outubro 22, 2005

A entreaberta porta do Mundo


No Passeio dos Alegres nasceu, cantando, depois foi Vitorino quem lhe deu asas ao sonho. Na queda de um império, uma voz ecoou, das entranhas da mais pura alma lusitana, ao céu do horizonte, tão azul quanto o olhar que consigo transporta, desde criança.

“À Porta do Mundo” novel álbum de Filipa Pais, é um trabalho enobrecido pela riqueza timbrica de uma voz que incorpora repertórios amadurecidos por anos de colaboração com músicos portugueses, de Rui Veloso a Janita Salomé, Sérgio Godinho ou Vitorino, que lhe proporcionaram vivências musicais que extravasaram diversos estilos musicais.

A vertente tradicional “ num disco melodioso que dá importância à voz” aliada à poesia de Reinaldo Ferreira, João Afonso, Mário Cesariny, Hélia Correia “que tem uma facilidade imensa em construir poemas após ouvir o tema tocado instrumentalmente” ou tantos outros, de nome esquecido, que deram vida e história a cantares tradicionais, surge como recordação de tempos não vividos, causadores de nostálgica saudade.

A arte do canto pautou a sua vida, mas somente após a edição em 1994 de “L´amar”, o seu primeiro trabalho.“Voei sozinha e as coisas começaram a acontecer”.

O prolongado interlúdio discográfico, que tomou oito anos da sua vida, “não foi de maneira alguma vazio, pois nesse período cantei durante três anos com o António Chaínho, participei em espectáculos com o Tito Paris, actuei na Expo98 por diversas vezes...”. Também o nascimento da sua filha Alice, a fez “abrandar" nos passos da carreira mas revestiu-se de "grande importância em termos pessoais, pelo mundo de fantasia que me fez recordar e reviver de novo”.

A distribuição do seu novo álbum no mercado discográfico internacional “ é um objectivo para o qual existem já alguns contactos, todavia ainda não totalmente explorados”, acrescentando não ser necessária para a internacionalização da sua carreira, a mudança do idioma que lhe acompanha a voz, “ sou portuguesa, falo português, e neste momento nunca cantaria noutra língua que não a nossa”.

Quanto à sua visão acerca do mercado de música nacional, Filipa Pais refere, “pouco ouço rádio, pois quando o faço só oiço temas em inglês, embora não me possa queixar, até porque existem emissoras que vão passando a minha música”, observa.
O número de discos vendidos é algo “ que não me preocupou quando fiz o disco, mas gostaria que muitas pessoas pudessem ouvir o meu trabalho”.
O apoio Governamental à produção de conteúdos artísticos, nomeadamente no que se relaciona com o meio musical merece também um curioso comentário “pela parte que me diz respeito, nunca dei por nada”, prosseguindo, “não há qualquer tipo de apoios, nem sequer um circuito onde possamos expor o nosso trabalho” aludindo também “à falta de patrocínios, que dificulta a realização de ensaios, e de espectáculos em condições”.

No fecho da conversa Filipa acedeu ao desafio de tentar descrever a sua música meramente através de palavras, faladas, para os leitores do SEMANÁRIO. “Uma das coisas de que gosto no álbum relaciona-se com a sua componente melodiosa, baseada em raízes provenientes das diferentes tradições, riquíssimas no nosso país, sujeitas a uma envolvente composta instrumentalmente. Todavia, é muito difícil falar da minha música..”, fez-se um silêncio, a sua voz ganhou ritmo, e cantou um pequeno trecho de uma melodia que um dia havia já cantado.

Por,
Pedro Cativelos

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