outubro 12, 2009

Pública: Máscaras Improváveis - "Rita Lello"

Ideologia, e cenários com sentidos

Actriz, mãe, filha, pessoa ainda e sempre “incompleta”, mas que pretende um pouco mais da existência. O movimento Punk como tema mais do que apenas estético, as máscaras que transfiguram o significado da vida, um auto-retrato que surpreende pelas cores vivas, as palavras, de tonalidade forte e personalidade vincada.

Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira


Conceito. O movimento Punk, o puro, o libertador, o verdadeiro, do inicio dos anos setenta, dos Clash aos Sex Pistols ou aos Ramones. “Sempre foi importante para mim, pela ideologia, pela força das ideias, pelo desapego ao material, pela dinamitação das estruturas corrompidas, para construir de novo… Toda essa liberdade me diz tanto”.
Escolhido o cenário, um palácio em ruína, no bairro da Bela Vista, na Bobadela, nos arredores de Lisboa, compõe-se as máscaras que serão vestidas na sessão, acertam-se os detalhes, afinam-se os músculos das expressões. “Nunca tinha feito nada deste género… Se gostei?! Adorei!”.
Nos escombros abandonados do desenvolvimento urbano que fica na vista até do horizonte em forma de betão, alguns momentos de renascimento de uma forma de civilização que é tudo, menos popular. “Para mim, ser punk não tem nada a ver com parecer mas com anarquia, com esse conceito de suprema organização! A revolução, a guerrilha urbana, o querer construir um mundo melhor e caminhar para a igualdade e concretização de sonhos que são pouco menos que utópicos, mas que merecem pelo menos uma luta… Para quem não sabe o que é isto tudo, pensa que os punks são só a roupa, mas são muito mais do que isso, é uma corrente cultural que vai muito para lá da imagem, tem a ver com um código ideológico, um estado de espírito, não com símbolos estéreis”.
Auto-retrato. “Este tipo de valores de que te falo, e apesar de olhares para mim, e não dares por isso até porque não ando aqui toda cortada e cheia de correntes, são os valores pelos quais eu me rejo, sou anti- institucional, tenho alergia a isso, sou rebelde, sou um pouco radical, não muito, sou obstinada… Com o tempo, com a idade aprendemos é a definir o nosso campo de acção, a perceber onde é a nossa casa, onde é a casa dos outros, onde devemos intervir, quando não o devemos fazer, mas sempre com verdade, autenticidade, e com vontade de reconstruir tudo de novo se não estiver de acordo com o que imaginámos, para que isto se torne um sitio melhor”.
Máscaras. O olhar azul profundo permanece distante, viaja, divaga sem sair do lugar, ou perder o fito na palavra, na imagem que se segue. “Nós somos o produto do meio, dos nossos pais, de tantas coisas, mas também de nós próprios. À medida que vamos decidindo, escolhendo, podemos optar por nos construir não só ao sabor da impulsividade, de ir julgando o bom, o mau, o que devemos explorar, trabalhar, evoluir… Isto é a construção da tua máscara social, acho que é assim que ela deve funcionar, de dentro para fora. Depois, há as outras, as cascas de cebola, as carapaças impenetráveis que as pessoas vão construindo para se defender de uma sociedade hostil, que não dignifica, que não ajuda a ajudá-la a tornar-se melhor e esta parece-me ser a máscara que a maior parte das pessoas é obrigada a usar, que vai de fora para dentro, que contamina e assassina o que de bom se tem lá dentro, uma armadura que te afasta da vida”.
Perto dos quarenta anos, Rita Lello aventura-se agora pela encenação da Bicicleta de Faulkner, em que uma das actrizes é precisamente Maria do Céu Guerra, sua mãe. “Ela é um actriz maravilhosa… Cresci com a minha avó, e quase sempre a vi enquanto actriz, habituei-me a vê-la assim, e por isso não é difícil esquecer-me que é minha mãe quando a vejo trabalhar. Somos iguais, em algumas coisas, apesar de sermos actrizes diferentes. Há uma intimidade que se for trabalhada pode ser benéfica para o trabalho… Nunca terei alguém a trabalhar comigo de quem goste tanto”.
Mulher de papéis diversos, no teatro, na televisão, na vida, preenche os espaços em branco que distam entre as frases, os silêncios, com pensamentos, ideias, que vai deixando em cada traço de raciocínio, mesmo quando o tema, ronda a si própria. “Gosto de experimentar tudo, de fazer isto, aquilo… Eu e as coisas que assino são o meu manifesto, não faço propriamente parte da cultura alternativa portuguesa, nem quero! Encontro coisas interessantes numa personagem como a que fiz em Vila Faia, e também nas várias peças que já fiz no Teatro. Acho que um actor, que é isso que sou, não tem de ter uma estética, tem de ser livre, estar livre nas ideias”
Um último fôlego… “O que eu quero mesmo é sentir-me útil e ir-me divertindo… Não sei se é pouco, mas acho que não! A sensação de vazio e inutilidade é o pior que nos pode acontecer, sentir que nada do que se fez permitiu que alguma coisa se alterasse. Isto vale para as grandes, como para as pequenas coisas do dia-a-dia e pode alterar tudo, a qualquer momento, revolucionar o sentido das coisas”.


Frases soltas:

“Quando tinha quinze anos houve alguém que me perguntou qual era o meu projecto de vida… Fiquei aterrada, e pensei…´Mas é obrigatório ter um?!`”.

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