outubro 12, 2009

Notícias Sábado: Sofia Carvalho

“Ainda vivemos numa sociedade machista”

Seis anos depois de ter assumido a direcção da SIC Mulher, Sofia Carvalho recuperou um espaço televisivo, o seu, criou um outro, para as mulheres, “mas não só, porque quase metade da audiência são homens”. A preto e branco, apenas o traçado desenhado no olhar que prossegue e acompanha palavra seguras por um trajecto feito de escolhas, um presente construído com “trabalho árduo e paciência”, e um futuro decorado em tons rosa, como a cor que predomina no seu tal canal.


Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira



Seis anos de SIC Mulher com a Sofia como directora e apresentadora do Querido Mudei a casa, a produção nacional com maior audiência do canal temático Como explica o sucesso do programa?
Pela qualidade, pela coesão da equipa, e pelo próprio formado que é sempre interessante para os espectadores.

Já agora, e por curiosidade, porque se concentram normalmente em apenas uma das divisões da casa?
Ao contrário da Oprah, por exemplo, que tem uma equipa de centenas de pessoas na produção e meios incomparáveis aos nossos, nós não temos isso, só conseguimos transformar uma divisão. Mas nesta décima série arrojámos um pouco, e se no início o objectivo era o de transformar apenas uma divisão de uma casa, com o decorrer do tempo fomos aumentando horizontes e de vez em quando vamos de facto modificar uma casa inteira.

É verdade que recebem milhares de candidaturas para participarem no programa?
É, de facto. Desde que o programa se iniciou, que sempre recebemos muitos, mas mesmo muitos pedidos, desde escolas a instituições de auxílio social, passando por empresas, bem, de tudo um pouco. No entanto, o objectivo não era esse, mas sim focarmo-nos em pessoas, e em histórias de pessoas e das suas casas. O que pensámos, é que em cada início de série fazemos um projecto especial, tanto que já passámos a Ajuda de Mãe, a Ajuda de Berço, um liceu, um jardim infantil e nesta décima série apareceu uma carta de uma senhora a precisar de uma grande ajuda e estamos a transformar a casa toda.

Existe então uma preocupação social…
Há de facto essa preocupação, sim, e cada vez mais porque estamos a fazer uma transformação na própria vida das pessoas.

E já sabe tudo sobre bricolage, já arranja e conserta tudo lá em casa?
(Sorri) Depois de quatro anos e cento e vinte programas, mal de mim, se não soubesse! Tenho até imenso jeito para fazer montagem de móveis!

Mesmo aqueles que trazem livro de instruções, ou é mais por intuição…
Gosto de fazer tudo bem à primeira, não sou daquelas pessoas que acham que conseguem fazer tudo sozinhas e depois perdem o dobro do tempo e nunca fica nada de jeito!

Como a maioria dos homens… dizem a maioria das mulheres!
(Sorri) Não queria entrar por aí!

De qualquer forma, esta provocação iria surgir na conversa mais tarde ou mais cedo. Sendo directora de um canal direccionado para a mulher, era inevitável falarmos dos clichés associados a homens e mulheres, e irmos até um pouco mais além, não acha?
Claro! Eu acho que há homens e há mulheres, são todos diferentes. Acho que a mulher é forte, não lhe chamo sexo forte por isso, não podemos ir por aí, e não me considero feminista, longe disso. No entanto entendo que ainda haja feminismo, apesar de muitas melhorias inerentes à condição da mulher, acho que ainda vivemos numa sociedade machista.

Mas a SIC Mulher, é uma televisão para homens, ou para mulheres?
É uma televisão para mulheres, é para elas que o canal nasceu, e para elas que o canal continua, é para elas que escolhemos determinados formatos de programa. O que acontece, e desde o início, é que o perfil da audiência que temos é de sessenta por cento feminino e quarenta por cento masculino, o que foi uma surpresa, não posso dizer que não tenha sido, apesar de bastante agradável, devo referir.

E como explica isso?
Acho que os homens começaram a ver a SIC Mulher por curiosidade natural de tudo aquilo que diz respeito às mulheres, mas depois acabaram por criar uma certa fidelização com os nossos programas e foram ficando e isso não mudou ao longo dos anos. Agora, sem dúvida, continua a ser um canal para mulheres!

E desses quarenta por cento de que me fala, acha que é fácil todos assumirem que de facto costumam ver o canal?
Ao início aconteceu de facto isso, e parece-me que havia um pouco de vergonha em ser homem e assumir-se que se via a SIC Mulher, até pelo desconhecido que era existir um canal dedicado às mulheres, mas hoje acho que já não acontece isso.

Andando seis anos para trás, fazia falta um canal temático dedicado às mulheres?
Sim, quando pensámos nisso o que pensámos foi em trazer uma alternativa para uma mulher que não se revia em mais nenhum dos canais que existia. Classificámos uma mulher com alguns adjectivos, que seria o nosso público, alguém determinada, conhecedora, sensível que se quer sentir atraente, porque todos temos um pouco desses adjectivos. Assim, o que tentámos foi criar um produto com conteúdo diferente, para uma mulher que se queria também ela diferente.



Seis anos depois, resultou…?
Sim, acabou por fazer sentido e só por isso, passado este tempo ainda cá estamos, diferentes do começo, mais evoluídos na estratégia, na abordagem, mas constantes no objectivo, e só assim foi possível construir o nosso espaço, manter o nosso público. Foram seis anos de um percurso fantástico que conseguimos posicionar-nos como uma marca forte, até pela concorrência que hoje temos e nos tornou mais criativos.

Os vários operadores por cabo, trouxeram de facto concorrentes de peso, nomeadamente no mercado das séries norte-americanas. Sendo a SIC Mulher, um canal relativamente pequeno, em estrutura e orçamento, como se lida com isto?
Em 2003, as coisas eram mais fáceis, não havia outros canais de séries no cabo, de facto. Com a FOX, e o AXN, por exemplo, tivemos de nos aprimorar e é como lhe digo, a concorrência nunca é má, pelo contrário.

Gosta do DR. Phil?!
(Sorri) Quer dizer… Eu não tenho de gostar! Vejo tudo o que dá no canal, e tenho de ver os outros também. Mas já agora porquê, não gosta?!

Não, de facto, não muito... Mas é a Sofia a entrevistada e a directora do canal!
Acho que tem os seus méritos e o sucesso que tem em termos de audiência talvez se possa explicar por sermos um pouco fechados emocionalmente, e ele decifra as coisas, dá soluções de alguns dos problemas que também cá existem e não são falados. Creio que muita gente se revê em algumas das situações que ele ali refere. Mas já agora explico-lhe a aposta que fizemos neste e em outros formatos do mesmo género. Para além das séries, que resultam em termos de audiência, mas que não tínhamos orçamentos para ir buscar todas as que queríamos, tivemos de começar a apostar noutras coisas, nomeadamente os talk-shows, que no fundo são todos eles muito diferentes, e para targets também eles distintos. Lançámos a Oprah primeiro, depois o DR. Phil, e mais recentemente a Tyra.

A Oprah continua a ser o programa mais visto da SIC Mulher?
É uma marca e uma referência do canal, acho que vai sê-lo sempre, porque não há ninguém como ela, é transversal. Gosto muito dela, mas devo acrescentar que também gosto bastante do Jamie Oliver, num estilo um pouco diferente, ele é muito engraçado, conhecemo-nos já, num almoço em Londres, onde convidou todos as televisões que compram os seus programas. Ele é mesmo ´what you se eis what you get` e foi uma tarde animadíssima.

Virando aqui um pouco a agulha para a Sofia Carvalho, mulher que dirige um canal para mulheres…Parece-me de bem com a vida, é assim?
Por muitas contrariedades que possam surgir, fui educada para ser feliz. Tenho uma avó francesa, de quem herdei os traços, e algumas das coisas de que gosto em mim.
Mas a minha família sempre me educou para ter atitude, nunca houve facilitismo em nossa casa, era importante estudar, trabalhar, encarar a vida olhos nos olhos.

Apesar do cor-de-rosa ser uma constante do seu canal, não a costumo observar muito nesse universo…
Isto de ser uma figura pública, entre aspas porque o país é pequeno e a fama com aspas outra vez é efémera, requer vários tipos de cuidados e confesso, não gosto muito de me expor.

Acha que ser bonita pode ser considerado um defeito, ou ser tão prejudicial em determinados momentos, como benéfico em outros?
Há de facto ainda muitas pessoas que continuam a olhar para uma mulher bonita com o estigma do ´menos capaz e inteligente`. Não acho que tenha conseguido nada por ser bonita que não tivesse conseguido se não tivesse garra e gostasse de trabalhar.

Chegou à televisão bastante cedo, quase tão depressa como desapareceu depois. Fale-me sobre isso.
Desde muito jovem que me queria tornar independente, e aos 15 anos queria ter o meu dinheiro, fazer as minhas coisas. Comecei então a trabalhar em publicidade, ao mesmo tempo que estudava, até que me falaram de um casting para locução de continuidade na TVI. Nem sabia bem o que era aquilo, mas lá fui, inscrevi-me e ganhei o lugar entre centenas, lembro-me que ficámos apenas cinco.

E acabou por sair alguns anos mais tarde, por causa de um detergente…
(Sorri) Sim… Para contextualizar devo explicar-lhe que a locução de continuidade era extenuante. Não tinha horas de sair, havia dias em que acabava de madrugada. E depois ainda estava a fazer o curso e tinha aulas de manhã no IADE, era complicado.
Lembro-me que um dia, o Artur Albarran propôs-me apresentar o Novo jornal com ele e a Bárbara Guimarães. Sabia e referi que não era jornalista, mas a televisão é um vício, que sempre soube no entanto controlar. Aceitei o desafio e acabei por até gostar da informação, mas não era de facto o que queria para mim. Tive nessa altura uma proposta para fazer um anúncio a um detergente e aproveitei o pretexto para sair, até porque já era mãe, e não tinha tempo. Resolvi dedicar-me à família e assim fiquei durante vários anos.

Ao contrário de muitas mulheres, conseguiu tomar essa opção. Não se arrepende de ter deixado a carreira para trás?
Saí. Tinha uma filha de quatro meses e fiquei quatro anos em casa. Costumava pensar que a qualidade do tempo que as mães passam com as crianças era o que importava, mas aprendi que é também muito bom poder dar-lhes tempo.

E em si, o que mudou com essa experiência de ser mãe a tempo inteiro?
Para além disso, tornei-me mais medrosa, deixei de gostar de coisas radicais, até de voar imagine! É uma responsabilidade brutal, porque nunca consigo deixar de pensar que aqueles seres pequeninos dependem de mim, e isso é um peso enorme, até porque me assumo como uma mãe galinha liberal, cool, que tem um Ipod e mostra as músicas novas às filhas para elas ouvirem! Somos todas mulheres, entendemo-nos muito bem.

A grande questão das mulheres continua a ser o tempo?
Sim, acho que há cada vez mais super-mulheres por aí, e o tempo continua a ser a grande questão com que a maioria de nós tem de se debater e saber gerir para que a vida siga com um mínimo de estabilidade.

É o seu caso?
Tenho ajudas cruciais e isso é uma sorte que muita gente infelizmente não tem. Ainda não nos conseguimos duplicar, e depois desse período de seis anos em que estive sempre com as minhas filhas, desta vez tive de redobrar esforços para que nada se perdesse, mas é sempre muito difícil, claro.

E o tal prazer de ser mulher, lema escolhido para a SIC Mulher, preconiza-o também?
Prazer de ser mulher! É o que sinto, de facto. Ainda há poucos dias me perguntavam o que seria se não fosse mulher, e nem me consigo ver assim. Seria sempre uma mulher, que gosta do que faz e adora viver.

E o curso, chegou a concluí-lo?
Nenhum dos dois onde estive, incrível não é?! Para agradar aos meus pais, fiz três anos de Relações Internacionais, descobri que era um curso fantástico, que tinha um pouco de tudo mas o que sempre tinha querido era entrar em Marketing. Fiz outros três anos, não acabei e gostava de o ter feito, mas na minha vida as coisas vão acontecendo por acaso sabe?! E isso é bom, no final de contas.

Neste seu trajecto profissional, o que mudaria?
Repetiria tudo! Durante esse tempo em que estive afastada é que acabei por fazer publicidade, ter uma outra filha, ser convidada para este grande projecto da SIC Mulher. Uma decisão, de deixar a televisão que na altura poderia parecer precipitada ou incompreensível, acabou por me dar outras coisas boas e além disso sempre soube que iria voltar porque gosto de trabalhar.

E depois, porventura num desses acasos, e após alguns anos longe do mundo profissional, assumindo o papel de mãe a tempo inteiro, regressa quando muita gente, e até provavelmente a Sofia, não estaria à espera… Como aconteceu isto?
Quando surgiu o convite foi… um susto! Havia um grande risco inerente, por ser tudo novo e diferente, mas no entanto foi impossível dizer que não. Respondi no dia seguinte, ciente do desafio que tinha pela frente, se calhar, o maior da minha vida, mas gosto de aventuras, e esta já dura há seis anos.

Não receou que, ao criar um canal nestes moldes se pudesse cair num formato mais ligeiro, ou fútil, por outras palavras?
Havendo esse risco, nunca o corremos, porque a filosofia, a mulher para quem nos queríamos dirigir impunha algo de diferente, com mais conteúdo, mais diversificado.

E a reacção das mulheres, lida bem com os elogios, com as críticas, com a indiferença?!
Normalmente as pessoas aproximam-se de mim, elogiam o nosso trabalho, até porque não há muitas mulheres em cargos deste género e acho que as mulheres se revêem, espero, no canal, nas mulheres do canal. Quanto às outras coisas, temos de saber lidar com isso da forma mais construtiva possível. Se me perguntar o que falta ainda fazer na SIC Mulher, respondo-lhe que tudo, mas a perspectiva deve ser esta. Sou uma optimista e é assim que tento motivar a minha equipa, não sou nada de fados, nem de lamentações.

Outro cliché… As chefes mandonas. Não me parece que faça esse tipo, ou é ilusão aparente?
Não, nada disso! Eu sou uma diplomata, consigo levar a água ao meu moinho, fui educada para ser assim, em estar sempre preocupada com aqueles que me rodeiam, tenho de facto um sexto sentido. Confesso que preciso de sentir que estão motivados, isso faz parte da liderança e talvez por sermos poucos, tenho a sorte de ter uma equipa coesa e determinada em melhorar sempre e até lhe digo que nesta fase da minha carreira aprendi a valorizar o trabalho em equipa como algo crucial no bom sucesso de um projecto.

Mas nunca se zanga?
Sim, claro que me zango, e de que maneira!

E o que a deixa então enfurecida?
A falta de civismo que por vezes presenciamos ainda muito no nosso quotidiano, transtorna-me sobremaneira.

Parece-me uma pessoa positiva, por natureza, é assim?
Quando se é negativo, as coisas começam a correr todas mal! Gosto de viver um dia de cada vez, e acredito que tudo acontece por uma razão, o bom e o mau. Aprendo diariamente com isso e assim quero continuar, a aprender, a acertar, a falhar e a viver.

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Moda, decoração e mais “Queridos”marcam nova grelha

Desde o mês passado que a grelha da SIC mulher se alterou, fale-me um pouco das novidades que preparou.
Todas as novidades podem ser vistas na grelha da SIC Mulher desde Março, que é o mês de aniversário do canal, quando fazemos seis anos. Temos um magazine inédito em Portugal, e um dia em conversa com o Olivier, propôs fazermos um programa sobre os bastidores da construção de um restaurante, achei uma ideia interessante estarmos na obra, presenciarmos os imprevistos, as discussões, tudo isso. No fundo mostrar o antes, o durante e o depois de um restaurante. Para já é só com este, e é pena que não tenhamos mais restaurantes a abrir, e que possamos adaptar este formato à nossa realidade com alguma continuidade.
Depois vamos estrear também um programa que eu queria que já estivesse no canal há muito tempo, um programa de moda produzido pela Subfilmes que se chama Instinto de Moda. E claro, completamos a décima série do Querido Mudei a Casa, que continua a ser um sucesso para além de um “E depois”, cuja intenção é a de revisitar os espaços que fomos alterando, e a forma como o programa alterou a vida daquelas pessoas.

Notícias Sábado, Junho, 2009

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