outubro 12, 2009

Pública:Máscaras Improváveis - "Rodrigo Leão"

Clássico e moderno.

Músico com formação clássica, homem discreto, compositor de sensações contraditórias, que o resumem a si próprio, serenas, enfurecidas, calmas e intempestivas.

Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira


Conceito. A revelação da verdadeira expressão musical, da própria personalidade, serena, plácida, mas ao mesmo tempo intuitiva, plena de emoções bem vivas e vividas, tal como o homem, o músico, e a sua arte. As roupas contemporâneas, justas, arrojadas, e as pinturas na face em tonalidades berrantes, traços fluorescentes de modernismo, contrastantes com a pesada solenidade do ambiente, inundado pelas notas compostas do piano em que se perde durante longos momentos, e que transportam o tempo e a atmosfera, para outro lugar, quando as luzes se apagam, e apenas se ouve o disparar da máquina fotográfica, num cenário quase cinematográfico, como gosta. “A minha música é sempre um tanto ou quanto abstracta, muito cinematográfica sim, é verdade, no sentido em que transmite tranquilidade… Podemos estar a filosofar sobre coisa nenhuma ou sobre tudo, a pensar no dia que passou, em tanta coisa ao mesmo tempo”.
No grande auditório da Escola de Música do Conservatório Nacional, étnico, surge assim como termo cujo verdadeiro significado ou sentido, à primeira vista, não lhe cai de forma estranha. “Não sinto necessidade de definir aquilo que sou, aquilo que faço, nunca pensei dessa forma. Mas nesse sentido, étnico, talvez tenha a ver um pouco com tudo isto, com raízes, com influências profundas, que estão em mim, e que depois passam para a música que faço, através de um processo que não sei explicar, mas que acontece um pouco sem razão aparente, que não seja a necessidade de deitar qualquer coisa de mim, que não é inteiramente minha, cá para fora”.
Auto-retrato. "Tenho um lado muito tranquilo e sereno, em mim, e isso transparece de facto em muitas das músicas que faço. Mas não sou só isso, pelo contrário, sou alguém muito agitado, não sou uma pessoa lá muito calma", admite, enquanto compõe a sua figura, nos traços da voz forte, rouca de fumador que já não o é. No rescaldo do lançamento do seu último disco, “A Mãe”, mais alguns esboços soltos, sobre o seu verdadeiro ´eu`, visto de dentro. “Inquietude, se calhar é algo que me resume em grande parte! Estou sempre insatisfeito, tenho de estar constantemente a programar coisas, a pensar no que vou ou não fazer… Sabes, gosto de pensar, acima de tudo disso. Descobri-o ainda pequeno, quando comecei a aperceber-me que havia todo um mundo para lá da realidade que todos conhecemos enquanto visível, um universo de ideias que ia buscar a filmes, a livros, às artes, que a minha mãe me apresentou e onde me acompanhou nessa descoberta, ao longo do meu crescimento. Lembro-me que os meus amigos me gozavam porque não sabia quem era o primeiro-ministro, isto é verdade! Hoje sei, claro, mas esse tipo de coisas não me despertam muito da atenção”.
Máscaras improváveis. “Todos temos várias ao longo da vida, a de pai, a de filho, a de amigo, mais ou menos prováveis, de acordo com as circunstâncias, com o tempo, com o momento em que estamos… Todas são importantes, e fazem de nós, transportam-nos para aquilo que somos afinal. No dia-a-dia, desenvolvemos todos esses papéis… Eu, por exemplo, levanto-me, levo os filhos à escola, passo pelo Frágil (bar no Bairro alto do qual é um dos proprietários) onde tenho o estúdio ensaiar, vou buscar os miúdos, dou-lhes o lanche, junto-me com amigos, toco, converso, rio…”.
As fotografias tentam captá-lo, em sucessivos disparos. Olhar tranquilo, sorriso fácil, dedos no piano, ou fora dele, mais ou menos moderno, modesto, solene, pensador ou impaciente, silêncios ou pausas apenas, em que se desvela, ou deixa ficar, apenas. A música, a sua, tocada por si, nascida “não se sabe de onde” acompanha toda a sessão. O olhar, permanece agora distante. “Há de facto muita coisa que toda a gente sabe e eu não sei! Mas de facto, nunca liguei muito a essas coisas mais reais, perdi-me sempre muito nos caminhos da imaginação, e é aí que mais gosto de estar”.

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