outubro 12, 2009

Pública: Máscaras Improváveis - "Simone"

Rugas de chorar, de sorrir e de sentir



Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben Moreira


“Eu já vivi muito, já sofri demais, passei por dois cancros, perdi pessoas que me eram queridas, fiquei sem voz quando estava no auge, quantas vezes caí para me voltar a levantar… Mas não tenho medo de dizer que sou feliz, e espero sempre que amanheça outra vez para poder abraçar um novo dia”. No mais fiel dos auto-retratos, Simone de Oliveira é tudo aquilo que parece ser. Feita de tudo e de nada, mistura de extremos, mulher de garra em pulso forte, frágil também, admite-o, espirituosa, agitadora, sábia, sem medo da vida, “quanto menos da morte!”, arremessa numa afronta sem rodeios.
Quando lhe apresentamos o cenário onde a iremos fotografar, sorri. Afinal, e à primeira vista, graffitis, arte urbana e Simone de Oliveira, parecem não ter nada em comum.
A ilustração da sua personalidade através de toda a composição, palavra, fotografia, cenário, criando um conceito de imagem e de conversa próprio e diferente, para cada figura, ou figuras, escolhidas serve de mote. Naquele seu sorriso, Simone percebe a ideia num imediato, mal a porta se entreabre e a luz invade todo o espaço da Galeria de Arte Urbana, no Bairro Alto. “Esta malta nova tem muito potencial, acredito e revejo-me neles, muito mais do que em muitos dos da minha geração que estão velhos, e pior, sempre foram velhos. Sinto-me bem neste espaço, é jovem, irreverente, criativo, diferente… Gosto”.
A ideia inicial estava conseguida. A desordem criativa, a desobediência às regras, a fuga aos padrões, a revolução, a Desfolhada afinal, não têm tempo nem lugar. “Talvez esse lugar de que fala aconteça, ou deva acontecer dentro de cada um de nós”, explica.
“Eu, sempre fui assim, várias pessoas me disseram ao longo dos anos que devia ter nascido cinquenta anos depois. Já passaram esses cinquenta anos, e continuam a dizer-me o mesmo! Mas a bem dizer não consigo explicar bem isso, porque vêm as gerações mais novas ter comigo na rua, porque me elogiam, porque me falam tanto da minha força, da minha forma de encarar a vida, porque simplesmente só assim é que é possível para mim existir enquanto pessoa, só assim é que encontro a razão para que tudo isto valha de facto a pena”.





As roupas modernas, a maquilhagem arrojada que não pretende ocultar as rugas de que se “orgulha” de não esconder, as paredes ilustradas com o futuro que se fundem com o olhar que compõe para a objectiva. “Nunca me tinham fotografado num local destes, com este tipo de roupas e pinturas… Quando me virem vão dizer que estou maluca, está-se mesmo a ver, mas gosto destes desafios e que pensem o que quiserem!”. Carácter e atitude contemporâneos, depois de soltar uma estridente gargalhada. “Sou deste e de todos os tempos, mas gostava de certas coisas do antigamente, o valor de um olhar, por exemplo. E faz falta dizer obrigado, por favor, amo-te… Vejo que isso se perdeu um bocado com o andar dos anos, e tenho pena, mas não troco o dia de hoje, por nenhum outro, isso nunca”.
Naquela sua voz grave, rouca, forte, solta gargalhadas sonoras enquanto partilha as imagens da sua vida, que serviriam para ilustrar milhares de fotos e de palavras, histórias vividas que chegariam para preencher inúmeras “arcas de memórias e saudades”, como gosta de dizer. Da infância na escola aos restaurantes que geriu em Lisboa, dos Festivais da canção à guerra na Guiné para onde foi enviada, com outros artistas da época, para animar o moral das tropas, da gravidez precoce à viuvez prematura, de filha, a avó, da música ao teatro de revista, da rádio, onde a descobriram e se descobriu para a música, à televisão, por onde continua a descobrir-se. “Tenho em mim um lado esotérico muito forte, sabe?! Acho que tudo o que me aconteceu tinha mesmo de ser assim. A música por exemplo, não havia qualquer ligação à música na família, nem nada que se parecesse, mas eu por aqui vim sem que nada o indiciasse. E nesta sequência enorme de acasos que foi toda a minha vida, aconteceram coisas terríveis e maravilhosas, mas que encarei sempre de frente com a ideia de querer viver por inteiro, o bom, e o mau, porque um sem o outro não fazem sentido”.
“You live and learn buddy”. As letras estão colocadas num dos holofotes que iluminam as gravuras nas paredes. Um acaso proporcionado pelo cenário, como gosta então. “Bela frase esta, mas contínuo a dizer, que quem faz um filho, fá-lo por gosto!”.


Frases Soltas:

“Não sou patrioteira, mas tenho pátria, tenho língua! Acho o novo acordo ortográfico uma vergonha, e vou continuar a falar como sempre falei!”

António Lobo Antunes. “Até há pouco tempo não o conhecia pessoalmente sabe?! Tenho as crónicas todas dele… Meu Deus, que coisa vinda lá do fundo! Tenho gravíssimos problemas da alma, da solidão, talvez seja aí o lugar onde nos encontrámos mais vezes, sem nunca realmente termos sequer sido apresentados!”

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