agosto 21, 2007

“O meu mundo ainda não acabou”




Ruy de Carvalho, tem 60 anos de palco, outros tantos de casamento, mais alguns de idade, e muitos outros de experiências e sensações que dariam para preencher várias outras vidas, cheias, plenas… Contracenou com os maiores do teatro português, como Laura Alves, João Villaret ou Eunice Muñoz. Deu corpo às palavras dos melhores escritores e dramaturgos e emprestou a sua figura e voz à película de muitos filmes.
Para lá de carreira que já esgotou todos os prémios, sobram as memórias de toda uma vida, ainda a ser vivida, intensa, incessante como as pancadas de Moliére que lhe pautaram o destino e o trouxeram, emoção após emoção, até nós.

Por,
Pedro Cativelos

Foto,
Patrícia Moreira


Como é o seu dia a dia?
Normalmente, deito-me às 4 da manhã. Às vezes tenho muito sono. Tenho que estudar, tenho que preparar o trabalho para o dia seguinte e deito-me tarde. Se posso dormir um pouquinho de manhã, durmo, senão levanto-me. Não tenho nada contra o trabalho e gosto de estar sempre pontualmente nas coisas.

Ainda fuma?
Não tive nada, deixei de fumar. Não tinha realmente grande prazer engolir o fumo, era um prazer de mãos, talvez…. Na minha vida profissional de vez em quando acontece, acontece o cachimbo, acontece o charuto, acontece muita coisa, mas…

É conhecido o seu carinho pelos animais… A sua cadela tem observado atentamente a nossa conversa…
Sempre tive animais. Gosto de cavalos, leões, os tigres, logo que me respeitem… Há animais que tenho mais respeito, mas tenho interesse em saber como é que vivem, como é que andam pelo mundo. Porque vivi em Angola, passei a minha infância e adolescência muito próximo da Natureza.

É português de berço, mas cidadão do mundo, pela Viagem…
Nasci abaixo do Castelo de S. Jorge em 1927 e fui para África com 2 anos por causa do meu pai, mas depois vivi no Norte, em Évora, em tantos sítios.

Sempre viajou muito…
Devido à vida profissional do meu pai éramos todos obrigados a muitas movimentações. Tinha que mudar, como o carrossel do exército, portanto ele mudava e eu também mudava! Mudava de escola, de amigos (por isso arranjei amigos em toda a parte)… Tenho sempre saudades daquele mundo em que vivi.





Foi e é amigo de grandes personalidades da cultura portuguesa…
Por exemplo, na Covilhã, tive um companheiro de carteira que vocês conhecem e que eu muito estimo, o Alçada Baptista. É uma grande honra para mim ter um colega destes não é?! Por esta altura o meu pai passou à reserva e mudámos para Lisboa que é a minha terra de nascença. Nasci logo ali, por debaixo do Castelo de S. Jorge, já lá vão 80 anos!


Quando vê os Óscares não tem pena de não ter emigrado?
Talvez sim… mas acho que nunca o faria! Acredito que é cá que tenho de cumprir a minha missão.

O Portugal pós-revolucionário é ainda um sonho por concretizar?
Há situações que me entristecem… A nossa tão bela revolução não estar totalmente concluída. O povo nunca chegou a senhor quem mais ordena… Não ordena nada! Mas este é um país que eu adoro! Cada vez que vou lá fora gosto mais da minha terra, só que… às vezes não sabemos aproveitar o que temos, a beleza natural, a arquitectura, até as pessoas! O que me entristece é que muitas vezes não saibamos amar o Pais como ele é e que não consigamos ou queiramos cumprir plenamente perante o mundo o nosso papel social e histórico.

Por falar em Revolução, onde é que estava no 25 de Abril?
Olhe, estava numa garagem com uma avaria no cano de escape do carro e tinha de ir para fora filmar um realizador com o já falecido Manuel Guimarães. Estava de caminho para a Serra da Estrela, mas acabei por não ir! Felizmente! E depois fui confirmar porque estava tudo eufórico, era a revolução dizia-se na rua e já não houve trabalho para ninguém.

Pensa muito sobre o verdadeiro sentido da vida?
Não sei se viverei muitos mais anos, vamos lá ver…

Então?
Não tenho tempo para pensar nessas coisas!

O que lhe dá mais prazer?
O meu trabalho, a minha família, a minha música…

E no pouco tempo que não está a trabalhar, esse pensamento invade-o?
Mesmo quando não trabalho, tenho muita coisa para fazer, gosto de ler, de viajar, de ser um cidadão vivo, não adormecido.

Ainda trabalha muito, não está cansado?
Gosto de ter alguma comodidade, por isso trabalho muito! Acho que todos deveriam ter essa comodidade mas precisava de ter uma reforma melhor para não trabalhar tanto, mas como me deram uma reforma “caca” eu tenho que trabalhar mesmo! Tenho despesas que me obrigam, como a doença da minha mulher, a casa…

Só com a reforma era difícil…
Se eu tivesse só a reforma, morria vestido… Vestido e com pouca roupa!
Já estou reformado, desde os 65 anos, por isso é que eu digo que tenho uma reforma que não presta porque não me dá para fazer todas as coisas de que realmente gosto!


Ainda tem muitos sonhos por concretizar?
Acho que o homem que deixa de sonhar, deixa de viver, não é verdade? É preciso sonhar sempre, quando um homem sonha o mundo pula e avança, portanto o meu mundo ainda não acabou! Entretanto vou vivendo a vida, vivendo o mais possível, com intensidade, com algum prazer, com alguns desgostos, mas vivo, com as coisas de que me rodeio e de que mais gosto.

Junho de 2007,

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