agosto 22, 2007

Serra d’Ossa renasce das cinzas





Há um ano, o Verão foi escaldante. As suas encostas que se elevam a norte com vista para as Serras Beirãs e para oeste, para a Arrábida e Montejunto foram inundadas pela ira do fogo. Doze meses depois, o regresso ao local para ouvir os intervenientes e estabelecer um ponto de situação no processo de recuperação da Serra d´Ossa. Alguns dos projectos estão já em marcha. As máquinas estão em movimento, os acessos terrestres foram melhorados, as árvores assassinadas foram cortadas e a seu lado, nascem agora novos rebentos de esperança num futuro que não pode esperar.

Por,
Pedro Cativelos


Faltam ainda alguns anos e muito trabalho e esforço político e social para que tudo volte a ser como dantes. Mas hoje, no seu mais alto cume, S. Gens a mais de 600 metros de altitude, parece vislumbrar-se um novo começo num ainda ténue respirar do pulmão de vários concelhos alentejanos… Por entre Estremoz, Borba, Vila Viçosa, Alandroal e Redondo, reergue-se de novo, majestosa na paisagem alentejana, a Serra d’Ossa.
Durante um quarto de século a Serra d’Ossa não sentiu o calor do fogo. Mas aquela que se ergue no coração do Alentejo, de origem e nome recuperado na ancestral história da geologia humana, carregada de mistério e misticismo, provaria o sabor da penumbra negra, encharcada em cinza nos primeiros dias do mês de Agosto de 2006, quando se tornou combustível para o gigantesco incêndio que lhe fez perigar a existência milenar. Populações, animais e haveres pereceram. A paisagem ficou mais pobre, calcula-se que em cerca de 5 mil hectares de fauna e floresta que terão sido consumidos sem perdão. As chamas, lavraram sem descanso ao longo de vários dias, atingindo áreas florestais integradas nos concelhos de Alandroal, Borba, Estremoz e Redondo.
A catástrofe desencadeou o Plano Distrital de Emergência e o envolvimento das diversas corporações de bombeiros e autarquias do Distrito de Évora. Muitos homens combateram ali um destino que muito dificilmente poderia deixar de ser… negro.
Mas a vontade humana, e a força do carácter de bombeiros, autarcas e fiéis amigos da natureza decidiram alterar esse ensejo, transformar ideias tantas vezes esvaziadas de acção em concretizações práticas para combater a tendência das coisas más. O Inverno prolongado também deu a sua ajuda. A "obra", essa, já está à vista.

"Reconquistar tudo o que se perdeu"

Em todo este processo de revitalização da Serra foram preponderantes as acções desencadeadas pela governadora civil de Évora, Fernanda Ramos. Desde o momento em que tomou conhecimento da tragédia, garantiu ser "fundamental continuar a preservar o património e reconquistar tudo aquilo que se perdeu", disse, há um ano atrás.
Desde então, o Governo Civil do distrito de Évora em conjunção com outras forças vivas da região tem vindo assim a promover um conjunto de encontros de trabalho entre os agentes envolvidos na problemática dos incêndios e as autarquias do perímetro afectado. Durante um ano avaliaram-se os estragos, perspectivaram-se soluções, iniciaram-se os trabalhos.
A recuperação deste recinto natural de excelência foi precisamente um dos objectivos que baseou a aprovação do projecto da Associação de Produtores Florestais (AFLOPS) que agora se apresta para avançar. A sua concretização conta já com algumas intervenções em curso (limpeza das matas, abertura de corredores de segurança, reflorestação localizada) e surge depois da candidatura da associação ter sido aprovada no final de Junho, pelo Ministério da Agricultura. Em declarações ao Diário do Sul, Nuno Santos Fernandes, vice-presidente da AFLOPS considera este como um "projecto renovador e inovador simultaneamente".
Todavia, para o responsável da AFLOPS, este representa apenas "um indispensável primeiro passo para a criação de um Plano Integrado de Recuperação da Serra d´Ossa, cuja reflorestação tem de ser feita de forma a que se acautelem os previsíveis riscos de outros grandes incêndios", reitera.
O Plano de Controlo de Erosão na Área Ardida da Serra d´Ossa, apresentado em Junho último, prevê assim uma comparticipação de 80 por cento por parte da União Europeia e do Estado português. A candidatura, única para toda a área atingida pelos incêndios, assentou num estudo desenvolvido pela Aliança Florestal (Grupo Portucel-Soporcel, detentor de parte substancial do eucaliptal ardido) com um único objectivo: "Afastar uma área sensível como esta dos potenciais fenómenos erosivos em área ardida", os quais, segundo a AFLOPS, "têm inúmeras consequências nefastas. As mais evidentes? Posso dar-lhe o exemplo da destruição de caminhos e passagens hidráulicas e a contaminação de águas… A mais longo prazo, a perda de solo produtivo pode ser um obstáculo terrível e atingir proporções assustadoras sendo praticamente irreversível", esclarece. Por isso, assevera, "temos de actuar com celeridade e espírito de sacrifício, até porque, ainda há um longo caminho para percorrer", alerta o dirigente da AFLOPS.
Hoje, a encosta Norte permanece manchada pela devastação, numa paisagem enegrecida ainda em alguns dos seus horizontes. Mas na terra, os troncos parcialmente ardidos já foram cortados. Renasce vida à sua volta. Em determinados locais crescem mesmo novos eucaliptos (que na década de 50 transformaram a serra no maior eucaliptal de Portugal), irrompem jovens plantas, regressam os bichos com a verdejante vegetação que já assimilou a terra queimada, transformando-a agora, em flores.
Não cheira mais a morte, e este Verão traz consigo um odor diferente daquele que por aqui passou há quase doze meses. Cheira a vida, outra vez.

Julho, 2007
Diário do Sul

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