setembro 06, 2007

Sábado: Amor de Pai

Alterações hormonais, variações de humor, aumento da barriga, enjoos frequentes, insónias… Parecem sintomas de uma qualquer gravidez mas na verdade, estudos recentes efectuados sobre o comportamento parental revelam que também os homens podem ser vítimas deste tipo de indícios, podendo no limite estar sujeitos a sofrer de depressão pós-parto.
Maria de Jesus Correia, psicóloga clínica da Maternidade Alfredo da Costa não tem mesmo qualquer receio em afirmar que “os homens também engravidam” facto igualmente comprovado pela psicóloga Rita Gomez que desenvolveu um estudo que acrescenta suporte científico e algumas primeiras conclusões reveladoras a um tema que até há bem pouco tempo não passava de assunto tabu.


Por
Pedro Cativelos

Fotografia
Patricia Moreira



Para a grande maioria dos casais, o processo do nascimento de uma criança é um acontecimento preenchido por uma felicidade extrema. No entanto, num complexo processo físico e psicológico que se prolonga para além dos nove meses da gravidez, as mudanças hormonais, somadas à responsabilidade de cuidar de um recém-nascido, costumam deixar a mulher triste, apática, sem dar sinais de afecto pelo bebé num estado a que se costuma chamar de baby blues. No entanto, e quando extremados, estes sintomas podem tornar-se patológicos e conduzir à depressão pós-parto (cerca de 15% das mães são afectadas por ela). Como tudo até agora indicava, este era um diagnóstico unicamente detectado em mulheres. Todavia, novas pesquisas vêm revelar uma outra vertente do problema, que se vem movendo furtiva e silenciosa, incógnita entre casais que acabaram de ter filhos. Agora, também os homens estão na mira da depressão pós-parto, esta contudo paterna.

Incidindo precisamente sobre esta nova tendência, um estudo realizado pelas universidades britânicas de Oxford e Bristol em cerca de 8.400 homens num período de oito semanas após o nascimento do bebé, revelou factos até à data pouco debatidos e praticamente desconhecidos, É que, aproximadamente 3,6% dos pais apresentavam acentuados sintomas de ansiedade e irritabilidade. Estavam assim, oficialmente… deprimidos!

Podem os homens dar à luz? Não! Mas podem engravidar? Sim! E o que é que lhes acontece, nada?! Podem ficar deprimidos!!!

E porquê? Sinal dos tempos. “Hoje, o homem tem uma experiência emocionalmente mais próxima daquela sentida pela mulher”, explica Maria de Jesus Correia, psicóloga clínica da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa. E de tal forma assim é que acabou por se estabelecer uma relação com um sintoma já conhecido da comunidade científica, o Síndrome de Couvade. Detectado em 1965 pelo psiquiatra britânico Trethowan que identificou nos companheiros das mulheres grávidas um conjunto de sintomas físicos (enjoos, vómitos) e psicológicos (tensão, insónia e irritabilidade), o "Síndrome de Couvade", fazia no entanto referência a uma cerimónia presente nalgumas sociedades primitivas, em que, quando se aproximava a hora do nascimento de uma criança, os homens simulavam a agonia do parto. "Homens grávidos" é também uma expressão que a psicóloga utiliza demasiadas vezes para o senso comum. Geralmente, explica, “a sociedade atribui mais importância ao papel da mulher, e esquece o do homem, algo que se tem invertido nos últimos anos. Podemos inferir que se antes do parto, o homem tem sintomas idênticos ao da sua companheira, no período que se segue ao nascimento da criança isso também pode suceder! Existem poucos casos, e o diagnóstico nunca pode ser assim tão literal, mas existem de facto, normalmente devido ao nascimento do primeiro filho, quando se dá a maior mudança na vida do casal. Ainda agora tenho um jovem pai que me dá fortes indícios disso”, revela. Mas, quais são os motivos para que o homem possa também ficar deprimido, e sofrer mudanças físicas e hormonais idênticas à de uma grávida, sem outro motivo que não psicológico? “Variadas razões podem conduzir à depressão, numa fase em que repentinamente se verificam inúmeras mudanças. Desde o ciúme em relação ao bebé porque o meio familiar passou a ser a três e a relação mãe filho é sempre mais forte inicialmente, passando até pela insegurança relativamente à capacidade e responsabilidade de cuidar daquele bebé. Não podemos esquecer igualmente toda instabilidade provocada pelo facto da mulher não estar, após o parto, muito disponível, do ponto de vista sexual… Todas são razões fortes que interferem do ponto de vista emocional e que extremadas por uma psique mais frágil em termos de auto-estima podem de facto levar a uma depressão pós-parto masculina", explicita. Possíveis sequelas de um novo começo, que nas palavras da psicóloga “muitas vezes não vão além de alguns primeiros sinais, rapidamente assimilados pelo casal”.

Receita para evitar o problema, “passa pelo poder da comunicação entre o novo pai e a nova mãe. Para que continuem e tornem eterno o seu namoro, e para que a criança se desenvolva num meio familiar estável e positivo”, aconselha.


Em Portugal...


No nosso país, o assunto é alvo de estudo pela psicóloga e investigadora, Rita Gomez que concluiu a sua tese de doutoramento sobre a psicoendocrinologia do comportamento parental. Apesar de não ter chegado a “conclusões definitivas, porque este foi apenas um estudo exploratório não totalmente conclusivo”, a psicóloga pode no entanto afirmar que se verificaram alterações hormonais e comportamentais em cerca de 30% dos homens abordados no seu estudo, os quais posteriormente acabaram por registar níveis de envolvimento parental bastante mais elevados. A investigadora coloca então duas hipóteses para o sucedido. “A alteração hormonal pode estar relacionada com o acréscimo de prolactina, que no homem prejudica a produção de testosterona, ou por outro lado com a alteração do estado emocional, proporcionada pelo acréscimo de ansiedade do pai”, acrescenta Rita Gomez.

Se no homem não se verifica integralmente o fenómeno biológico tal como na mulher, o psicológico pode, por outro lado ser inovadoramente semelhante.



“Senti-me… grávido!”


Psicossomático ou não, a verdade parece indiciar que há de facto homens que parecem engravidar tanto como as respectivas companheiras e que após o parto sofrem uma espécie de Baby Blues mais ou menos acentuado.

Os níveis hormonais de Miguel Noronha pareciam ser regulares. Após alguns anos de vida conjunta, o casal decidiu então engravidar. E foi de facto o que aconteceu. Ela deu à luz mas ambos engravidaram. Miguel quis acompanhar todo o processo bem de perto. “Queria que ela sentisse que eu estava ali, a sentir as suas dores, as suas preocupações… fui às consultas, às aulas, até tirei férias para poder estar sempre presente”, explica. Das ecografias às análises e aulas do curso de preparação para o parto, Miguel passou por tudo com Eugénia, a esposa e agora mãe, que não deixa de realçar que tudo o que ele diz “é inteiramente verdade. Estivemos sempre juntos”, assevera.

“Posso dizer que sim, senti-me… grávido!”, conta. “Pela primeira vez na vida fiquei deprimido, cheguei a estar mal disposto e até acho que ganhei um pouco de barriga”, revela, o que até nem é assim tão invulgar, se se recordar a reacção típica do síndrome de Couvade, acompanhada por um estado psicológico mais fragilizado pela mudança requerida pelas enormes exigências da paternidade. No entanto, prossegue, “não trocaria esses momentos que depois ultrapassei, também com as aulas de preparação para o parto, pela magia que sinto quando olho para a minha filha Estrela”, releva.

Um outro jovem pai, de uma menina de 18 meses, Miguel Teixeira, não deixa de assinalar terem sido as aulas de ioga para grávidas e casais ministradas no Centro de Estudos de Yoga, em Oeiras, que o ajudaram a atravessar um momento que chegou a temer, mas que sempre se preparou para aceitar com um sorriso. “Tentei sempre estar perto da Ana (Pereira), e felizmente correu tudo bem! Mas há momentos em que paramos um pouco e começamos a pensar em tudo o que pode acontecer, então eu que sou muito emotivo… É claro que em certa altura me fui abaixo, principalmente pela responsabilidade que se avizinhava, mas depois, readaptei as minhas perspectivas e reenquadrei-me por forma a usufruir totalmente desta grande sorte que é ser pai”, conta.

Se para Miguel Teixeira o termo depressão não passou de uma breve preocupação, já para Fernando Germano, agente imobiliário de 33 anos, os sintomas foram ligeiramente mais acentuados. “A partir dos últimos meses de gravidez e nos tempos que se seguiram ao nascimento do meu filho, sentia-me constantemente indisposto, enjoado sem paciência para nada. Pensava demais, reflectia no que poderia correr mal… comecei a ficar um pouco desesperado com tudo o que poderia surgir a partir do nascimento. No entanto não associei imediatamente o que me aconteceu à gravidez da Luísa”, sua mulher, que estava grávida de três meses. “Só depois de falar com o meu médico é que me apercebi. Como ela, tive de me habituar a lidar com a situação… Diz-se que os homens não engravidam, eu posso dizer o contrário, e ainda bem! Até na Maternidade, eu estive ao lado dela, mas aí, acho que ela sofreu um bocadinho mais do que eu”, brinca.


Caixa:

Os sintomas


O aparecimento do Síndrome de Couvade apresenta sintomas que ganham intensidade a partir do terceiro mês de gravidez. Alguns destes sintomas, aliados a uma mais acentuada debilidade psicológica podem degenerar num estado depressivo causado pelo nascimento de um filho.

- Ganho de peso

- Enjoos frequentes

- Variações de humor

- Dores de costas

- Variações de apetite

- Indigestão

- Diarreia e prisão de ventre



Caixa:

Factos e números


- Um estudo realizado pelas universidades britânicas de Oxford e Bristol em cerca de 8.400 homens num período de oito semanas após o nascimento do bebé, revelou que, aproximadamente 3,6% dos pais apresentavam acentuados sintomas de ansiedade e irritabilidade e depressão.

- Cerca de 15% das mulheres sofrem de depressão pós parto.

-Cerca de 30% dos pais sofrem de Síndrome de Couvade.

- Mais de 50% dos homens não procuram terapia e aconselhamento médico específico

- Um estudo do ano 2000 da Universidade Memorial de Newfoundland, no Canadá, aponta que as hormonas dos futuros pais, a prolactina, o cortisol e a testosterona, podem de facto oscilar, acompanhando a gravidez das respectivas companheiras.

- A prolactina está mais presente nas mulheres do que nos homens e está relacionada com a amamentação e com o comportamento materno. Os pais com maior número de sintomas de gravidez são aqueles que apresentam valores de prolactina mais elevados.

- A testosterona pode decrescer até 33% depois do nascimento do bebé. Os baixos níveis de testosterona estão associados ao comportamento mais paternal dos homens e às suas variações comportamentais.

-A depressão pós parto e o estado de baby blues são mais flagrantes com o primeiro filho do casal.

Revista Sábado,
Junho 2007