outubro 21, 2005

“Sou o reflexo de tudo o que me rodeia"


No espaço que dista entre a ilusão e o sonho, a tamanha zona nublada, opaca, cinzenta, “a que chamamos realidade”

É de um mundo zangado, de um planeta de megalómanos construtores de imagens também exageradas, sem contexto e sem sentido, uma terra enlouquecida, talvez enraivecida, que vai permitindo, que se submerge sob a necessidade de se construir uma outra, mais colorida, mas sobretudo mais real, mas é também de pessoas, sonhando ser felizes, ou apenas conformadamente sobreviventes, que se alimenta o diálogo com o californiano Gary Jules.

“Trading Snakeoil for Wolftickets”, na essência, de um disco construído a partir “do nada”, ou mais realisticamente a partir da cave de Mike Andrews, seu amigo, também compositor, depois de conviver com a fumaça beligerante dos bares de Los Angeles, onde a droga e a prostituição fazem sentido, “porque são simplesmente realidades. Sou no fundo um reflexo de toda a minha história, de tudo o que me rodeia”.

“Conseguimos fazer este trabalho com apenas cem dólares, assim como uma espécie de exercício de música independente. Não esperava nada do que veio depois...”. O mesmo nada, um vazio semelhante àquele que lhe fora entregue pela sua antiga editora. “Após a gravação do meu primeiro álbum, as vendas não atingiram o que pretendiam e acabei por ser despedido”.

Pouco depois seria “Mad World”, o retracto revisitado da melodia dos Tears For Fears, escolhido para sonorizar Donnie Darko, a película que se tornou culto, mas também a figura paterna de uma simples versão, contudo melhor que a obscura original, e qualquer coisa como um passaporte para o actual primeiro lugar da tabela dos discos mais vendidos no Reino Unido.

Regressando ao berço do seu mais recente trabalho, “ preferi concentrar-me apenas em cada uma das músicas, aperfeiçoa-las, lapidando-as para depois me sentir eu, para depois as sentir como minhas, ao interpretá-las”.

“Penso que os músicos têm de primeiro trabalhar sozinhos”. De baixo para cima, de cima para baixo, concentricamente. “É o movimento da minha vida, da vida de todos, mas é também o movimento dos dedos pelas cordas de uma guitarra, um símbolo para mim”.

A intimidade que se acentua nos seus acordes, espelha a realidade que observa “num mundo em que muito dificilmente nos reflectimos, e que acabamos por reflectir, ao esculpirmos em nós próprios o que ele nos transmite”. E na tela pautada que o seu imaginário lhe foi deixando crescer, desde criança, “nascem retractados os sentimentos de uma visão essencial, mas sobretudo transmissora de uma mensagem realística”, tatuada, tal como enormes quantidades cutâneas do seu corpo, cobertas de estrelas, e onde sobrevive mesmo um D. Quixote de La Mancha, por tumultuosas experiências, por pequenas revoluções, “contra moinhos de vento, tentando simbolizar por exemplo, todo o universo numa só palavra, numa só expressão, numa só nota musical...”.

“No Poetry”, apenas pensamentos discorrendo em cada faixa de um disco inesperado. “Sobrevivemos com mentiras, desde que nascemos, até que fazemos nascer, e permitimos que elas se propaguem de geração em geração”. A receita, é “crescer, ser adulto, sem ser amargo ou frustado, e sonhar sempre, apesar de tudo”.


Por,
Pedro Cativelos, 2004

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