outubro 12, 2009

Pública:Máscaras Improváveis - "Joana Amaral Dias"



Tatuagens de ordem

O desafio de tatuar pelo corpo alguns dos seus ideais, mesmo que apenas por momentos, estava aceite. “Gosto de desafios, vamos a isso”.



Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira


Conceito. A composição, através da desconstrução da figura conhecida de todos, para no final, fazer ressurgir, a sua mais natural essência. “Parece mais complicado que o que realmente é”, deixa escapar com um sorriso, enquanto se vão desenhando, primeiro no rosto, depois nos braços, e nos dedos, por sugestão sua, as principais linhas que lhe hão-de fazer sobressair os pensamentos, e o olhar, tornando-o mais profundo, para compensar as ideias, as sensações em movimento, que a imagens não conseguem captar. “Espero que daqui permaneça a possibilidade de passar uma mensagem com substância, porque acredito profundamente na ideia de que esse acto não tem de ser uma coisa chata, monótona, mas pode ser feito de uma forma leve, até porque quando não tenho nada a dizer, prefiro nem aparecer”.
A princípio, as propostas relacionadas com a concepção do cenário, com a maquilhagem, com a escolha das roupas, com o tipo de abordagem ao conceito inicial, parecem-lhe arrojadas para além do que pretendia. “Não, eu não vou vestir isto! Não me parece, humm…”. Os traços da personalidade vincada que assume com frontalidade, não lhe custam a tornar-se evidentes. O tempo atenua-os, transfigura-os. “O tempo tem isso mesmo não é? Quando olho para trás, surpreendo-me com muitas das escolhas que fiz, com a forma como a minha vida foi correndo. É assim que o sinto, que o vejo. Obriga-nos a recriar perspectivas, alterar ideias que pareciam feitas, faz-nos mudar, no fundo”.



Auto-retrato. “Causas, palavras, vida”. Conceitos soltos, que se vão dispersando pelo seu discurso de improvisos feito, como os políticos, mas sem o ser na verdade, nem na forma, ou sequer no conteúdo. “Não me revejo dentro desse protótipo do político convencional, ou pelo menos de como se diz que as pessoas os costumam ver, até porque acredito plenamente que os portugueses não gostam só de futebol e telenovelas. Apesar de pertencer a um partido, penso por mim, de acordo com aquilo que sou, que gosto, que respeito”. Para lá da política, se é que não se tinha já ultrapassado esse ponto, sobre si… “Pareço demasiado segura de mim?! Há quem o possa avaliar melhor, mas tenho grandes conflitos internos, acho que é daí que advêm as convicções, quando conseguimos debater e debater-nos connosco próprios”.
As palavras, tatuadas em tinta não permanente, sem o cunho do infinito, trouxe-as consigo de casa, na imaginação. “Não existe Planeta B”, “Quantas vidas por barril?”, “Acabaram com a economia, acabem com a guerra”, ou “Adam and Even”, como se fossem iguais. O seu corpo como tela de um ideário pessoal. Mensagens que pretende relegar para a posteridade, “como refrão”, como parte de si, da sua história, da sua evolução. “As causas não têm uma hierarquia definida, pelo menos para mim. Talvez a primeira me tenha aparecido ainda na escola, com aqueles fenómenos de bullying, que na altura nem tinham esse nome. Terei adquirido aí essa consciência do que era a exclusão social, apesar de nessa altura ainda se manifestar de forma pouco estruturada em mim. O resto vem depois, a consciência ambiental, a paz, o feminismo, que se olharmos apenas para o mundo ocidental ainda é tão necessário! Quando ainda se fala em mulheres na política, quando isso ainda é questão que se coloca, está tudo dito não é?!”.
Máscaras improváveis. Mais ou menos prováveis em quem se mostra nos caminhos da política, ou não tão bem assim, como parece querer inferir, com um simples, e directo, franzir de sobrolho. “Todos usamos máscaras, é óbvio. Umas mais prováveis ou improváveis do que outras. Quanto aos políticos, não considero errado que as usem, nem eles nem ninguém. A vida política, como outras exigem as máscaras habituais de quem convive em sociedade, o que não me parece aceitável é que se confunda isso com artificialidade, ou com aquela forma robotizada, construída com o objectivo de dissimular comportamentos, e enganar as pessoas, até porque não acho que os políticos tenham de se constituir enquanto exemplos para as ninguém, ou servirem de modelos de virtudes”. Mais palavras, sobre si, para si. “Sei que falam de mim, como de todas as figuras públicas, que hoje em dia são as pessoas na política. Todas as pessoas que querem ter uma vida pública, ou que por qualquer razão acabam por a ter de viver, têm de estar preparadas para a noção de se ir falar sobre elas. Bem, ou mal, há que se ter essa preparação. Por vezes, o que se escreve sobre nós, só revela melhor, a personalidade de quem o faz”.
Última fotografia. “Já está”. Depois, começam a apagar-se as palavras em algodão humedecido, que não engana a tinta, enquanto se esvai, deixando apenas o sentido para a posteridade.

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