outubro 22, 2005

Bomtempo na alma de Gabriela


A música de câmara é o seu repertório de eleição, pela sua vertente intimista, explanada nos recantos do quarteto “Capela”. Gabriela Canavilhas, pianista, professora, e até radialista, percorre no seu novo álbum “Qintetos com piano” a trilha desenhada por João Domingos Bomtempo nas pautas do século XIX, e acompanhada do SEMANÁRIO viaja pelas suas paixões, as suas origens que lhe moldaram um percurso, por entre a música de hoje e de sempre.

Açoriana enamorada pelo adiado retorno às raízes africanas que lhe foram berço, agradecida pela experiênciaeZ vivida ao longo de dois anos nos Estados Unidos, hoje professora no Conservatório Nacional de Lisboa e colaboradora da Antena2 no programa “O despertar dos músicos”.

Fiel intérprete do conceito de música de câmara que advém da ideia de um pequeno grupo de instrumentistas funcionando como solistas, num “género de repertórios que exploram a depuração da linguagem e procuram diferentes texturas sonoras”.

O inevitável relacionamento entre as instituições governamentais e o meio cultural Português mereceu referência por parte da pianista “o estado tem a obrigação de criar meios e condições para os artistas se expressarem nas áreas artísticas em que a lógica de mercado não funciona” acrescentando que “não se pode continuar a olhar a cultura como algo que necessita de ser subsidiado totalmente, mas como qualquer coisa com potencialidade para ser lucrativa no balanço económico do país”, concluindo, “o estado deve estar atento às vanguardas, às novas criações e ao estabelecimento e afirmação de novas linguagens”.

Situando a música erudita como tendo “tantas nuances de mercado como qualquer outra”, com o exemplo de um dos seus álbuns “Vocalizos”, totalmente construído com base em obras de compositores contemporâneos Portugueses e que atingiu um substancial número de vendas, situação que encaminha o rumo do seu discurso para o facto das editoras discográficas não apostarem ainda fortemente neste segmento do mercado musical como algo rentável.

A “ pluralização de repertórios apresentados, como se afere do grande êxito alcançado pelos três tenores, que se traduziu numa clara estratégia visando a massificação da venda, vem na sequência de uma lógica de mercado que começa a ser explorada na área da música erudita”.

Gabriela Canavilhas prossegue neste âmbito, mas introspectivamente colocada perante a questão da comercialização da sua própria obra revela “o reconhecimento de um aluno, uma carta de um ouvinte valem mais que os concertos e os discos pois são mera expressão da nossa actividade. O que realmente importa para um artista é tocar em alguém ao longo da sua vida”.

No fecho da conversa Gabriela, amante da música como arte indissociável da cultura que a molda em todas as suas cambiantes, traça para os leitores do SEMANÁRIO um pequeno esboço da sua visão em relação à música Portuguesa, nomeadamente quanto à questão da formação “ onde a qualidade do ensino tem melhorado substancialmente nos últimos anos, situação consubstanciada pelo surgimento de novos instrumentistas”.

Também o fenómeno gerado em torno da denominada música “pimba” mereceu um comentário, “ o ar de superioridade com que músicos credenciados observam este tipo de sonoridade traduz-se por um certo basismo latente, que faz desvanecer a verdadeira e natural essência tradicional de onde provém este tipo de canções”.

Por,
Pedro Cativelos, 2003

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