outubro 12, 2009

Pública: Máscaras improváveis - "Olga Roriz"

Movimentos perpétuos

Fazedora de expressões, criadora de sensações, sem palavras, instinto apenas, agora e sempre, na mais conceituada coreógrafa portuguesa.



Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira



Conceito. A ausência de movimento. Aprisionar o corpo, tolher-lhe a liberdade criativa, de viajar, para onde os sentidos ordenam, de se expressar, para além do meramente visível. “Sou uma fabricadora de ambientes, de imagens, de conceitos… Estas sessões acabam por resultar num pouco de loucura, e essa é sempre bem vinda! O conceito de imobilidade deixa espaço à criação, os obstáculos acabam sempre por servir de extensões, é uma regra natural e comprovada e foi o que aconteceu aqui, e foi bom por isso”.
Três cenários preparados, três lugares no tempo, sob um mesmo conceito, condicionado pelas várias expressões que vão brotando, ao sabor das sonatas de violino de Corelli que inundam o espaço da sala de ensaios da Companhia Nacional de Bailado, e que a própria Olga Roriz seleccionou, como suporte dos movimentos, dos traços de personalidade que lhe sobressaem, naturais, do interior da sua arte maior. “Sinto que isto é mais uma performance, que um conjunto de várias poses. A música ajuda, claro, é capaz de por si própria gerar ambientes, criar estados emocionais, ajuda-nos a dialogar connosco próprios, na nossa própria linguagem”.
Em contra-corrente. Sempre, nas duas formas de significado que a expressão pode ter. Depois, em movimento não coreografado, o corpo rebela-se, com raiva e leveza, como dança que acontece sem porquês, torna-se livre, porque é assim que o deve ser. Como a mente. “Fomos da imobilidade, para o total oposto! Não se consegue de facto escapar à natureza das coisas, o que acaba sempre por nos surpreender… Mas a criação é assim mesmo, não é previsível, acontece”.
Auto-retrato. A profissional da dança, a criadora, a bailarina, a coreógrafa. Traços de personalidade que a caracterizam, sem uma linha visível que lhe demarque o horizonte. “Acreditar, ser, estar no palco, criar…São tantas as viagens solitárias que tenho. Encontro-me na coreografia, na dança, em ambas, é um pouco esquizofrénico admito. Mas no entanto, mesmo antes de saber dizer a palavra coreógrafa, quando era ainda muito pequena e a ouvi pela primeira vez da boca da minha mãe, já tinha descoberto o que queria ser. Talvez se encontre aí, a origem de tudo o resto o que me foi acontecendo”.





Limites, outro dos termos que lhe é caro. Voar, planar no ar, sem auscultar a gravidade, para lá das capacidades do corpo. O cenário, os materiais, a luz, o ambiente, é composto com esse objectivo. Depois da libertação, o momento em que flutua naquele espaço breve entre os sentidos e o sonho. “Sempre tive noção dos meus limites sabe?! E disse-o ao longo da vida aos meus bailarinos e a todos os que comigo foram trabalhando, para não os ultrapassarem, mas para trabalharem sobre eles, com eles, porque é aí, que nos diferenciamos, e nos verdadeiramente tornamos únicos”.
Máscaras improváveis. “Com palavras, é complicado! Se pudesse descrever-me em movimentos, fazia assim…”. Constrói uma pose, coreografada num instante entre as várias partes do corpo, como máscara provável de si própria. O seu corpo assume-se, de dentro para fora, os olhos semicerram-se, os braços entrecruzam-se em direcção ao céu, as mãos, os dedos seguem o seu caminho e posicionam-se como se estivessem devidamente ensaiados, transformando-se naquilo que é. “Como lhe dizia, é complicado fazê-lo sem recorrer ao movimento. Tenho várias máscaras, mais ou menos improváveis, ou o contrário disso, que acabam por ser reflexos do que sou intimamente. Terna, querida ou sossegadinha, como mulher, irreconhecível, para quem me conhece bem, até mesmo para mim, em cima do palco”.
A dança prossegue, com mais ou menos palavras, sujeita ao sentimento, ao momento. “Trabalho muito sobre as pessoas, como são, o que são. Não tento contar histórias, mas momentos essenciais, até porque tento fugir àquilo que sou, viajando à tal consciência colectiva, onde tudo e todos nos encontramos. A Dança é isso, libertadora do corpo e da mente, é universal”.

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