outubro 22, 2005

“A minha essência é a Bossa Nova”


Maria da Graça Costa, o nome por detrás de uma voz tão quente, tão tropicalista. Todavia Gal, é também João Gilberto que conheceu criança pelo rádio a pilhas, é Caetano, Bethânia, Gil, com quem mais tarde cresceu, nas amizades de uma vida vivida pelos ritmos precisos e intimistas da Bossa Nova, aquela tocada num velho violão, conduzindo letras e melodias de outros tempos.

“Gal Bossa Tropical” é o álbum, o mais recente de Gal Costa. Dos espectáculos em Portugal para a apresentação do novo disco, ao reviver de memórias, algumas antigas, outras bem mais recentes, as emoções que proporcionou à medida que o tempo foi passando por si. “As time goes by”, é aliás um dos marcantes clássicos interpretados numa das faixas da compilação musical.

Interiorizado, sereno, adjectivos que poderiam servir para qualificar o seu recém editado trabalho, “não houve uma intenção pré-determinada na sua concepção, fui seleccionando músicas, fui gravando, eliminando, e só quando cheguei ao final me apercebi que haviam canções de todas as épocas, de todos os tempos, interpretadas por um pequeno grupo de músicos, mais instrumentalizado no fundo”.

Em Gal Costa remistura-se o presente, mas também o passado. Referência da Bossa Nova, na batida compassada do violão de João Gilberto descobriu a própria voz, a sua, “quando pequena ouvia muito a rádio, e um dia escutei “Chega de Saudade” de João Gilberto, e a partir desse momento mudei a minha maneira de cantar... a minha verdadeira essência é a Bossa Nova”.

È indissociável da sua história, como da história da própria musicalidade brasileira a relação existente entre Caetano Veloso e sua irmã, Maria Bethânia, Gilberto Gil e Gal Costa “somos amigos, começámos juntos, mas hoje as nossas carreiras separam-nos... somos no entanto uma irmandade espiritual, com um amor comum, a música”.

Filhos de um estilo musical, Caetano Veloso, Gilberto Gil reinventam algumas das mais antigas e tradicionais formas de arte musical. Nascia o Tropicalismo, que viria a congregar um movimento de renovação na sociedade brasileira dos anos sessenta, tempos de opressiva ditadura, que os transportou ao exílio, bem como a tantos outros membros de uma emergente gesta de músicos , “quando eles o fizeram não existia a intenção de criar um movimento político, mas todavia era revolucionário, pelo aspecto da transformação ocorrida nas poesias, nos instrumentos, nas roupas, que acabaram por se tornar uma forte ameaça para o regime”.

Gal tornar-se-ia pois na voz do Tropicalismo, “quando eles estiveram exilados em Londres, durante um período de quatro anos, eu fiquei no Brasil a cantar o que eles compunham, defendendo a nossa música”, acreditando ter sido o destino “que não me deixou ir embora”.

È no entanto diferente o Brasil presente, preenchido com a esperança embora ainda translúcida, transparecida pela simbólica vitória de Luís Inácio Lula da Silva, apoiado pela grande maioria dos artistas brasileiros nas últimas eleições, “é um homem do nordeste, um homem do povo que viveu a pobreza, conseguiu ir para São Paulo e tornar-se Presidente”.

Algo de marcante nas lembranças de uma geração mais antiga, a interpretação do principal tema da novela televisiva “Gabriela”, algo que tem para a cantora brasileira um significado mais abrangente do que o próprio reconhecimento do público pela sua interpretação, duas décadas que foram entretanto percorridas, “foi aí que Portugal e Brasil começaram a entender-se, porque antes disso os dois povos, que falam a mesma língua não se percebiam um ao outro”, considerando esse como um primeiro passo para a situação que actualmente se verifica, “existe hoje um grande intercâmbio de músicos e artistas entre Portugal e Brasil”.

Por,
Pedro CAtivelos, 2003

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