acordo com ele, nela “o afecto está presente através da angústia e do medo”, na criação de receios irracionais que impedem a pessoa de ser ou de se comportar de uma maneira lógica e consciente, podendo também causar reacções físicas impeditivas de bem estar pessoal e social.
Esta é a definição mais clínica de um problema que afecta muitos milhões de pessoas em todo o mundo (as estimativas indicam que cerca de 10% da população sofre com algum tipo de fobia), e mais do que se pensa, aqui mesmo em Portugal.
Entrar num café, ser tocado por alguém, percorrer os corredores de um supermercado, tomar banho, tocar em tesouras, botões, agulhas, ou simplesmente viajar em transportes públicos pode ser um verdadeiro tormento para algumas pessoas. Mas, como não há limites para o medo, há de tudo um pouco nas consultas dos hospitais psiquiátricos.
No nosso país, por exemplo, a ansiedade excessiva não é um fenómeno tão raro como se possa pensar. Segundo José Pacheco, Director do Serviço de Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos, “este distúrbio afecta entre três a quatro por cento da população”, admite.
Na vasta maioria dos casos, e como é comum neste tipo de situações, os fóbicos demoram anos a encarar a existência da doença e a recorrer à ajuda médica. “Em meados da década de 80, alguns estudos relatavam que o fóbico demorava em média nove anos a procurar ajuda”, revela o clínico.


Fobias para todos os gostos
Existem muitos tipos de fobias. Mais ou menos estranhas, dividem-se por grupos. As Simples, sobretudo comuns na população geral, envolvem animais, espaços fechados (claustrofobia), alturas (acrofobia), e viagens aéreas.
Há ainda outras fobias, como a Síndrome do Pânico, com uma incidência de cerca de 1 a 2 % da população, iniciando-se normalmente na adolescência ou no adulto jovem, além de ser mais detectada em mulheres. “Nas formas mais graves os pacientes ficam aprisionados nas suas próprias casas e até aí tem crises de pânico”, explica Serafim Carvalho, médico-psiquiatra.
Também a Fobia Social representa um outro tipo de medo profundo e marcante. Telmo Baptista, psicólogo e Presidente da Associação Portuguesa de Terapias Comportamental e Cognitiva, explica que o indíviduo “teme os contactos sociais porque, frequentemente, tem receio, da figura que vai fazer. Está relacionado com a ideia excessiva de que, por um lado, os outros o julgam e, por outro, o julgam de forma excessiva e negativa”, salienta.

Aprisionados no medo
O medo é um sentimento saudável que preserva a vida e nos faz evitar perigos iminentes mas também altera as funções corporais do indivíduo, causando palpitações, tonturas, mal-estar ou suores excessivos. Mas quando essas reações são causadas por medos não justificados ou imaginários, então trata-se de uma fobia que pode interferir na vida de uma pessoa limitando suas atividades diárias.
Paulo Marques, um jovem de 22 anos, é um barman com jeito natural para o Freestyle. Faz voar garrafas e mistura cocktails, com a mesma leveza com que eleva os copos por detrás das costas. “Tenho de fazer alguma coisa para me esquecer que tenho este…pequeno problema”, confessa, com um sorriso meio ingénuo. É que o Paulo, tem o que se chama de “ansiedade patológica”, ou no seu caso, medo irracional e descontrolado de ter um ataque cardíaco. “Os sintomas são os mesmos, começo a sentir o braço preso, dores nas costas, o batimento a acelerar… um dia tiveram de me chamar uma ambulância, que vergonha!”, conta. Chama-se Cardiofobia, este pavor que o atormenta desde que em pequeno presenciou um seu familiar a sofrer um enfarte. “Não sei que idade tinha, mas marcou-me. Lembro-me que tive uma crise, anos mais tarde, no dia em que vi o Feher morrer em campo… Aí decidi procurar ajuda no Hospital Miguel Bombarda, fiz terapia, tomei todos os medicamentos e hoje estu bastante melhor sim, embora ainda não completamente”, releva.
Enquanto conversa, os olhos perpassam para lá das palavras que lhe saem, fixando-se no telemóvel em que não tocou durante anos. Alberto, nome fictício, recupera de um distúrbio que o incapacitava de levar uma vida normal. A fobia social impediu-o, durante algum tempo, de estar em espaços públicos e de se sentir à vontade com estranhos, mesmo ao telefone. Não conseguia contactar com pessoas. “É uma doença de timidez em que, a determinada altura da vida, a pessoa começa a interiorizar bocas, alcunhas, coisas assim”, explica. “Lembro-me do esforço que era atender o telemóvel, encarar o chefe, ou falar com os colegas”, conta.
Para José Pacheco, Director do Serviço de Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos, “uma parte dos fóbicos sociais refugia-se em profissões onde há pouco contacto com o público”, mas alerta para um outro factor não tão claro. “Muitos acabam no entanto por optar por uma profissão que, sendo antagónica, é aquilo que a pessoa deseja porque por um lado tem medo de estar com os outros mas por outro gostava de o fazer” e assim ultrapassar o seu medo”, explicita.
Com o tempo, deixou de conseguir frequentar cafés, supermercados e transportes públicos até que decidiu procurar ajuda. “Estava de rastos, já”, revela. “comecei a enfrentar os meus medos, a respeitar a medicação, a fazer psicanálise… apoiei-me na minha mulher, nas minhas filhas…” Cumpridos os tratamentos, Alberto sentiu melhoras. E até começou a ser “extrovertido e a viver as coisas ao contrário e… resultou”. Agora frequenta um grupo de apoio, “por causa das recaídas”, explica.



Realidade...Real!
Tendo por objectivo a resolução de todos esses medos que residem no inconsciente humano, “muitas vezes o tratamento passa por um casamento entre a utilização de medicamentos e a psicoterapia”, acrescenta José Pacheco, Director do Serviço de Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos. Contudo, para lidar com este tipo de doença o Hospital Júlio de Matos recorre, de forma pioneira a nível mundial, às potencialidades da cibernética interactiva com um fim... terapêutico, direccionado para os traumas de antigos combatentes da Guerra do Ultramar e até para quem tenha pânico de voar. Segundo a opinião dos clínicos afectos a esta especialidade, “tem sido um verdadeiro sucesso”.
O Laboratório de Psicologia Computacional da Universidade Lusófona e o Hospital psiquiátrico Júlio de Matos estão há dois anos a aperfeiçoar a tecnologia que permite o tratamento de perturbações emocionais de stress pós-traumático através da utilização de instrumentos de realidade virtual. Após um prolongado período de testes, esta inovadora ferramenta de tratamento psiquiátrico está já disponível nas consultas do Hospital.
No primeiro estudo conhecido sobre este assunto, elaborado nos Estados Unidos, os cientistas utilizaram a realidade virtual para tratar vítimas de acrofobia ou o medo das alturas. A pesquisa abriu novas possibilidades para o tratamento de uma ampla gama de condições fóbicas, cujos actuais tratamentos, que utilizam técnicas de exposição a situações reais de geração de ansiedade não podiam até agora dar a resposta mais adequada. E Portugal, a par dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Canadá, está na linha da frente no que concerne ao desenvolvimento de uma tecnologia que pode salvar vidas, ou pelo menos torná-las bastante mais pacíficas.
Pedro Gamito é professor na Universidade Lusófona. Quando estudava para o doutoramento no Reino Unido, decidiu enveredar por um caminho que o traz agora, passados alguns anos, ao momento em que aquele sonho que um dia teve, se pode tornar numa real ajuda para tanta gente cujo sono vem sendo, de há muito, feito de pesadelos. “O problema dos antigos combatentes sempre me foi próximo. O meu pai é médico e sempre lidou com este tipo de casos que, directa ou indirectamente, afectaram nas últimas décadas grande parte das famílias portuguesas. Com base em alguns estudos feitos lá fora, e embora não pertencendo à área da medicina, decidi, através da minha especialidade de computação, desenvolver de raiz, em Portugal, um sistema que pudesse criar condições para facilitar o tratamento de algumas perturbações de stress pós-traumático”.
E foi num espaço cedido pela instituição onde lecciona, e em conjunto com alguns dos seus alunos de informática que desenvolveu todo este trabalho. "Tudo isto me parece importante no que se refere a comprovar a existência de um potencial real para o uso da realidade virtual em terapias de exposição", declara o professor Pedro Gamito, até porque, acrescenta, "existe um vasto leque de doenças que poderão vir a ser tratadas por meio de sistemas de terapia de realidade virtual em consultórios médicos. As vantagens?! É que por exemplo no caso de antigos combatentes é impossível expô-los às condições que os marcaram tão profundamente. Isto até surgir esta possibilidade, de criar um cenário virtual, em que a imagem e o som, enquadrados pelo acompanhamento médico tradicional podem de facto fazer milagres!”. E o que é um milagre, quando se fala das rasteiras provocadas pela mente? “A poupança de tempo, a redução dos custos, e acima de tudo, a acentuada subida da eficácia. Este tipo de tecnologia apresenta ainda algumas outras vantagens. Para além do preço, também pode ser programada caso a caso, ou seja, não é uniformizada mas adaptável ao caso específico que está em tratamento”, explica.

Memória viva
É bem conhecida a situação do stress pós-traumático quer no caso dos veteranos de guerra, de violações, de acidentes de aviação ou outros acontecimentos psicologicamente marcantes. A pessoa que tenha passado por um episódio destes não se consegue livrar dele. A cena repete-se, ganha raízes, mantém-se na mente, e aprisiona o dia a dia, criando problemas e sofrimento, como se essa situação do passado esteja ainda a acontecer no presente. Responsável pelo departamento de stress pós-traumático do Hospital Júlio de Matos, a Dra. Fany Lopes aborda precisamente a envolvência psicológica de alguém que não se consegue libertar do seu passado. “O nosso trabalho, principalmente nesta área, baseia-se na aceitação da situação, por isso é que normalmente se utiliza a terapia da exposição, não com o objectivo de apagar a memória, mas sim de atenuar os seus ecos, de diminuir as suas marcas no quotidiano do paciente, em suma, de melhorar a qualidade de vida da pessoa que padece desta doença”. Até porque, prossegue, “é impossível esquecer o passado porque ele... é parte essencial da pessoa que somos”, assevera.

“Ia partindo aquilo tudo…!
Um dos voluntários que se submeteu a esta fase experimental foi Rui Oliveira, nome fictício que este antigo combatente com comissão de três anos feita em Moçambique, decidiu escolher para evitar a exposição pública do seu problema perante os colegas. “Estive em África durante poucos anos, que me pareceram maiores que a toda a minha vida, antes e depois. Vivi pouco de facto, após o regresso...”, começa por contar. Torna-se ainda inevitável deixar de observar os seus olhos, a forma como se vão emudecendo, em contornos ainda enraivecidos, sublimados por uma certa e por vezes demorada ausência do espaço físico do presente. “Vi coisas que me mataram enquanto homem. Mesmo sem nunca ter levado uma bala, sei que ali vivi e morri com todos eles”. Não disse quem eram, mas pressente-se que ainda os vê, provavelmente aos seus camaradas que não regressaram como haviam embarcado. A seu lado.
E à tormenta do cenário de guerra, seguiu-se o infortúnio de uma vida que, desde esse momento que durou tempo de mais, se espalhou como doença para o resto dos seus dias. “Sei que fui mau para a minha mulher, para os meus filhos, para mim... Bebia, era violento, estive perdido no tempo, envelheci sem me dar conta. Até que percebi que precisava de ajuda. Já todos o tinham percebido aliás” conta.
Depois de anos de tratamentos que foram amenizando a sua condição mais revoltada, Rui Oliveira foi um dos que já regressaram ao palco das suas memórias tortuosas, mas desta vez, era tudo um cenário virtual. “Parecia real sabe?! Chorei, gritei, ia partindo aquilo tudo! Sei que era apenas um teste mas senti naqueles momentos que estava lá de novo, voltou tudo, revivi tudo! Foi impressionante!”.

Caixas:
As Fobias mais estranhas
Proveniente do étimo Grego phobos, significa medo, horror, pânico. Se claustrofobia e agorafobia são fobias bastante comuns, apresentamos-lhe algumas bastante mais invulgares, mas igualmente incomodativas.

Botanofobia: medo de plantas
Clinofobia: medo de camas ou de deitar-se
Sofofobia: medo de aprender
Vestifobia: medo de roupas ou de se vestir
Araquibutirofobia: medo de que se incrustem na gengiva ou no palato a pele que envolve o amendoim, pipoca ou outro componente que adere ao palato como doces compactos
Bibliofobia: medo de livros
Eufobia: medo de ouvir boas notícias
Melofobia: medo de música
Aurofobia: medo de ouro
Coulrofobia: medo de palhaços
Cronomentrofobia- medo de relogios
Cromatofobia- medo de cores
Coulrofobia- medo de palhaços
Eisotrofobia- medo de espelhos
Geliofobia- medo de gargalhadas
Métrofobia- medo de poesia
Olfatofobia- medo de cheiros
Pogonofobia- medo de barbas
Pedofobia- medo de crianças
Triscadecafobia- medo do número 13




Caixa:
Ganhar asas
A TAP, em parceria com a UCS (Cuidados Integrados de Saúde), criou no final do último mês de Maio um Programa de Tratamento de Fobias de Voo que se destina a todas as pessoas que têm medo de viajar de avião.
Para se inscrever ou obter qualquer informação ou esclarecimento adicional, poderá contactar a Consulta de Fobias de Voo da UCS, através do e-mail ganharasas@ucs.pt ou através do Call Center da UCS: +351 218 436 300 / 218 436 311 / 218 436 330 / 218 436 340.


Caixa:
Fobias dos Famosos:

Jonhy Depp – Coulrofobia – Medo de palhaços. "Tem alguma coisa naquelas caras pintadas e os sorrisos falsos que me deixam desconfortável", declarou o actor.

David Beckham - Sofre de desordem compulsiva obsessiva. Ou seja, tem de estar tudo sempre milimetricamente organizado.

Billy Bob Thornton - Entra em pânico quando o assunto é mobília antiga e só fica em lugares modernos.

Jennifer Aniston - Apesar de viajar de um lado para o outro por causa da profissão, a atriz morre de medo de avião

Orlando Bloom - Rei das grandes produções épicas e filmes de ação, o ator, quem diria, entra em pânico ao se deparar com um simples porquinho

Christina Ricci - Ela sofre de botanophobia (medo das plantas). "São sujas e eu não entendo como as colocam dentro de casa", referiu.

Tobey Maguire – Ironicamente, o Domem Aranha, não suporta grandes alturas

Nicole Kidman - Odeia borboletas


Revista Pública,
Setembro de 2007

setembro 06, 2007

Sábado: Amor de Pai

Alterações hormonais, variações de humor, aumento da barriga, enjoos frequentes, insónias… Parecem sintomas de uma qualquer gravidez mas na verdade, estudos recentes efectuados sobre o comportamento parental revelam que também os homens podem ser vítimas deste tipo de indícios, podendo no limite estar sujeitos a sofrer de depressão pós-parto.
Maria de Jesus Correia, psicóloga clínica da Maternidade Alfredo da Costa não tem mesmo qualquer receio em afirmar que “os homens também engravidam” facto igualmente comprovado pela psicóloga Rita Gomez que desenvolveu um estudo que acrescenta suporte científico e algumas primeiras conclusões reveladoras a um tema que até há bem pouco tempo não passava de assunto tabu.


Por
Pedro Cativelos

Fotografia
Patricia Moreira



Para a grande maioria dos casais, o processo do nascimento de uma criança é um acontecimento preenchido por uma felicidade extrema. No entanto, num complexo processo físico e psicológico que se prolonga para além dos nove meses da gravidez, as mudanças hormonais, somadas à responsabilidade de cuidar de um recém-nascido, costumam deixar a mulher triste, apática, sem dar sinais de afecto pelo bebé num estado a que se costuma chamar de baby blues. No entanto, e quando extremados, estes sintomas podem tornar-se patológicos e conduzir à depressão pós-parto (cerca de 15% das mães são afectadas por ela). Como tudo até agora indicava, este era um diagnóstico unicamente detectado em mulheres. Todavia, novas pesquisas vêm revelar uma outra vertente do problema, que se vem movendo furtiva e silenciosa, incógnita entre casais que acabaram de ter filhos. Agora, também os homens estão na mira da depressão pós-parto, esta contudo paterna.

Incidindo precisamente sobre esta nova tendência, um estudo realizado pelas universidades britânicas de Oxford e Bristol em cerca de 8.400 homens num período de oito semanas após o nascimento do bebé, revelou factos até à data pouco debatidos e praticamente desconhecidos, É que, aproximadamente 3,6% dos pais apresentavam acentuados sintomas de ansiedade e irritabilidade. Estavam assim, oficialmente… deprimidos!

Podem os homens dar à luz? Não! Mas podem engravidar? Sim! E o que é que lhes acontece, nada?! Podem ficar deprimidos!!!

E porquê? Sinal dos tempos. “Hoje, o homem tem uma experiência emocionalmente mais próxima daquela sentida pela mulher”, explica Maria de Jesus Correia, psicóloga clínica da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa. E de tal forma assim é que acabou por se estabelecer uma relação com um sintoma já conhecido da comunidade científica, o Síndrome de Couvade. Detectado em 1965 pelo psiquiatra britânico Trethowan que identificou nos companheiros das mulheres grávidas um conjunto de sintomas físicos (enjoos, vómitos) e psicológicos (tensão, insónia e irritabilidade), o "Síndrome de Couvade", fazia no entanto referência a uma cerimónia presente nalgumas sociedades primitivas, em que, quando se aproximava a hora do nascimento de uma criança, os homens simulavam a agonia do parto. "Homens grávidos" é também uma expressão que a psicóloga utiliza demasiadas vezes para o senso comum. Geralmente, explica, “a sociedade atribui mais importância ao papel da mulher, e esquece o do homem, algo que se tem invertido nos últimos anos. Podemos inferir que se antes do parto, o homem tem sintomas idênticos ao da sua companheira, no período que se segue ao nascimento da criança isso também pode suceder! Existem poucos casos, e o diagnóstico nunca pode ser assim tão literal, mas existem de facto, normalmente devido ao nascimento do primeiro filho, quando se dá a maior mudança na vida do casal. Ainda agora tenho um jovem pai que me dá fortes indícios disso”, revela. Mas, quais são os motivos para que o homem possa também ficar deprimido, e sofrer mudanças físicas e hormonais idênticas à de uma grávida, sem outro motivo que não psicológico? “Variadas razões podem conduzir à depressão, numa fase em que repentinamente se verificam inúmeras mudanças. Desde o ciúme em relação ao bebé porque o meio familiar passou a ser a três e a relação mãe filho é sempre mais forte inicialmente, passando até pela insegurança relativamente à capacidade e responsabilidade de cuidar daquele bebé. Não podemos esquecer igualmente toda instabilidade provocada pelo facto da mulher não estar, após o parto, muito disponível, do ponto de vista sexual… Todas são razões fortes que interferem do ponto de vista emocional e que extremadas por uma psique mais frágil em termos de auto-estima podem de facto levar a uma depressão pós-parto masculina", explicita. Possíveis sequelas de um novo começo, que nas palavras da psicóloga “muitas vezes não vão além de alguns primeiros sinais, rapidamente assimilados pelo casal”.

Receita para evitar o problema, “passa pelo poder da comunicação entre o novo pai e a nova mãe. Para que continuem e tornem eterno o seu namoro, e para que a criança se desenvolva num meio familiar estável e positivo”, aconselha.


Em Portugal...


No nosso país, o assunto é alvo de estudo pela psicóloga e investigadora, Rita Gomez que concluiu a sua tese de doutoramento sobre a psicoendocrinologia do comportamento parental. Apesar de não ter chegado a “conclusões definitivas, porque este foi apenas um estudo exploratório não totalmente conclusivo”, a psicóloga pode no entanto afirmar que se verificaram alterações hormonais e comportamentais em cerca de 30% dos homens abordados no seu estudo, os quais posteriormente acabaram por registar níveis de envolvimento parental bastante mais elevados. A investigadora coloca então duas hipóteses para o sucedido. “A alteração hormonal pode estar relacionada com o acréscimo de prolactina, que no homem prejudica a produção de testosterona, ou por outro lado com a alteração do estado emocional, proporcionada pelo acréscimo de ansiedade do pai”, acrescenta Rita Gomez.

Se no homem não se verifica integralmente o fenómeno biológico tal como na mulher, o psicológico pode, por outro lado ser inovadoramente semelhante.



“Senti-me… grávido!”


Psicossomático ou não, a verdade parece indiciar que há de facto homens que parecem engravidar tanto como as respectivas companheiras e que após o parto sofrem uma espécie de Baby Blues mais ou menos acentuado.

Os níveis hormonais de Miguel Noronha pareciam ser regulares. Após alguns anos de vida conjunta, o casal decidiu então engravidar. E foi de facto o que aconteceu. Ela deu à luz mas ambos engravidaram. Miguel quis acompanhar todo o processo bem de perto. “Queria que ela sentisse que eu estava ali, a sentir as suas dores, as suas preocupações… fui às consultas, às aulas, até tirei férias para poder estar sempre presente”, explica. Das ecografias às análises e aulas do curso de preparação para o parto, Miguel passou por tudo com Eugénia, a esposa e agora mãe, que não deixa de realçar que tudo o que ele diz “é inteiramente verdade. Estivemos sempre juntos”, assevera.

“Posso dizer que sim, senti-me… grávido!”, conta. “Pela primeira vez na vida fiquei deprimido, cheguei a estar mal disposto e até acho que ganhei um pouco de barriga”, revela, o que até nem é assim tão invulgar, se se recordar a reacção típica do síndrome de Couvade, acompanhada por um estado psicológico mais fragilizado pela mudança requerida pelas enormes exigências da paternidade. No entanto, prossegue, “não trocaria esses momentos que depois ultrapassei, também com as aulas de preparação para o parto, pela magia que sinto quando olho para a minha filha Estrela”, releva.

Um outro jovem pai, de uma menina de 18 meses, Miguel Teixeira, não deixa de assinalar terem sido as aulas de ioga para grávidas e casais ministradas no Centro de Estudos de Yoga, em Oeiras, que o ajudaram a atravessar um momento que chegou a temer, mas que sempre se preparou para aceitar com um sorriso. “Tentei sempre estar perto da Ana (Pereira), e felizmente correu tudo bem! Mas há momentos em que paramos um pouco e começamos a pensar em tudo o que pode acontecer, então eu que sou muito emotivo… É claro que em certa altura me fui abaixo, principalmente pela responsabilidade que se avizinhava, mas depois, readaptei as minhas perspectivas e reenquadrei-me por forma a usufruir totalmente desta grande sorte que é ser pai”, conta.

Se para Miguel Teixeira o termo depressão não passou de uma breve preocupação, já para Fernando Germano, agente imobiliário de 33 anos, os sintomas foram ligeiramente mais acentuados. “A partir dos últimos meses de gravidez e nos tempos que se seguiram ao nascimento do meu filho, sentia-me constantemente indisposto, enjoado sem paciência para nada. Pensava demais, reflectia no que poderia correr mal… comecei a ficar um pouco desesperado com tudo o que poderia surgir a partir do nascimento. No entanto não associei imediatamente o que me aconteceu à gravidez da Luísa”, sua mulher, que estava grávida de três meses. “Só depois de falar com o meu médico é que me apercebi. Como ela, tive de me habituar a lidar com a situação… Diz-se que os homens não engravidam, eu posso dizer o contrário, e ainda bem! Até na Maternidade, eu estive ao lado dela, mas aí, acho que ela sofreu um bocadinho mais do que eu”, brinca.


Caixa:

Os sintomas


O aparecimento do Síndrome de Couvade apresenta sintomas que ganham intensidade a partir do terceiro mês de gravidez. Alguns destes sintomas, aliados a uma mais acentuada debilidade psicológica podem degenerar num estado depressivo causado pelo nascimento de um filho.

- Ganho de peso

- Enjoos frequentes

- Variações de humor

- Dores de costas

- Variações de apetite

- Indigestão

- Diarreia e prisão de ventre



Caixa:

Factos e números


- Um estudo realizado pelas universidades britânicas de Oxford e Bristol em cerca de 8.400 homens num período de oito semanas após o nascimento do bebé, revelou que, aproximadamente 3,6% dos pais apresentavam acentuados sintomas de ansiedade e irritabilidade e depressão.

- Cerca de 15% das mulheres sofrem de depressão pós parto.

-Cerca de 30% dos pais sofrem de Síndrome de Couvade.

- Mais de 50% dos homens não procuram terapia e aconselhamento médico específico

- Um estudo do ano 2000 da Universidade Memorial de Newfoundland, no Canadá, aponta que as hormonas dos futuros pais, a prolactina, o cortisol e a testosterona, podem de facto oscilar, acompanhando a gravidez das respectivas companheiras.

- A prolactina está mais presente nas mulheres do que nos homens e está relacionada com a amamentação e com o comportamento materno. Os pais com maior número de sintomas de gravidez são aqueles que apresentam valores de prolactina mais elevados.

- A testosterona pode decrescer até 33% depois do nascimento do bebé. Os baixos níveis de testosterona estão associados ao comportamento mais paternal dos homens e às suas variações comportamentais.

-A depressão pós parto e o estado de baby blues são mais flagrantes com o primeiro filho do casal.

Revista Sábado,
Junho 2007

agosto 22, 2007

Serra d’Ossa renasce das cinzas





Há um ano, o Verão foi escaldante. As suas encostas que se elevam a norte com vista para as Serras Beirãs e para oeste, para a Arrábida e Montejunto foram inundadas pela ira do fogo. Doze meses depois, o regresso ao local para ouvir os intervenientes e estabelecer um ponto de situação no processo de recuperação da Serra d´Ossa. Alguns dos projectos estão já em marcha. As máquinas estão em movimento, os acessos terrestres foram melhorados, as árvores assassinadas foram cortadas e a seu lado, nascem agora novos rebentos de esperança num futuro que não pode esperar.

Por,
Pedro Cativelos


Faltam ainda alguns anos e muito trabalho e esforço político e social para que tudo volte a ser como dantes. Mas hoje, no seu mais alto cume, S. Gens a mais de 600 metros de altitude, parece vislumbrar-se um novo começo num ainda ténue respirar do pulmão de vários concelhos alentejanos… Por entre Estremoz, Borba, Vila Viçosa, Alandroal e Redondo, reergue-se de novo, majestosa na paisagem alentejana, a Serra d’Ossa.
Durante um quarto de século a Serra d’Ossa não sentiu o calor do fogo. Mas aquela que se ergue no coração do Alentejo, de origem e nome recuperado na ancestral história da geologia humana, carregada de mistério e misticismo, provaria o sabor da penumbra negra, encharcada em cinza nos primeiros dias do mês de Agosto de 2006, quando se tornou combustível para o gigantesco incêndio que lhe fez perigar a existência milenar. Populações, animais e haveres pereceram. A paisagem ficou mais pobre, calcula-se que em cerca de 5 mil hectares de fauna e floresta que terão sido consumidos sem perdão. As chamas, lavraram sem descanso ao longo de vários dias, atingindo áreas florestais integradas nos concelhos de Alandroal, Borba, Estremoz e Redondo.
A catástrofe desencadeou o Plano Distrital de Emergência e o envolvimento das diversas corporações de bombeiros e autarquias do Distrito de Évora. Muitos homens combateram ali um destino que muito dificilmente poderia deixar de ser… negro.
Mas a vontade humana, e a força do carácter de bombeiros, autarcas e fiéis amigos da natureza decidiram alterar esse ensejo, transformar ideias tantas vezes esvaziadas de acção em concretizações práticas para combater a tendência das coisas más. O Inverno prolongado também deu a sua ajuda. A "obra", essa, já está à vista.

"Reconquistar tudo o que se perdeu"

Em todo este processo de revitalização da Serra foram preponderantes as acções desencadeadas pela governadora civil de Évora, Fernanda Ramos. Desde o momento em que tomou conhecimento da tragédia, garantiu ser "fundamental continuar a preservar o património e reconquistar tudo aquilo que se perdeu", disse, há um ano atrás.
Desde então, o Governo Civil do distrito de Évora em conjunção com outras forças vivas da região tem vindo assim a promover um conjunto de encontros de trabalho entre os agentes envolvidos na problemática dos incêndios e as autarquias do perímetro afectado. Durante um ano avaliaram-se os estragos, perspectivaram-se soluções, iniciaram-se os trabalhos.
A recuperação deste recinto natural de excelência foi precisamente um dos objectivos que baseou a aprovação do projecto da Associação de Produtores Florestais (AFLOPS) que agora se apresta para avançar. A sua concretização conta já com algumas intervenções em curso (limpeza das matas, abertura de corredores de segurança, reflorestação localizada) e surge depois da candidatura da associação ter sido aprovada no final de Junho, pelo Ministério da Agricultura. Em declarações ao Diário do Sul, Nuno Santos Fernandes, vice-presidente da AFLOPS considera este como um "projecto renovador e inovador simultaneamente".
Todavia, para o responsável da AFLOPS, este representa apenas "um indispensável primeiro passo para a criação de um Plano Integrado de Recuperação da Serra d´Ossa, cuja reflorestação tem de ser feita de forma a que se acautelem os previsíveis riscos de outros grandes incêndios", reitera.
O Plano de Controlo de Erosão na Área Ardida da Serra d´Ossa, apresentado em Junho último, prevê assim uma comparticipação de 80 por cento por parte da União Europeia e do Estado português. A candidatura, única para toda a área atingida pelos incêndios, assentou num estudo desenvolvido pela Aliança Florestal (Grupo Portucel-Soporcel, detentor de parte substancial do eucaliptal ardido) com um único objectivo: "Afastar uma área sensível como esta dos potenciais fenómenos erosivos em área ardida", os quais, segundo a AFLOPS, "têm inúmeras consequências nefastas. As mais evidentes? Posso dar-lhe o exemplo da destruição de caminhos e passagens hidráulicas e a contaminação de águas… A mais longo prazo, a perda de solo produtivo pode ser um obstáculo terrível e atingir proporções assustadoras sendo praticamente irreversível", esclarece. Por isso, assevera, "temos de actuar com celeridade e espírito de sacrifício, até porque, ainda há um longo caminho para percorrer", alerta o dirigente da AFLOPS.
Hoje, a encosta Norte permanece manchada pela devastação, numa paisagem enegrecida ainda em alguns dos seus horizontes. Mas na terra, os troncos parcialmente ardidos já foram cortados. Renasce vida à sua volta. Em determinados locais crescem mesmo novos eucaliptos (que na década de 50 transformaram a serra no maior eucaliptal de Portugal), irrompem jovens plantas, regressam os bichos com a verdejante vegetação que já assimilou a terra queimada, transformando-a agora, em flores.
Não cheira mais a morte, e este Verão traz consigo um odor diferente daquele que por aqui passou há quase doze meses. Cheira a vida, outra vez.

Julho, 2007
Diário do Sul

agosto 21, 2007

“Sou inconsequente em tudo”



Iniciou-se na escrita em 1990 com o romance “O Nó na Garganta”. Inaugurou um novo estilo literário, dedicado às pequenas coisas que perfazem o mundo do quotidiano. Sensível, intimista, geracional, estrondosa no número de livros vendidos, quase tão imenso como a inusitada avalancha de seguidores. Mordaz, cativante, diferente, Rita Ferro apresenta-se em “O Sexo na Desportiva”, mutável como as suas palavras, ousada, natural como a vida que absorve “com intensidade absoluta”.

Por,
Pedro Cativelos
Fotos,
Patrícia B. Moreira


Com o livro nas mãos, como se sente ao olhar para ele?
Estou cada vez menos entusiasta na recepção de um livro. Já não sinto aquele sobressalto das primeiras obras…

Um novo estilo na sua escrita, agora mais condimentado…
É a primeira vez que escrevo sobre coisas mais picantes, misturando uma série de crónicas que fiz para a “A Bola” e para o “Correio da Manhã”. Tive algum pudor, confesso, mas são apenas histórias malandrecas e sempre redimidas pelo humor.

Onde se foi inspirar para “penetrar” neste universo do desporto e do erotismo?
Baseei-me num livro de desporto que tenho aqui e que fantasiava sobre isso, resultando daí diversas histórias de aproximação entre pessoas.

É uma mulher inconstante?
Vivo com uma intensidade absoluta, mas… normalmente nada é tão interessante quanto o imagino previamente, farto-me das pessoas, dos amigos, de mim própria, por vezes…

E da escrita, ainda não se fartou?
Sou inconsequente em tudo, mas não no sentido renunciante... Mudo a página! Na escrita, sei que não morria se não escrevesse, mas gosto de o fazer!

Criou um estilo, ou simplesmente o inaugurou entre nós?
Tenho a noção que não faço grande literatura. Mas sei que fui a primeira a trazer para Portugal um certo tipo de escrita que até aquele momento não existia no nosso país.

Mas mudou a face da literatura portuguesa. Para melhor, ou pior?
Isso trouxe consequências, e muitas, é verdade! Algumas boas, outras nem tanto…

Maio, 2007

As melhores praias do Alentejo




O Alentejo é feito de costas abruptas e encostas suaves, erguido nos montes, nascido nas plantações, renascido no turismo, alimentado na boa mesa, retemperado nas praias, muitas, das melhores que o nosso país tem a oferecer. De Tróia a Odeceixe, na fronteira com o Algarve, as finas areias brancas, diluem-se na paisagem do mar infinito, azul, contagiante, contrastante, como esta terra moldada nas ondulações enraivecidas do vento invernoso, mas emoldurada na memória da brisa cálida das Primaveras que se sucedem. Fomos conhecer as costas do Alentejo, muitas vezes esquecidas, outras tantas simplesmenete abandonadas, mas cada vez mais visitadas e traçamos-lhe um roteiro da outra face de um Alentejo que nunca é grande de mais para ser descoberto.

Texto e Fotos
Pedro Cativelos


Secularmente estas são terras de camponeses, pescadores e apanhadores de marisco… Agora, chegam turistas, curiosos visitantes, foragidos ao stress, surfistas… Mas a vida segue. Impávida, serena, como se quer. Os Alentejanos do Sudoeste, habitantes da Costa Vicentina convidativa ao descanso nos campos forrados de flores até às falésias, a pique sobre o mar em revolta sabem, mesmo sem darem por isso que, por aqui, o “Algarve” ainda está muito longe, e as mega-urbanizações e as auto-estradas são ainda projectos que não passaram do plano de papel. Estão degradados, a maioria dos acessos que conduzem a praias onde por enquanto ainda só é possível chegar de jipe, ou com muito espírito aventureiro, por entre cabeços cobertos de estevas agressivas. Mas a cada praia, mais ou menos recôndita que se avista, a sensação é impressionante e o ar, carregado de iodo, chega a arder quando se respira fundo. Cheira a descoberta, cheira a liberdade.

Beleza sem fim
Praias, dunas, falésias, charnecas, estuários e vales fluviais são alguns dos habitats onde vivem plantas e animais que constituem património natural desta região. É o caso de algumas espécies de plantas, como a Silene Rothmaleri e a Plantago Almogravensis, que tinham já sido consideradas extintas quando, nos anos 90, foram encontradas pequenas populações de ambas as espécies. Existem ainda as quase desconhecidas famílias de lontras que se estabeleceram nesta costa rochosa. Estes e outros motivos são mais do que suficientes para que zonas como o estuário da Carrapateira e a Praia do Castelejo, por exemplo, sejam visitadas por botânicos e zoólogos provenientes de todo o mundo.
A paisagem é alta e escarpada escondendo minúsculas praias abrigadas por entre as arribas esculpidas. Há momentos, de maré vazia, em que o mar se retira e faz descobrir uma areia plana onde a água se revela inspiradora para um belo mergulho de Verão.
No Sudoeste Alentejano, o tempo consolidou e modelou as encostas areníticas, ora rosa, ora ocre, ora encarniçadas... Cores com vida, num bem preenchido mapa dos sentidos, onde sobressaem os aromas do campo, das ervas de cheiro que por aqui servem de tempero e conserva aos frutos do mar. Se o Alentejo vive ao sabor da terra, deve acrescentar-se que também sabe sobreviver à sombra do Atlântico.

Tróia, Comporta, Melides… sempre à beira mar
Do Estuário do Sado pode observar-se uma grande diversidade de elementos naturais, que produzem uma paisagem verdadeiramente única. Começa aqui o Alentejo, apresentando-se hoje como um dos melhores exemplos de um litoral ainda pouco intervencionado, mantendo praticamente em toda a sua extensão a maioria das suas características naturais.
Entre o Oceano Atlântico e a planície alentejana, numa extensão de 45 km, desde o extremo da península de Tróia até à praia de Melides, a costa do concelho de Grândola, é a maior extensão de praia do país, uma mancha contínua de areal que se perde na vista do horizonte. Ainda antes, os martelos pneumáticos ocultam o ruído das gaivotas que pairam sobre as ondas, enevoadas pelo pó que anda no ar. Tróia está a mudar… e a crescer com o turismo.
Poucos quilómetros à frente, a praia da Comporta, que deve o seu nome ao sistema de canais de irrigação do vale de arrozais que se estende até ao Carvalhal. Situado no extremo sul da Península de Tróia, o seu enorme areal é chamariz para muitos veraneantes de ocasião.
Estando nos limites da Reserva Natural do Estuário do Sado, esta praia é um espaço natural preservado, onde se conserva a vegetação dunar original, rodeada por abundância de pinhal. Seguindo para Sul, Melides, onde a história falada relembra o naufrágio de Fernão Mendes Pinto, provocado por corsários franceses em busca de fama e fortuna. Naquela enseada terá conseguido a protecção de que necessitava… Hoje, por lá param mais de duas centenas de espécies de aves identificadas e protegidas, como o pato de bico amarelo, o galeirão de crista e a águia pesqueira.



S. Torpes e S. Tropez…
Mais a Sul, S. Torpes é a primeira praia que se nos depara após o complexo industrial de Sines marcando igualmente o início do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e a Costa Vicentina. Este extenso areal, encontrou o seu baptismo no destino da cabeça de um oficial romano morto por Nero, chamado Torpes, que por aqui, há muito, muito tempo terá dado à costa. O resto do corpo aportou em Saint Tropez (estância balnear no Sul de França), bem longe daqui, mas para sempre próxima. Pelo nome e pela histórica rocambolesca. Porventura para o livrarem do peso do castigo e do nome colocaram-lhe, tanto aqui, como em França, o São, para assim repousar, em eterno descanso.
Para trás, Sines, a mais industrializada localidade do Alentejo, com o seu Porto de abrigo a romper as águas até bem longe da costa e a gigantesca central termo-eléctrica de S. Torpes a descaracterizar a paisagem. O dourado da areia, mistura-se com a escuridão da fuligem libertada pelos muitos navios que ali passam e pelos fluidos escoados pela Central. Metros à frente, e se não olharmos o retrovisor, o cenário volta a ser edílico.
Para lá da lenda, e da crua realidade, ali começa a estrada alcatroada que, sobre dunas e falésias conduz até Porto Covo. A vista é única. O recorte da costa deixa mostrar as inúmeras baías de onde sobressaem as praias de Morgavel, da Oliveirinha, e as arribas da Samouqueira. Apetece mergulhar.




Aqui, no lugar de Porto Covo…
Hoje, a velha vila de pescadores que um dia Rui Veloso imortalizou em cantiga, já se estende para Norte, enchendo-se de pequenos aglomerados de casas muito recentes, geminadas, mas sem a traça das que permanecem no centro. Vale a pena ir até à praça Marquês de Pombal, setecentista, quadrangular à maneira das praças pombalinas. Tem uma igreja e fiadas de casinhas de uma porta e uma janela e barra azul, antigas casas de pescadores, transformadas em restaurantes, bares, artesanatos, cafés. Integrada no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e com o mar como cenário de fundo, Porto Covo é ainda uma pequena vila piscatória que se desenvolveu bastante nas últimas décadas. Mesmo junto à aldeia, a Praia Grande tem as características de uma praia urbana, com bons acessos e infra-estruturas de apoio. Rodeada de grandes rochedos que a tornam mais abrigada, é banhada por um mar de águas límpidas que, por vezes, tem uma ondulação forte apreciada, bastante pelos surfistas.
Ali bem à vista, a Ilha do Pessegueiro, para sul, com as suas falésias mais bem delineadas, com a praia em forma de concha a mirar a Ilha. Para lá se pode nadar ou navegar. Nela jazem os restos de um forte do tempo dos Filipes e o forte do Pessegueiro, do século XVI. A caminho de Vila Nova de Milfontes, as praias de Aivados e do Malhão estendem-se ao longo de sete quilómetros, cheios de recantos alheios à civilização popular.




Vila Nova de Milfontes
A costa começa a elevar-se a partir de Porto Covo e as falésias chegam até ao Cabo de S. Vicente. São 26 quilómetros de falésias que chegam a ter 45 metros de altura no Cabo Sardão, enraizadas nos verdejantes pinhais, que tão bem se familiarizam com os solos arenosos e com a brisa do mar. No centro de tudo isto a Vila Nova das Milfontes é apenas surpresa para quem já não a conhece. Sobretudo se se fizer a aproximação pela estrada que passa pelo Cercal. Vila Nova, no estuário do rio Mira, alva e caiada para o turismo de Verão, sempre cuidada. Na marginal, sobressaem os largos milhares de pessoas, acompanhadas pelas demasiadas centenas de carros que viajaram de todo o país para aqui repousar por uns dias. Ao lado de uma fila de trânsito e de uma outra para o Multibanco, a muralha do velho forte, construído em 1620, como está escrito no chão, na pedra da calçada. A água é fria, é de rio. Mas do outro lado, na curva do estuário as ondas já são salgadas pelo mar Atlântico. Apesar das muitas gentes que aqui vêm todos os anos, sente-se aqui Alentejo ainda. Basta levantar o olhar e reparar na outra margem do Mira. Fala-se numa mega urbanização que Luís Figo anda a tentar aí construir mas para já… Praias desertas, vegetação impenetrável, verdadeiro hino à Natureza…




Almograve
Para lá do rio, o areal estende-se por mais alguns quilómetros até Almograve, um dos mais bonitos percursos dunares que se pode observar… Por ali, as ondas são de mar e de areia esculpida pelo vento. A vegetação prende as suas raízes para escapar à fúria devastadora da hora de almoço de uma… manada de vacas que dali faz pasto e repasto.
As dunas alongam-se, com as suas encostas de areia avermelhada, ferruginosa até à Zambujeira, passando pelo Cabo Sardão, outro local que ainda conserva a essência do Alentejo litoral. A praia, rochosa, mas com bastante espaço para o mergulho livre de adultos e crianças, tem uma cor azul, especial, retemperadora, serena, acolhedora.
Zambujeira do Mar, um festival, a sudoeste…
Integrada no Parque Natural da Costa Vicentina e Sudoeste Alentejano, a Praia da Zambujeira do Mar está rodeada por falésias altas, de onde se pode apreciar um deslumbrante panorama sobre o Atlântico. Banhada por um mar de ondulação forte, com boas condições para a prática de surf e bodyboard, a praia está situada junto a uma povoação que se viu lançada na fama com o festival Sudoeste. Todos os anos milhares de jovens a visitam na primeira semana de Agosto, transformando-a numa espécie de Woodstock perdido no tempo e no sentido. Há papéis nas janelas. “Alugam-se quartos, chambres, zimmers…”. Para quem não quer acampar e tem dinheiro vivo no bolso, porque aqui, os preços disparam durante uma semana em cada ano. Depois, bem, regressa a tranquilidade.

Amália na praia e Odeceixe…
Já perto da fronteira com o Algarve, descobre-se, a praia da Amália, precisamente, o local onde passava largas temporadas e onde ainda existe a casa de Amália Rodrigues. Fazia-lhe bem o mar, costumava dizer, aquele pequeno sitio, de pescadores a navegar ao longe, em pequenos botes de madeira azul e branca com nome de mulher, numa estranha forma de vida, sem destino e com saudade. Antes, chamavam-na a praia dos girassóis… Faz sentido, porque também o sol é uma estrela que nunca deixa de iluminar.
A praia de Odeceixe é aqui tão perto. A terra é seca, e curta na distância que separa as duas margens da Ribeira de Seixe, a linha geográfica que separa as duas regiões.
O Alentejo está perto do fim. Pelo menos por aqui. Mas há ainda tanto por descobrir, tem de haver, pressente-se, por entre as lágrimas das ondas que se despenham de encontro à rocha milenar, no voar das garças do final de tarde, no corrupio das gaivotas perseguindo os homens que regressam da faina, no estrépito das folhas de pinheiros enleados pela agitação provocada pela mudança das marés. Tanto para perceber ainda nos sorrisos que se recebem com simplicidade, cúmplices deste território que ainda é tão selvagem e simultaneamente, tão humano.


Onde Dormir

Herdade da Matinha, Cercal do Alentejo, tel.: 962 944 285 (www.herdadedamatinha.com). Um monte alentejano com quatro quartos com cama de casal e cama extra. Em época alta, este turismo rural funciona em regime de meia-pensão, com pequeno-almoço com pão cozido em forno de lenha e jantares gourmet, usando só produtos da região e da horta biológica da herdade. Duplos a partir de € 70, em época baixa, e € 90, em época alta. Fica entre Odemira e Vila Nova de Milfontes.

Herdade Monte Velho, na estrada que vai da Carrapateira para Vila de Bispo. Reservas pelo tel.: 282 973 207/ 966 007 950 ou Fax: 217 938 086; www.montevelhoresort.com. Hotel rural com sete suites e dois quartos duplos, todas elas com decoração personalizada. Charmoso e com muito bom gosto. Preços a partir de € 90 em regime de APA, neste preço estão incluídos, passeios de BTT e de burro.

Monte do Papa-Léguas, Zambujeira do Mar, tel.: 283 961 470; www.montedopapaleguas.com; montedopapa@sapo.pt. Um monte tradicional alentejano, acolhedor, numa propriedade com cinco mil hectares, dentro do Parque Natural. Organiza vários tipos de percursos, passeios a cavalo, de BTT, a pé ou de canoa. Possui 5 quartos duplos. Preços a partir de € 52,38. Os preços de equitação rondam os € 22,45 por hora, a canoagem inclui 6 horas de viagem com almoço à beira-rio e visita às cascatas, este passeio custa cerca de € 30 por pessoa (mínimo 6 participantes).

Corte Pero Jaques, em Aljezur, tel.: 282 687 893/966 318 436; www.corteperojaques.pt. Turismo rural no alto de um monte em Espinhaço de Cão. Possui uma casa independente com nove quartos duplos, sala e cozinha, Preços a partir de € 109,74. Fazem também passeios de jipe na zona com prova de vinhos e jantar por € 29,93/pessoa.

Quinta de Pêro Vicente, a cerca de três quilómetros de Regil, entre Odeceixe e Aljezur. Tel.: 282 995 192; www.terrasdemouros.pt; E-mail: geral@terrasdemouros.pt. É constituído por três quartos duplos a partir de € 65, em regime de APA, tem também actividades artesanais, passeios de natureza, BTT, pesca desportiva, férias infantis.


Onde comer

Trinca Espinhas, Praia de S. Torpes, Sines, tel.: 269 636 379. Um restaurante de praia com esplanada muito agradável e decoração a condizer, oferece uma ementa constituída por sandes, saladas, hambúrgueres, cachorros, pregos no pão, tostas e petiscos como camarões fritos no alho, ostras, amêijoas, mexilhões, massinha do mar, picanha, conquilhas e uma cataplana à Trinca Espinhas. O preço de refeição custa cerca de € 17,46. Aberto das 12h às 00h.

O Sacas, Zambujeira do Mar, tel.: 283 961 151. Fica no porto de pesca. Especialidade: feijoada de búzios, chocos. O horário de abertura é das 8h às 2h da manhã. O preço por refeição ronda os € 17,46.

O Sítio do Forno, Situa-se na Praia do Amado, Carrapateira, tel.: 966 567 825/ 963 558 404. A especialidade da casa é peixe fresco grelhado, está aberto das 12h às 22h. Preço médio de refeição: € 15.



Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina
Estendendo-se ao longo de mais de 100 quilómetros de costa, desde Porto Covo no Alentejo, até ao Burgau no Algarve, o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina é o troço de litoral europeu melhor conservado, com várias espécies de fauna e flora únicas, sendo por isso visitado por muitos zoólogos e botânicos, oriundos de todas as partes do mundo.
O Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina estende- -se por toda a zona litoral compreendida entre S. Torpes e o Burgau. Abrange uma área com aproximadamente 70 mil hectares, expandindo-se por uma mancha de mar aberto com dois quilómetros de largura paralela à costa. Com um importantíssimo património do ponto de vista geológico, como da flora e fauna, possui cerca de 200 espécies de aves referenciadas (como é o caso da Águia Pesqueira, da Águia Bonelli, da Cegonha-Branca, Gralha-de-Bico-Vermelho e Falcão-Peregrino), 750 plantas, 48 das quais que apenas existem em Portugal e importantes colónias de raposas, ginetos, gatos-bravos e lontras.

Agosto de 2007,
Diário do Sul

“O meu mundo ainda não acabou”




Ruy de Carvalho, tem 60 anos de palco, outros tantos de casamento, mais alguns de idade, e muitos outros de experiências e sensações que dariam para preencher várias outras vidas, cheias, plenas… Contracenou com os maiores do teatro português, como Laura Alves, João Villaret ou Eunice Muñoz. Deu corpo às palavras dos melhores escritores e dramaturgos e emprestou a sua figura e voz à película de muitos filmes.
Para lá de carreira que já esgotou todos os prémios, sobram as memórias de toda uma vida, ainda a ser vivida, intensa, incessante como as pancadas de Moliére que lhe pautaram o destino e o trouxeram, emoção após emoção, até nós.

Por,
Pedro Cativelos

Foto,
Patrícia Moreira


Como é o seu dia a dia?
Normalmente, deito-me às 4 da manhã. Às vezes tenho muito sono. Tenho que estudar, tenho que preparar o trabalho para o dia seguinte e deito-me tarde. Se posso dormir um pouquinho de manhã, durmo, senão levanto-me. Não tenho nada contra o trabalho e gosto de estar sempre pontualmente nas coisas.

Ainda fuma?
Não tive nada, deixei de fumar. Não tinha realmente grande prazer engolir o fumo, era um prazer de mãos, talvez…. Na minha vida profissional de vez em quando acontece, acontece o cachimbo, acontece o charuto, acontece muita coisa, mas…

É conhecido o seu carinho pelos animais… A sua cadela tem observado atentamente a nossa conversa…
Sempre tive animais. Gosto de cavalos, leões, os tigres, logo que me respeitem… Há animais que tenho mais respeito, mas tenho interesse em saber como é que vivem, como é que andam pelo mundo. Porque vivi em Angola, passei a minha infância e adolescência muito próximo da Natureza.

É português de berço, mas cidadão do mundo, pela Viagem…
Nasci abaixo do Castelo de S. Jorge em 1927 e fui para África com 2 anos por causa do meu pai, mas depois vivi no Norte, em Évora, em tantos sítios.

Sempre viajou muito…
Devido à vida profissional do meu pai éramos todos obrigados a muitas movimentações. Tinha que mudar, como o carrossel do exército, portanto ele mudava e eu também mudava! Mudava de escola, de amigos (por isso arranjei amigos em toda a parte)… Tenho sempre saudades daquele mundo em que vivi.





Foi e é amigo de grandes personalidades da cultura portuguesa…
Por exemplo, na Covilhã, tive um companheiro de carteira que vocês conhecem e que eu muito estimo, o Alçada Baptista. É uma grande honra para mim ter um colega destes não é?! Por esta altura o meu pai passou à reserva e mudámos para Lisboa que é a minha terra de nascença. Nasci logo ali, por debaixo do Castelo de S. Jorge, já lá vão 80 anos!


Quando vê os Óscares não tem pena de não ter emigrado?
Talvez sim… mas acho que nunca o faria! Acredito que é cá que tenho de cumprir a minha missão.

O Portugal pós-revolucionário é ainda um sonho por concretizar?
Há situações que me entristecem… A nossa tão bela revolução não estar totalmente concluída. O povo nunca chegou a senhor quem mais ordena… Não ordena nada! Mas este é um país que eu adoro! Cada vez que vou lá fora gosto mais da minha terra, só que… às vezes não sabemos aproveitar o que temos, a beleza natural, a arquitectura, até as pessoas! O que me entristece é que muitas vezes não saibamos amar o Pais como ele é e que não consigamos ou queiramos cumprir plenamente perante o mundo o nosso papel social e histórico.

Por falar em Revolução, onde é que estava no 25 de Abril?
Olhe, estava numa garagem com uma avaria no cano de escape do carro e tinha de ir para fora filmar um realizador com o já falecido Manuel Guimarães. Estava de caminho para a Serra da Estrela, mas acabei por não ir! Felizmente! E depois fui confirmar porque estava tudo eufórico, era a revolução dizia-se na rua e já não houve trabalho para ninguém.

Pensa muito sobre o verdadeiro sentido da vida?
Não sei se viverei muitos mais anos, vamos lá ver…

Então?
Não tenho tempo para pensar nessas coisas!

O que lhe dá mais prazer?
O meu trabalho, a minha família, a minha música…

E no pouco tempo que não está a trabalhar, esse pensamento invade-o?
Mesmo quando não trabalho, tenho muita coisa para fazer, gosto de ler, de viajar, de ser um cidadão vivo, não adormecido.

Ainda trabalha muito, não está cansado?
Gosto de ter alguma comodidade, por isso trabalho muito! Acho que todos deveriam ter essa comodidade mas precisava de ter uma reforma melhor para não trabalhar tanto, mas como me deram uma reforma “caca” eu tenho que trabalhar mesmo! Tenho despesas que me obrigam, como a doença da minha mulher, a casa…

Só com a reforma era difícil…
Se eu tivesse só a reforma, morria vestido… Vestido e com pouca roupa!
Já estou reformado, desde os 65 anos, por isso é que eu digo que tenho uma reforma que não presta porque não me dá para fazer todas as coisas de que realmente gosto!


Ainda tem muitos sonhos por concretizar?
Acho que o homem que deixa de sonhar, deixa de viver, não é verdade? É preciso sonhar sempre, quando um homem sonha o mundo pula e avança, portanto o meu mundo ainda não acabou! Entretanto vou vivendo a vida, vivendo o mais possível, com intensidade, com algum prazer, com alguns desgostos, mas vivo, com as coisas de que me rodeio e de que mais gosto.

Junho de 2007,