Agorafobia, Aerofobia, Métrofobia, Filematofobia, Mnemofobia… Têm nomes estranhos, distintos significados clínicos, mas muito em comum. Todos são sinónimos de pavor, de perda de controlo. Na viagem pelos corredores labirínticos do Medo humano enquanto fantasma que atemoriza e pesa no subconsciente, a ajuda pode ser real mas também virtual.
Texto por
Pedro Cativelos
Fotos por
Patrícia de Melo Moreira
No ano de 1895, Sigmund Freud, patriarca da Psicanálise, publicou o seu primeiro estudo sobre a Fobia. De acordo com ele, nela “o afecto está presente através da angústia e do medo”, na criação de receios irracionais que impedem a pessoa de ser ou de se comportar de uma maneira lógica e consciente, podendo também causar reacções físicas impeditivas de bem estar pessoal e social.
Esta é a definição mais clínica de um problema que afecta muitos milhões de pessoas em todo o mundo (as estimativas indicam que cerca de 10% da população sofre com algum tipo de fobia), e mais do que se pensa, aqui mesmo em Portugal.
Entrar num café, ser tocado por alguém, percorrer os corredores de um supermercado, tomar banho, tocar em tesouras, botões, agulhas, ou simplesmente viajar em transportes públicos pode ser um verdadeiro tormento para algumas pessoas. Mas, como não há limites para o medo, há de tudo um pouco nas consultas dos hospitais psiquiátricos.
No nosso país, por exemplo, a ansiedade excessiva não é um fenómeno tão raro como se possa pensar. Segundo José Pacheco, Director do Serviço de Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos, “este distúrbio afecta entre três a quatro por cento da população”, admite.
Na vasta maioria dos casos, e como é comum neste tipo de situações, os fóbicos demoram anos a encarar a existência da doença e a recorrer à ajuda médica. “Em meados da década de 80, alguns estudos relatavam que o fóbico demorava em média nove anos a procurar ajuda”, revela o clínico.
Fobias para todos os gostos
Existem muitos tipos de fobias. Mais ou menos estranhas, dividem-se por grupos. As Simples, sobretudo comuns na população geral, envolvem animais, espaços fechados (claustrofobia), alturas (acrofobia), e viagens aéreas.
Há ainda outras fobias, como a Síndrome do Pânico, com uma incidência de cerca de 1 a 2 % da população, iniciando-se normalmente na adolescência ou no adulto jovem, além de ser mais detectada em mulheres. “Nas formas mais graves os pacientes ficam aprisionados nas suas próprias casas e até aí tem crises de pânico”, explica Serafim Carvalho, médico-psiquiatra.
Também a Fobia Social representa um outro tipo de medo profundo e marcante. Telmo Baptista, psicólogo e Presidente da Associação Portuguesa de Terapias Comportamental e Cognitiva, explica que o indíviduo “teme os contactos sociais porque, frequentemente, tem receio, da figura que vai fazer. Está relacionado com a ideia excessiva de que, por um lado, os outros o julgam e, por outro, o julgam de forma excessiva e negativa”, salienta.
Aprisionados no medo
O medo é um sentimento saudável que preserva a vida e nos faz evitar perigos iminentes mas também altera as funções corporais do indivíduo, causando palpitações, tonturas, mal-estar ou suores excessivos. Mas quando essas reações são causadas por medos não justificados ou imaginários, então trata-se de uma fobia que pode interferir na vida de uma pessoa limitando suas atividades diárias.
Paulo Marques, um jovem de 22 anos, é um barman com jeito natural para o Freestyle. Faz voar garrafas e mistura cocktails, com a mesma leveza com que eleva os copos por detrás das costas. “Tenho de fazer alguma coisa para me esquecer que tenho este…pequeno problema”, confessa, com um sorriso meio ingénuo. É que o Paulo, tem o que se chama de “ansiedade patológica”, ou no seu caso, medo irracional e descontrolado de ter um ataque cardíaco. “Os sintomas são os mesmos, começo a sentir o braço preso, dores nas costas, o batimento a acelerar… um dia tiveram de me chamar uma ambulância, que vergonha!”, conta. Chama-se Cardiofobia, este pavor que o atormenta desde que em pequeno presenciou um seu familiar a sofrer um enfarte. “Não sei que idade tinha, mas marcou-me. Lembro-me que tive uma crise, anos mais tarde, no dia em que vi o Feher morrer em campo… Aí decidi procurar ajuda no Hospital Miguel Bombarda, fiz terapia, tomei todos os medicamentos e hoje estu bastante melhor sim, embora ainda não completamente”, releva.
Enquanto conversa, os olhos perpassam para lá das palavras que lhe saem, fixando-se no telemóvel em que não tocou durante anos. Alberto, nome fictício, recupera de um distúrbio que o incapacitava de levar uma vida normal. A fobia social impediu-o, durante algum tempo, de estar em espaços públicos e de se sentir à vontade com estranhos, mesmo ao telefone. Não conseguia contactar com pessoas. “É uma doença de timidez em que, a determinada altura da vida, a pessoa começa a interiorizar bocas, alcunhas, coisas assim”, explica. “Lembro-me do esforço que era atender o telemóvel, encarar o chefe, ou falar com os colegas”, conta.
Para José Pacheco, Director do Serviço de Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos, “uma parte dos fóbicos sociais refugia-se em profissões onde há pouco contacto com o público”, mas alerta para um outro factor não tão claro. “Muitos acabam no entanto por optar por uma profissão que, sendo antagónica, é aquilo que a pessoa deseja porque por um lado tem medo de estar com os outros mas por outro gostava de o fazer” e assim ultrapassar o seu medo”, explicita.
Com o tempo, deixou de conseguir frequentar cafés, supermercados e transportes públicos até que decidiu procurar ajuda. “Estava de rastos, já”, revela. “comecei a enfrentar os meus medos, a respeitar a medicação, a fazer psicanálise… apoiei-me na minha mulher, nas minhas filhas…” Cumpridos os tratamentos, Alberto sentiu melhoras. E até começou a ser “extrovertido e a viver as coisas ao contrário e… resultou”. Agora frequenta um grupo de apoio, “por causa das recaídas”, explica.
Realidade...Real!
Tendo por objectivo a resolução de todos esses medos que residem no inconsciente humano, “muitas vezes o tratamento passa por um casamento entre a utilização de medicamentos e a psicoterapia”, acrescenta José Pacheco, Director do Serviço de Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos. Contudo, para lidar com este tipo de doença o Hospital Júlio de Matos recorre, de forma pioneira a nível mundial, às potencialidades da cibernética interactiva com um fim... terapêutico, direccionado para os traumas de antigos combatentes da Guerra do Ultramar e até para quem tenha pânico de voar. Segundo a opinião dos clínicos afectos a esta especialidade, “tem sido um verdadeiro sucesso”.
O Laboratório de Psicologia Computacional da Universidade Lusófona e o Hospital psiquiátrico Júlio de Matos estão há dois anos a aperfeiçoar a tecnologia que permite o tratamento de perturbações emocionais de stress pós-traumático através da utilização de instrumentos de realidade virtual. Após um prolongado período de testes, esta inovadora ferramenta de tratamento psiquiátrico está já disponível nas consultas do Hospital.
No primeiro estudo conhecido sobre este assunto, elaborado nos Estados Unidos, os cientistas utilizaram a realidade virtual para tratar vítimas de acrofobia ou o medo das alturas. A pesquisa abriu novas possibilidades para o tratamento de uma ampla gama de condições fóbicas, cujos actuais tratamentos, que utilizam técnicas de exposição a situações reais de geração de ansiedade não podiam até agora dar a resposta mais adequada. E Portugal, a par dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Canadá, está na linha da frente no que concerne ao desenvolvimento de uma tecnologia que pode salvar vidas, ou pelo menos torná-las bastante mais pacíficas.
Pedro Gamito é professor na Universidade Lusófona. Quando estudava para o doutoramento no Reino Unido, decidiu enveredar por um caminho que o traz agora, passados alguns anos, ao momento em que aquele sonho que um dia teve, se pode tornar numa real ajuda para tanta gente cujo sono vem sendo, de há muito, feito de pesadelos. “O problema dos antigos combatentes sempre me foi próximo. O meu pai é médico e sempre lidou com este tipo de casos que, directa ou indirectamente, afectaram nas últimas décadas grande parte das famílias portuguesas. Com base em alguns estudos feitos lá fora, e embora não pertencendo à área da medicina, decidi, através da minha especialidade de computação, desenvolver de raiz, em Portugal, um sistema que pudesse criar condições para facilitar o tratamento de algumas perturbações de stress pós-traumático”.
E foi num espaço cedido pela instituição onde lecciona, e em conjunto com alguns dos seus alunos de informática que desenvolveu todo este trabalho. "Tudo isto me parece importante no que se refere a comprovar a existência de um potencial real para o uso da realidade virtual em terapias de exposição", declara o professor Pedro Gamito, até porque, acrescenta, "existe um vasto leque de doenças que poderão vir a ser tratadas por meio de sistemas de terapia de realidade virtual em consultórios médicos. As vantagens?! É que por exemplo no caso de antigos combatentes é impossível expô-los às condições que os marcaram tão profundamente. Isto até surgir esta possibilidade, de criar um cenário virtual, em que a imagem e o som, enquadrados pelo acompanhamento médico tradicional podem de facto fazer milagres!”. E o que é um milagre, quando se fala das rasteiras provocadas pela mente? “A poupança de tempo, a redução dos custos, e acima de tudo, a acentuada subida da eficácia. Este tipo de tecnologia apresenta ainda algumas outras vantagens. Para além do preço, também pode ser programada caso a caso, ou seja, não é uniformizada mas adaptável ao caso específico que está em tratamento”, explica.
Memória viva
É bem conhecida a situação do stress pós-traumático quer no caso dos veteranos de guerra, de violações, de acidentes de aviação ou outros acontecimentos psicologicamente marcantes. A pessoa que tenha passado por um episódio destes não se consegue livrar dele. A cena repete-se, ganha raízes, mantém-se na mente, e aprisiona o dia a dia, criando problemas e sofrimento, como se essa situação do passado esteja ainda a acontecer no presente. Responsável pelo departamento de stress pós-traumático do Hospital Júlio de Matos, a Dra. Fany Lopes aborda precisamente a envolvência psicológica de alguém que não se consegue libertar do seu passado. “O nosso trabalho, principalmente nesta área, baseia-se na aceitação da situação, por isso é que normalmente se utiliza a terapia da exposição, não com o objectivo de apagar a memória, mas sim de atenuar os seus ecos, de diminuir as suas marcas no quotidiano do paciente, em suma, de melhorar a qualidade de vida da pessoa que padece desta doença”. Até porque, prossegue, “é impossível esquecer o passado porque ele... é parte essencial da pessoa que somos”, assevera.
“Ia partindo aquilo tudo…!
Um dos voluntários que se submeteu a esta fase experimental foi Rui Oliveira, nome fictício que este antigo combatente com comissão de três anos feita em Moçambique, decidiu escolher para evitar a exposição pública do seu problema perante os colegas. “Estive em África durante poucos anos, que me pareceram maiores que a toda a minha vida, antes e depois. Vivi pouco de facto, após o regresso...”, começa por contar. Torna-se ainda inevitável deixar de observar os seus olhos, a forma como se vão emudecendo, em contornos ainda enraivecidos, sublimados por uma certa e por vezes demorada ausência do espaço físico do presente. “Vi coisas que me mataram enquanto homem. Mesmo sem nunca ter levado uma bala, sei que ali vivi e morri com todos eles”. Não disse quem eram, mas pressente-se que ainda os vê, provavelmente aos seus camaradas que não regressaram como haviam embarcado. A seu lado.
E à tormenta do cenário de guerra, seguiu-se o infortúnio de uma vida que, desde esse momento que durou tempo de mais, se espalhou como doença para o resto dos seus dias. “Sei que fui mau para a minha mulher, para os meus filhos, para mim... Bebia, era violento, estive perdido no tempo, envelheci sem me dar conta. Até que percebi que precisava de ajuda. Já todos o tinham percebido aliás” conta.
Depois de anos de tratamentos que foram amenizando a sua condição mais revoltada, Rui Oliveira foi um dos que já regressaram ao palco das suas memórias tortuosas, mas desta vez, era tudo um cenário virtual. “Parecia real sabe?! Chorei, gritei, ia partindo aquilo tudo! Sei que era apenas um teste mas senti naqueles momentos que estava lá de novo, voltou tudo, revivi tudo! Foi impressionante!”.
Caixas:
As Fobias mais estranhas
Proveniente do étimo Grego phobos, significa medo, horror, pânico. Se claustrofobia e agorafobia são fobias bastante comuns, apresentamos-lhe algumas bastante mais invulgares, mas igualmente incomodativas.
Botanofobia: medo de plantas
Clinofobia: medo de camas ou de deitar-se
Sofofobia: medo de aprender
Vestifobia: medo de roupas ou de se vestir
Araquibutirofobia: medo de que se incrustem na gengiva ou no palato a pele que envolve o amendoim, pipoca ou outro componente que adere ao palato como doces compactos
Bibliofobia: medo de livros
Eufobia: medo de ouvir boas notícias
Melofobia: medo de música
Aurofobia: medo de ouro
Coulrofobia: medo de palhaços
Cronomentrofobia- medo de relogios
Cromatofobia- medo de cores
Coulrofobia- medo de palhaços
Eisotrofobia- medo de espelhos
Geliofobia- medo de gargalhadas
Métrofobia- medo de poesia
Olfatofobia- medo de cheiros
Pogonofobia- medo de barbas
Pedofobia- medo de crianças
Triscadecafobia- medo do número 13
Caixa:
Ganhar asas
A TAP, em parceria com a UCS (Cuidados Integrados de Saúde), criou no final do último mês de Maio um Programa de Tratamento de Fobias de Voo que se destina a todas as pessoas que têm medo de viajar de avião.
Para se inscrever ou obter qualquer informação ou esclarecimento adicional, poderá contactar a Consulta de Fobias de Voo da UCS, através do e-mail ganharasas@ucs.pt ou através do Call Center da UCS: +351 218 436 300 / 218 436 311 / 218 436 330 / 218 436 340.
Caixa:
Fobias dos Famosos:
Jonhy Depp – Coulrofobia – Medo de palhaços. "Tem alguma coisa naquelas caras pintadas e os sorrisos falsos que me deixam desconfortável", declarou o actor.
David Beckham - Sofre de desordem compulsiva obsessiva. Ou seja, tem de estar tudo sempre milimetricamente organizado.
Billy Bob Thornton - Entra em pânico quando o assunto é mobília antiga e só fica em lugares modernos.
Jennifer Aniston - Apesar de viajar de um lado para o outro por causa da profissão, a atriz morre de medo de avião
Orlando Bloom - Rei das grandes produções épicas e filmes de ação, o ator, quem diria, entra em pânico ao se deparar com um simples porquinho
Christina Ricci - Ela sofre de botanophobia (medo das plantas). "São sujas e eu não entendo como as colocam dentro de casa", referiu.
Tobey Maguire – Ironicamente, o Domem Aranha, não suporta grandes alturas
Nicole Kidman - Odeia borboletas
Revista Pública,
Setembro de 2007
novembro 02, 2007
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