outubro 26, 2005

Fado Universal


“Ao vivo no CCB”, do jazz ao soul, navegando nos ritos e ritmos de um fado que não mais é feito de fados.
A aventureira guitarra de mestre António Chainho, dedilhada em trastes de um sentimentalismo e de uma saudade reinventada, embala as memórias de cada uma das acetinadas palavras cantadas na voz de Marta Dias.

A já extensa carreira de António Chainho carrega consigo todo um passado de histórias e múltiplos trajectos, fundamentalmente retratados em noites iluminadas por vozes, como as de Amália, Carlos do Carmo ou Hermínia Silva.

A sua guitarra, tão Lisboeta quanto as sonoridades que foi exalando ao longo das últimas décadas, perfumando palcos, relembrando públicos desavindos de lembranças esquecidas, transporta saudades, que liberta ao pequeno toque requerido por cada nota musical.

“A vivo no CCB”, é o último dos trilhos desta caminhada. O espectáculo decorreu no passado mês de Janeiro, e origina agora um álbum, onde para além de António Chainho e da voz de Marta Dias, também Rão Kyao e Fernando Alvim à viola, assinalam presença de realce.

Há muito, que o mestre da guitarra Portuguesa procura a fusão do seu instrumento e da forma expressiva que representa, com outras dialécticas culturais, por forma a conferir-lhe uma outra dimensão, bem distante das casas de fados lisboetas, colonizadoras das errantes madrugadas bairristas.

“Tentei pegar no fado e transportá-lo para algo diferente, fazendo a ponte com a morna, com o corridinho, mantendo no entanto a sua estrutura”, explica António Chainho, até porque “o nosso fado está a começar a sua viagem pelo Universo, e tem de criar laços com outras culturas, para originar ambiências diversas”, revelando a importância de Marta Dias, proveniente de uma área musical relacionada principalmente com a “soul”, na arte criativa que o conduziu à composição, “depois de a conhecer bem, comecei a fazer música para homenagear não só a sua voz mas também as suas raízes Africanas”.

O nascimento da ideia sustentatória da realização do espectáculo e da posterior gravação do álbum, “aconteceu logo que nos conhecemos, aquando da celebração dos meus trinta anos de carreira”, revela o guitarrista, “ao que se seguiram colaborações da Marta em “A guitarra e outras mulheres”, e em algumas outras ocasiões”, rememorando o momento em que decidiram gravar um espectáculo, em prol de o construírem em estúdio, “a Marta disse-me que se sentia melhor a cantar defronte de uma audiência, e eu gostei da ideia, até porque as grandes vozes arrepiam-me e acabo por me transcender”.

“Todos os Portugueses têm fado dentro de si”

A recente maior visibilidade a que o fado tem estado sujeito nos últimos meses, tem para Marta Dias relação com “o aparecimento de algumas novas vozes, que aproveitam o espaço criado por Amália, Dulce Pontes, ou mais recentemente a Mariza”, levando-o a gradualmente abandonar “as ruelas de Lisboa, e a tornar-se uma forma expressiva nacional, cada vez mais com influência e visibilidade Universal”.

Inicialmente originária de uma área musical diversa daquela em que agora abarca , a cantora não se considera “fadista”, explicando, “ o que me interessa no fado é o sentimento, não o fatalismo e a dor existentes no nosso mundo, algo que a cantar quero ultrapassar, ignorando a resignação, caminhando em direcção à esperança”.
Para António Chainho, “fado é algo próprio dos Portugueses, revelador ao longo de muitos anos de um sentimentalismo mas também de uma saudade extravasada em letras dramáticas e tristes”, todavia a mais lusitana das formas de expressão está para o mestre da guitarra de Lisboa, em transformação, “como tudo na vida o fado está em evolução, mas mantém as suas essenciais características, até porque qualquer pessoa nascida em Portugal tem fado dentro de si e isso nunca irá alterar-se”.

Por,
Pedro Cativelos

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