Whisky, gaitas de foles, golfe, castelos de pedra desgastada pelos milénios e lagos que reflectem a paisagem escarpada, resguardam em si lendas milenares de encantar a vista, e arrebatar o espírito, relembrando constantemente que quem visita as terras altas da Escócia regressa sempre diferente.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Joaquim Gromicho
“Aqui é a Escócia, não somos ingleses, somos highlanders”. O ar trocista, folgazão, arruivado serve de estereótipo, a frase também. A primeira lição de quem chega ao território dos homens das montanhas está aprendida, e apreendida. De facto o ar é leve, as colinas elevam-se aos céus, os lagos tornam-se mais profundos, assim como os olhares o são, as conversas se tornam, os elos se mantêm. A história bem o ensinou a este povo sofrido que nunca conseguiu escapar às batalhas que travou ao longo dos séculos, na busca eterna da própria existência, dos combatentes pela independência como William Wallace ou Robert de Bruce, dos que professaram a paz nas palavras da poesia, como Robert Burns, da religião ao desporto, das mais altas montanhas do norte, aos mais planos vales do sul, tudo se mistura um pouco, numa amálgama de influências sempre sofridas na pele cultural de um povo que tem tudo para oferecer, que não revira os olhos quando partilha, não se envergonha quando se revela.
O tráfico é adverso por aqui. Não que as más maneiras se alheiem dos bons costumes britânicos, nada que se pareça. Adverso porque simplesmente funciona tudo ao contrário. A esquerda e a direita confundem-se, inquietam-se, pelo menos durante as primeiras horas, até as vistas se habituarem, e os trejeitos de condutor dominarem os reflexos adquiridos. A calma, essa, abate-se passados minutos de pisarmos a terra escocesa, quando se atravessa no horizonte o primeiro de uma infinidade de “Loch´s” majestáticos, rendilhados de verde e águas geladas, apesar da maior onda de calor dos últimos largos anos. “Quinze graus”, exclamam. E é mesmo verdade, parece que se está nos trópicos, a avaliar pela quantidade de manchas de suor nas camisas de quem regressa do trabalho, e nos calções de praia (que nunca terão avistado um grão de areia de uma praia escocesa, talvez de Albufeira destino privilegiado pelos escoceses) dos que se passeiam em férias. Mas não passa do primeiro aguaceiro a ténue ideia de tropicalidade, que as nuvens que ocultam o sol constantemente já deixavam desconfiada.
No Parque Nacional de Loch Lomond, reside o maior lago de água doce da velha Bretanha, e um dos mais procurados, bem procurados diga-se, onde são habitualmente avistadas estrelas como Clint Eastwood, Luciano Pavarotti e Michael Jackson. Quando se chega ao Cameron House, um hotel de cinco estrelas erigido na planta de um castelo do século XVII, imponente sobre as águas, com quase cem quartos elegantemente decorados, piscina, ginásio, sauna, solário, salão de beleza e cabeleireiro, massagens, jacuzzi, Spa e campo de golfe nos arredores, percebe-se o porquê de tão “celebrizadas” escolhas.
Calma, serenidade, ausência de ruído, para lá do grasnar dos cisnes selvagens, e do suave chocalhar das águas abstenhas de ondulação, que se movem apenas ao sabor da brisa ténue do entardecer.
Torna-se no entanto impossível vaguear por aqui, sem que a estridência sonora das gaitas de foles ecoem na imaginação, ao som da voz profunda de Sean Connery, que se reconhece em todas as sílabas do acentuado sotaque da pronúncia escocesa. “É uma maravilha não é?!”. Interrompe-se o silêncio, na figura de um jovem com o traje padronizado da antiga Escócia. Russel Davies, empregado do hotel, trabalha aqui há meio ano. Deixou o mercado da publicidade porque “a crise está por todo o lado, até aqui, nas highlands”, humoriza. “Além disso ganha-se bem na hotelaria, o turismo é a nossa principal e quase única riqueza, devido à natureza e história que temos, pena é o clima não é?!”. Talvez, mas um pouco de variedade nunca fez mal a ninguém, pelo menos na óptica do visitante turista ocasional. “Desde que não chova mais do que umas cinco ou seis vezes ao dia, já é Verão”.
Raízes perdidas… e achadas
Com uma população a rondar os cinco milhões de pessoas, que se dividem na sua maioria entre as grandes cidades como Glasgow, Aberdeen, Inverness e Edimburgo (a capital), a actividade económica do país é sustentada primordialmente pela agricultura, pela pecuária, pelas exportações de whisky e por todos os serviços relacionados com o turismo. Banhada pelo Mar do Norte e pelo Atlântico, do seu território fazem parte quase oitocentas pequenas ilhas, muitas delas em estado completamente selvagem.
Definitivamente ligada a Inglaterra desde o primeiro de Maio de 1707, quando depois de séculos de guerra e guerrilhas com a coroa inglesa em busca da soberania da independência, formalizou então uma união política com o Reino da Inglaterra, que viria a estar na origem do novo, então, Reino Unido da Grã-Bretanha. Mas não estava ainda garantida, longe disso, a paz tão desejada, e muitos tumultos sociais se seguiriam nos séculos vindouros.
A Escócia continua a ser no entanto uma nação com jurisdição e Parlamento separados do Governo central, o que se reflecte nos sistemas de direito e de educação escoceses, onde se ensina ainda (chegou a ser banida mas tem vindo a ser recuperada gradualmente) a língua gaélica, o étimo original falado na região, desde o século V, quando os celtas provenientes do norte da Irlanda assentaram na costa ocidental, levando uma variedade do gaélico.
Se com a língua, parte da originária cultura céltica se foi diluindo, o mesmo aconteceu com todas as outras manifestações culturais que tornam a Escócia única, e famosa no mundo. As gaitas-de-foles, o Glengarry (chapéu típico utilizado pelos mais velhos) ou o uso do Kilt, que surgiu no século XVI, no norte da Escócia, onde cada clã ou família utilizava um tipo de quadriculado que identificava os seus integrantes, foram manifestações culturais que chegaram mesmo a estar praticamente erradicadas, devido ao jugo imposto pela corte Inglesa durante muitos séculos. Só algumas famílias highlanders, no norte do país resistiram, mas com o abrandar da pressão política, as tradições começaram a ressurgir, e a serem orientadas para o turismo.
Não é assim nada pouco usual ver crianças de Kilt a tocar gaita-de-foles, aproveitando as férias escolares para fazer algum dinheiro extra. Em cada castelo, museu, ponto de passagem turístico, lá estão a recriar ambientes através do mais puro dos sons da terra. “Sim, aprendemos na escola, e vimos para aqui fazer render o tempo e aproveitar para exercitar os dedos”, conta o pequeno Eric Macdonald enquanto conta as poucas “pounds” que os turistas lhe deixaram na caixa de madeira que utiliza para transportar o instrumento.
Viajar de carro pela Escócia é um festim para os sentidos…
E a melhor forma de conhecer a verdadeira Escócia. Lá fora a chuva cai torrencial, quase tão depressa como passados minutos se dissipam as nuvens e tudo volta a ser luminoso outra vez. “Landscape”, uma palavra que ganha todo o sentido que nunca lhe tinha encontrado, quando ao virar de uma curva da estrada, se nos depara uma e outra, e outra vez um cenário retirado dos folhetos turísticos. Serenos rebanhos de carneiros a pastar por prados que se estendem até às margens de um lago, que o interrompe apenas até à encosta mais distante, porque a vista em forma de postal, alcança o horizonte.
Outro dos percursos “obrigatórios” para quem pretende oferecer a si próprio um dos mais belos momentos que se podem viver e sentir, foi imortalizado em livro, e em cinema por JK Rowling, a mãe literária de Harry Potter.
A viagem no Jacobite da West Coast Railways, na obra chama-se Hogwarts Express, comboio a vapor do início do século passado que atravessa montes agrestes e vales invadidos de Margaridas selvagens, entre Fort William e Mallaig é uma das atracções turísticas mais procuradas por viajantes de todo o mundo, e que não se poupam a esforços na procura das muitas paisagens que se vão sucedendo para lá das vidraças foscas, da fuligem que esvoaça, quando se dissipa a fumaça do carvão consumido vorazmente.
Passamos Ben Nevis, a maior montanha britânica, famosa pela sua estância de esqui, as profundas águas doce de Loch Morar, depois Loch Nevis, e por fim a estação ferroviária mais ocidental do Continente em Arisaig, numa rota que inclui paragens, marchas lentas, outras mais céleres, sempre ao sabor do pouca-terra, pouca-terra…
Pelos corredores estreitos, de encontrão em encontrão, e com muitos “sorry´s” pelo meio, um casal de texanos “equipados” à Harry Potter parecem querer captar toda a viagem no cartão de memória da sua máquina digital. “Viemos de longe para fazer este passeio com que sempre sonhámos, desde que vimos o filme que de facto e pelo que nos disseram fez com que disparasse o turismo neste trajecto”. Interrompem, para tirar mais uma fotografia, dispersam-se com as seguintes.
Prosseguimos, por Corpach, Glenfinnan, Lochailort, Arisaig, e Mallaig onde se recomenda uma refeição pouco saudável mas totalmente britânica. “Fish and chips?”. Sim claro, “why not?!”.
A gastronomia escocesa é um pouco mais variada que a inglesa mas não corresponde ao protótipo da boa mesa portuguesa, longe disso. A utilização de produtos frescos, as carnes, o salmão, ou os mariscos são o mote para algumas boas refeições, em pubs à beira da estrada, ou em restaurantes situados em unidades hoteleiras luxuosas. No entanto, o prato nacional da Escócia é o calórico Haggis, uma mistura de constituição duvidosa à primeira vista da ementa. Pulmões, coração e fígados de borrego picados e misturados com aveia, servido com acompanhamento de puré de batata, nabo e pimenta preta não auguram nada de pouco indigesto, mas afinal até é uma saborosa novidade. Outro dos pratos típicos é o Scotch Sink, uma sopa de peixe com carne de veado ou faisão.
De regresso a Fort William, e com o apetite disfarçado, a curiosidade aguça-se agora com um pormenor inesperado e uma recordação de casa. A Olton Hall, máquina que puxa as cinco carruagens divididas entre primeira classe onde se servem chá e bolos de manteiga acabados de sair do forno, tem a data de 1937 e foi construída em… Vila do Conde.
Loch Ness. Mito verdadeiro… para o turismo.
“Se já vi o monstro? Vá procurá-lo, mas já agora, não quer beber nada?”. Um sorriso, e um piscar de olho quase que servem de prova científica de que o mito de Nessie não passa disso mesmo. No entanto, em Fort Augustus, pequena vila adjacente ao mais famoso Loch do mundo, atravessada ao meio pelo canal da Caledónia, utilizado hoje unicamente por embarcações de recreio, foi todavia construído em finais do século XIX para permitir às embarcações do Mar do Norte a travessia da Escócia em direcção ao Atlântico evitando assim as más marés, nota-se sobremaneira a sua influência. Depois, três Pubs, um posto de informação para turistas e a maioria das casas de habitação transformadas em Hostels, com tabuletas de madeira com as iniciais de “Bed and Breakfast” gravadas a tinta colorida, para além de alguns hotéis de média dimensão a comporem o cenário. “Temo-nos desenvolvido de forma sustentada com este fenómeno. Não podemos é crescer muito mais porque temos muitas regras que restringem a construção e se começarem a nascer empreendimentos turísticos e arranha-céus, Loch Ness acabou! As pessoas vêm aqui por causa da lenda de Nessie, mas também em busca de algo mais, de uma calma de uma paz interior que têm de encontrar”, conta Ben Jarvis, que trabalha no mais animado dos Pubs da localidade. “Agora, depois de um whisky de malte, vá lá ver se acha ou não a nossa Nessie, garanto-lhe que é mais fácil de a encontrar agora”, volta a insistir, pândego e sorridente. Não haverão no entanto muitas sensações que superem a emoção de olhar o cair o dia, sem anoitecer totalmente (durante o Verão há sempre claridade até ao amanhecer, por volta das três da madrugada) nas margens do mítico lago enquanto se saboreia a verdadeira “água da vida”, de malte como convém, e como lhe chamam por aqui.
Na realidade, a história da serpente marinha, como a denominaram os primeiros cristãos colonizadores no século VI, ou o mais tardio monstro marinho que colocou o Loch Ness no mapa mental de milhares de pessoas em todo o mundo serviu para mobilizar toda uma indústria em seu redor. Há o museu da criatura, em que se pode acompanhar todo o trajecto desde os primeiros “avistamentos”, há os cruzeiros pelo lago, onde através de um sonar se pode acompanhar a mais leve movimentação no leito do rio, obviamente muito procurado pelas centenas de turistas que percorrem ainda as margens com as câmaras de filmar em punho, atentos a qualquer cauda de serpente marinha gigante que possa aparecer inadvertidamente, há a estátua de Nessie, como carinhosamente lhe chamam, retirando-lhe o rótulo monstruoso das histórias contadas para assustar as crianças e as obrigar a comer a sopa, há os porta-chaves e os posters, os calendários e os baralhos de cartas. Nessie é de facto um fenómeno global, de algo em que se acredita, sabendo-se bem no fundo, que pode não ser bem assim. E o contrário também serve, ou pelo menos é a sensação com que se fica, quando se observam as águas negras, e as ondulações oblíquas do lago mais profundo da Escócia. “Vivem segredos nestas águas, profundas como a mente humana, tanto que nela caberiam duas vezes e meia todas as pessoas do mundo”. Para além da ligeira morbidez do comentário, a voz do capitão do navio que nos leva lago acima, sobrepõe-se à música céltica que em fundo apronta o momento, e eleva as expectativas. “Sim ou não, resta-nos o espaço da imaginação. Há coisas que devem permanecer mistério, fazem parte da vida, e não há mal nenhum de que assim permaneçam. Também precisamos de um pouco de magia na nossa vida, de acreditar em qualquer coisa que esteja para lá dos nossos olhos e entendimento”. O Capitão Andy, “só assim”, há vinte e um anos que faz o mesmo percurso de três horas neste cruzeiro. Nunca viu nada, garante, mas não conta as vezes em que os gritos de passageiros causaram alvoroço, jurando que “ele estava mesmo ali”, que era… “Mas têm o azar de nunca tirarem fotografias ou filmarem… Paciência”, sorri. Agarra no microfone com a mão esquerda, no leme com a direita e continua a sua explicação sobre os vários mistérios da vida deste lago.
Esta região, situada no coração das Highlands não tem apenas o Loch Ness como atracção turística, longe disso. Talvez o mais próximo rival do lago, em número de visitantes, esteja alguns quilómetros a norte. O imponente e austero Eilean Donan Castle que, apesar de já muito conhecido, se tornou mundialmente famoso por ter sido palco de algumas das mais belas cenas de Braveheart, realizado por Mel Gibson, o épico que conta a vida de William Wallace, um dos heróis nacionais dos escoceses, e um ponto de passagem obrigatório.
O cenário, palco de algumas das mais sangrentas batalhas pela liberdade do reino da Escócia, parece só agora ter encontrado a paz, inserido na bucólica paisagem verdejante, mesclada pelas malhas coloridas dos turistas japoneses, americanos e australianos.
E se por um lado a película levou as origens da Escócia a conquistar a simpatia da maioria dos espectadores, por aqui, e como seria de esperar, as escolhas do realizador não são consensuais. “Sabe que aqui foi gravada uma das poucas cenas do filme passadas na Escócia, foi quase tudo feito na Irlanda. E depois, William não era nenhum santo, Robert de Bruce também não, aquilo está muito romantizado”, realça Martin Maccormack, que vive a poucos quilómetros do agora monumento. Com maiores ou menores diferenças, as opiniões não divergem muito desta. “Sabe que como vivemos a história e a conhecemos melhor, é natural que lhe encontremos maiores defeitos, mas valeu pelo esforço”.
O golfe nasceu aqui.
Um dos mais carismáticos legados da Escócia ao mundo é desconhecido para a maioria das pessoas. Tradicionalmente praticado pela aristocracia escocesa, ultrapassou as barreiras da geografia e tornou-se massificado e globalizado.
É na Escócia que se encontra ainda hoje a maior concentração de campos de golfe do mundo. Cerca de meio milhar que atraem anualmente desportistas de todo o mundo. “Hoje em dia, muitos escoceses jogam golfe, já não é coisa de ricos, e acontece que até escolhemos locais para passar férias onde existem também complexos como este, onde podemos jogar e aproveitar o clima. Albufeira por exemplo, e outras zonas do Algarve, vou lá todos os anos! Mas aqui é diferente, reconheço, a relva cresce sem a plantarmos… Se virmos de cima, do ar, a Escócia parece mesmo um campo de golfe gigante, com os lagos, as elevações e depressões do terreno, digo que nascemos para o golfe, e ele nasceu connosco”, explica com humor Garry Symins, responsável por um empreendimento dedicado ao golfe, nas redondezas de Blair Athol, localidade conhecida pelo magnânime Blair Castle, outra referência obrigatória para os apreciadores de história. Sede dos Duques de Earls Atholl, é uma das primeiras casas privadas a abrir-se ao turismo de massas sem perder no entanto um dos principais traços da tradição que se pressentem ao visitar as mais de trinta salas abertas ao público. Outro dos pormenores que a distingue de forma indelével é o facto de ser, actualmente, a única casa particular na Europa, e a última também, a possuir um exército privado de highlanders que, não tendo já de combater contra os invasores, se ocupam da lida do palácio, dos jardins às cozinhas. “Felizmente já não é preciso lutar, mas mesmo assim só se entra aqui por convite, afinal é o exército Highlander, há regras, e só nos assumimos enquanto tal em ocasiões especiais, em datas históricas e visitas de membros do Estado”, exalta George Farrow, um orgulhoso “care taker” que por aqui trabalha há mais de uma década.
Highlanders de barba rija, também sabem brincar
“Ser escocês é mais do que parecer, tem de se viver e sentir, e saber sofrer também”. Os Jogos parecem querer comprová-lo, juntando todos esses elementos numa só celebração que resume afinal, o espírito de uma terra e de um povo. O lançamento do tronco, ou o arremesso do massivo martelo de ferro por cima da própria cabeça são exemplos do que se pode encontrar quando se visitam os jogos tradicionais dos highlanders. Praticavam-nos ancestralmente para se exercitarem sem levantar suspeitas, cultivar o corpo, exercitar os reflexos, passar simplesmente por bons momentos de descontracção.
Os Highland Games realizam-se anualmente, durante o Verão, um pouco por todo o país. Numa sociedade onde os clãs ainda assumem um peso na tradição, (geralmente os membros de um clã escocês assumem o mesmo apelido e adoptam o tartan, distintivo padrão em xadrez usado nas meias, saias e capas), ganhar os Jogos não passa hoje em dia de uma luta acesa, mas apenas contra os limites do corpo. “Isto serve mais para nos distrairmos, passarmos bons momentos. O prémio não é grande coisa, dá para a gasolina”, sorri por entre as palavras Peter Whitehead, que veio de Fort William, “para participar pela primeira vez”, explica, enquanto acende um cigarro, depois de esfregar as mãos e retirar as farpas de madeira do tronco de cinco metros e noventa quilos que segundos antes arremessara. “Dizia-se que antigamente, éramos os mais fortes porque praticávamos o lançamento com as nossas mulheres… Acho que não era bem assim! Na verdade, ganha o que conseguir atirar a madeira de maneira a que ela fique alinhada connosco”. Estranha a minha expressão. “Isto não é muito científico, não são os Olímpicos, depende do juiz, de onde ele está, de quantas cervejas bebeu, e da sorte”, prossegue, enquanto vai fumando o seu cigarro e olhando de soslaio a prova dos competidores directos.
Ao fundo, a festa da celebração dos povos highlanders prossegue, com as danças tradicionais, o coro dos miúdos que tocam gaita-de-foles, as recitações gaélicas e as mini-maratonas que juntam novos e graúdos em volta da pista relvada. “No fim de contas, o que interessa mesmo é passarmos um dia juntos, homens e mulheres, como verdadeiros escoceses”.
Será este o mais essencial espírito da gente das montanhas, de Inverness a Pitlochry, de Glasgow a Edimburgo, das costas rochosas do Mar do Norte, aos mais negros e profundos lagos do interior, resume-se, e repete-se, por vezes em palavras, ou gestos simples, sorrisos, olhares, apertos de mão, reflecte-se na paisagem, na brisa suave dos fins de tarde, e parece querer dizer, que o tempo tem aqui um outro valor.
Volta ao Mundo, Setembro de 2009
Caderno de Viágem
Escócia
Como ir...
Meteorologia
Apesar de temperado, o clima na Escócia tende a ser terrivelmente instável, pelo menos para quem não está habituado. Num mesmo dia pode ter de mudar de roupa várias vezes. Convém esperar chuva, mas também calor no Verão, e temperaturas a oscilarem entre os dez e os 25 graus, enquanto que no Inverno, a chuva e neve nas terras altas sob temperaturas negativas, não deixam de fazer com que o sol brilhe também, apesar do frio, quando as nuvens se dissipam, normalmente ao final da tarde.
Fuso horário
GMT + 1 hora
Porta-Moedas
A Libra esterlina é a moeda oficial do Reino Unido desde 1971. Apesar das cunhagens e impressões diferentes para a Inglaterra, Escócia e Irlanda. Dependendo da flutuação do mercado, uma libra equivale a sensivelmente a 1,16€.
Todos os cartões são aceites.
Os preços são na generalidade bastante mais caros que em Portugal.
Como se deslocar
Não existindo uma rede de auto-estradas idêntica à portuguesa, por exemplo, a verdade é que se consegue viajar por todo o país pelas principais estradas nacionais, que se encontram em muito boas condições de preservação e segurança.
A maioria das vias possui ainda pistas para bicicletas, e não é incomum encontrar muitos viajantes a pé o que para os amantes da natureza e do esforço físico (é um país de muitas colinas) é sempre uma boa alternativa.
Onde ficar
De Vere Cameron House
Um hotel que já foi castelo, há séculos atrás. Tem como clientes habituais algumas das mais famosas estrelas do mundo do espectáculo o que não admira, pela magnífica localização dos quartos com vista para o lago, quer pela qualidade e multiplicidade de serviços disponibilizados.
A partir de 140€ em regime de dormida e pequeno-almoço.
Tel.: oo44 0845 375 2808
www.devere-hotels.com/our-hotels/cameron-house/the-hotel
Lovat Arms
Da janela dos quartos avista-se o Loch Ness. Realce também para a cozinha, que oferece a melhor e mais saborosa variedade de pratos que se pode encontrar num raio de largos quilómetros. Se pedir uma cerveja portuguesa, atender-lhe-ão o pedido, complementando com um sorriso.
A partir de 100€ em regime de dormida e pequeno-almoço.
Tel.: 0044 (0) 1456 459250
www.lovatarms-hotel.com
Athol Arms Hotel
Situado em Blair Athol, a “dois passos” quase literais de um dos monumentos mais procurados da região, o Blair Castle, situa-se igualmente a escassos quilómetros da bela vila de Pitlochry à qual se aconselha uma visita, e pode descrever-se como o mais puro e tradicional hotel escocês.
A partir de 80€ em regime de dormida e pequeno-almoço.
Tel.:oo44 01796 481205
www.athollarmshotel.co.uk/
Cuilcheanna House
Situado na margem do Glencoe Lochan, pode ser uma boa solução para quem procura ofertas turísticas orientadas para a natureza, sem no entanto dispensar o conforto e a amabilidade próprias de uma estalagem familiar de quatro estrelas. Ideal para trackers, ciclo-turistas, ou amantes da neve, uma vez que não dista mais do que alguns quilómetros da estância de Ben Nevis, a mais alta montanha do Reino Unido.
Mary e Kirstie, mãe e filha, agradecem a visita e retribuir-lhe-ão com simpatia e disponibilidade para tornar a estadia o mais prazenteira possível.
A partir de 80€ em regime de dormida e pequeno-almoço.
Tel.: 0044 (01855) 821226
www.cuilcheanna.co.uk
´
Express by Holiday Inn
Situado a poucos passos do aeroporto de Glasgow, é um moderno hotel que disponibiliza todos os serviços de que necessita, do serviço de bar às salas de conferência e reunião, dos quartos com ar condicionado, ao parque de estacionamento de fácil acesso.
A partir de 85€ em regime de dormida e pequeno-almoço.
Tel.: 0044 (0) 141 842 1100
www.expressglasgowairport.co.uk
Restaurantes e bares
The Bothy Bar
O típico pub britânico, situado em Fort Augustus. No entanto, em qualquer lugar por onde passe, se não encontrar nenhum outro lugar onde beber uma cerveja, um pub aberto encontra com certeza. Depois, a habitual simpatia de quem por lá passa os serões faz o resto.
The Lochy Bar
Em Fort William encontrará um pub vencedor de prémios, com o Canal da Caledónia a algumas centenas de metros. Para uma bebida breve, ou para uma deliciosa refeição com uma tabela de preços dentro dos valores praticados no país (cerva de 20€, refeição completa), a escolha é sempre acertada, condimentada ainda com uma fantástica vista sobre Ben Nevis.
The Cruin Bar & Restaurant
Se viajar pela paisagem rural da Escócia, a maioria dos restaurantes, estão incluídos em unidades hoteleiras. Não é o caso deste bar-restaurante, um dos melhores da área envolvente ao magnífico Loch Lomond, vista que acompanha (e melhora) a refeição.
Inaugurado em 1998, o The Cruin ganhou reputação pela qualidade de uma ementa típica Highlander, no entanto condimentada de formas e sabores “continentais”, onde os cogumelos grelhados com mozzarela, ou a costeleta de novilho regada com vinho Madeira e mostarda, são obrigatórios, num cardápio onde o preço não ultrapassa os 25€
Cornerstone Restaurant
Em Mallaig, o ideal para repousar durante as duas horas da viagem no Jacobite da West Coast Railways. Com mesas dispostas ao ar livre, embora pela certa seja aconselhável escolher por antecipação uma mesa a coberto das agruras do tempo, a verdade é que a variedade de pratos de marisco (trata-se de uma localidade piscatória) oferecidos são de regalar a vista e o estômago. Cocktail de camarão, lagostins frescos ou gambas panadas são quase obrigatórios, acompanhados de cerveja ou vinho branco, a preços que não ultrapassam os 25€, por pessoa.
Guia de viagem
O guia Escócia da American Express em português, 226 páginas, ajuda-o na descoberta plena de um país que não vai esquecer.
Na Internet
www.reino-unido.net/escocia.htm
www.visitscotland.com
outubro 12, 2009
Pública: Máscaras Improváveis - "Olivier"
Chef, mas muito mais!
A encarnação (em sentido literal) do cozinheiro com dotes de homem de negócios e vice-versa sob a perspectiva do improvável num talho do Bairro Alto.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira
Conceito. O regresso da cozinha imaculada, da pureza dos sabores, das formas geométricas, dos aromas imagéticos que se atravessam na crueza simples dos elementos, pelas mãos de um dos mais conceituados cheffs da cozinha portuguesa. Tudo, composto num cardápio cénico, que se situa num qualquer ponto imaginário entre Sweeney Todd, e Bill de Butcher, personagem de “Os Gangs de Nova York”, interpretada por Daniel Day Lewis. Este contudo, desenrola-se no Bairro Alto, no talho do senhor Alfredo. De comum com a realidade, para além da localização no espaço e no tempo, os traços alucinogénicos, e o espírito demasiado solto, leve, sem rasteiras do entrevistado. E as carnes frias derramadas sobre o balcão de ferro frio, e as facas aguçadas em tom de ameaça. “Estou surpreendido, nunca fiz nada assim tão maluca, mas gosto! E logo eu que nunca matei animal nenhum para além de um ou outro lagostim”.
A estranheza inicial dilui-se, confundindo-se com o passar do tempo na vontade de arriscar, outro dos traços evidenciados no seu trajecto pela vida. “Aprecio as novidades, a inovação sabe? Mesmo na minha área, fui sempre um dos primeiros a trazer coisas novas para o nosso país, como o Petit Gâteau por exemplo, ou agora, com os bifes de Kobe dos quais temos o exclusivo para Portugal, feitos a partir de uma vaca que ouve música clássica o dia todo, é alimentada a cevada, bebe cerveja da melhor qualidade e é massajada constantemente para a carne ficar tenra… Têm tido um sucesso enorme!”.
Auto-retrato. Do cinema aos bifes japoneses, a mistura adensa-se, como refogado das palavras, das imagens captadas ao sabor do flash incessante em busca de mais momentos inesperados. “Sempre fui assim, quero mais, e mais, e diferente, e melhor… O céu é o limite para mim! Tenho o Olivier Avenida, e mais dois restaurantes em Lisboa, uma excelente clientela, estou bem na vida, não me posso queixar, mas não quero parar, até porque ainda não estou, nem de perto, onde quero um dia estar. Gostava que depois de morrer se lembrassem do meu nome, do que deixei cá ficar que me distinga dos outros”.
Mais do que cheff, onde começou, “quase do berço”, porque a dinastia Olivier relacionada com a cozinha, alcança já a segunda geração, o tempo acabou por lhe apresentar as artes da negociação empresarial, e das relações públicas. “A cozinha e essas duas vertentes estão interligadas de facto. Sou um cheff executivo, um restaurateur, um fazedor de restaurantes digamos. Confecciono as listas, componho os pratos, organizo, lido com os clientes, estou com eles… E se quer que lhe diga, nem tenho saudades de estar metido o dia todo na cozinha! Posso com isso não ser o melhor cheff, mas ganhei outras coisas, porque gosto de ser completo, de fazer isto bem, sem sair da minha área que é a restauração, e quero sempre ser o melhor, isso é a base a que me agarro para me atirar para tudo o resto”.
Máscaras improváveis. “As depressões por exemplo, ou aquilo em que me queriam tornar nas fotos, num serial killer se calhar! Isso seriam máscaras verdadeiramente improváveis para mim, até porque mesmo se quisesse não tinha tempo, nem para estar deprimido, ou triste sequer”.
Para homem que cultiva os sabores, exige-se que saiba igualmente colher os prazeres, sejam eles os da carne, ou de outro condimento qualquer… “Sim, claro, a comida é um deles! Depois, os carros, a beleza feminina, tudo coisas que me fazem bem. E trabalhar, claro porque em Portugal, é complicado. Se não temos jogo de cintura caem-nos em cima, com as críticas, com o estarem sempre a dizer mal, isso irrita-me. Acho que o país tem de melhorar nisso”.
Para o que está imediatamente para lá do olhar, a constatação de alguém que é impossível de se servir frio, insosso, ou desapegado de emoções. “Só sei ser assim, sou emocional, posso ter mau feitio quando as coisas não são como quero, mas sou eu, e só tenho uma palavra. Sempre o tentei ser, alguém que diz claramente o que pensa, sem rodeios, e sempre com verdade mesmo que dolorosa. Acho que isso se nota, é o que pretendo, nos meus pratos, nos meus restaurantes, e em mim”.
A encarnação (em sentido literal) do cozinheiro com dotes de homem de negócios e vice-versa sob a perspectiva do improvável num talho do Bairro Alto.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira
Conceito. O regresso da cozinha imaculada, da pureza dos sabores, das formas geométricas, dos aromas imagéticos que se atravessam na crueza simples dos elementos, pelas mãos de um dos mais conceituados cheffs da cozinha portuguesa. Tudo, composto num cardápio cénico, que se situa num qualquer ponto imaginário entre Sweeney Todd, e Bill de Butcher, personagem de “Os Gangs de Nova York”, interpretada por Daniel Day Lewis. Este contudo, desenrola-se no Bairro Alto, no talho do senhor Alfredo. De comum com a realidade, para além da localização no espaço e no tempo, os traços alucinogénicos, e o espírito demasiado solto, leve, sem rasteiras do entrevistado. E as carnes frias derramadas sobre o balcão de ferro frio, e as facas aguçadas em tom de ameaça. “Estou surpreendido, nunca fiz nada assim tão maluca, mas gosto! E logo eu que nunca matei animal nenhum para além de um ou outro lagostim”.
A estranheza inicial dilui-se, confundindo-se com o passar do tempo na vontade de arriscar, outro dos traços evidenciados no seu trajecto pela vida. “Aprecio as novidades, a inovação sabe? Mesmo na minha área, fui sempre um dos primeiros a trazer coisas novas para o nosso país, como o Petit Gâteau por exemplo, ou agora, com os bifes de Kobe dos quais temos o exclusivo para Portugal, feitos a partir de uma vaca que ouve música clássica o dia todo, é alimentada a cevada, bebe cerveja da melhor qualidade e é massajada constantemente para a carne ficar tenra… Têm tido um sucesso enorme!”.
Auto-retrato. Do cinema aos bifes japoneses, a mistura adensa-se, como refogado das palavras, das imagens captadas ao sabor do flash incessante em busca de mais momentos inesperados. “Sempre fui assim, quero mais, e mais, e diferente, e melhor… O céu é o limite para mim! Tenho o Olivier Avenida, e mais dois restaurantes em Lisboa, uma excelente clientela, estou bem na vida, não me posso queixar, mas não quero parar, até porque ainda não estou, nem de perto, onde quero um dia estar. Gostava que depois de morrer se lembrassem do meu nome, do que deixei cá ficar que me distinga dos outros”.
Mais do que cheff, onde começou, “quase do berço”, porque a dinastia Olivier relacionada com a cozinha, alcança já a segunda geração, o tempo acabou por lhe apresentar as artes da negociação empresarial, e das relações públicas. “A cozinha e essas duas vertentes estão interligadas de facto. Sou um cheff executivo, um restaurateur, um fazedor de restaurantes digamos. Confecciono as listas, componho os pratos, organizo, lido com os clientes, estou com eles… E se quer que lhe diga, nem tenho saudades de estar metido o dia todo na cozinha! Posso com isso não ser o melhor cheff, mas ganhei outras coisas, porque gosto de ser completo, de fazer isto bem, sem sair da minha área que é a restauração, e quero sempre ser o melhor, isso é a base a que me agarro para me atirar para tudo o resto”.
Máscaras improváveis. “As depressões por exemplo, ou aquilo em que me queriam tornar nas fotos, num serial killer se calhar! Isso seriam máscaras verdadeiramente improváveis para mim, até porque mesmo se quisesse não tinha tempo, nem para estar deprimido, ou triste sequer”.
Para homem que cultiva os sabores, exige-se que saiba igualmente colher os prazeres, sejam eles os da carne, ou de outro condimento qualquer… “Sim, claro, a comida é um deles! Depois, os carros, a beleza feminina, tudo coisas que me fazem bem. E trabalhar, claro porque em Portugal, é complicado. Se não temos jogo de cintura caem-nos em cima, com as críticas, com o estarem sempre a dizer mal, isso irrita-me. Acho que o país tem de melhorar nisso”.
Para o que está imediatamente para lá do olhar, a constatação de alguém que é impossível de se servir frio, insosso, ou desapegado de emoções. “Só sei ser assim, sou emocional, posso ter mau feitio quando as coisas não são como quero, mas sou eu, e só tenho uma palavra. Sempre o tentei ser, alguém que diz claramente o que pensa, sem rodeios, e sempre com verdade mesmo que dolorosa. Acho que isso se nota, é o que pretendo, nos meus pratos, nos meus restaurantes, e em mim”.
Pública: Máscaras improváveis - "Olga Roriz"
Movimentos perpétuos
Fazedora de expressões, criadora de sensações, sem palavras, instinto apenas, agora e sempre, na mais conceituada coreógrafa portuguesa.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira
Conceito. A ausência de movimento. Aprisionar o corpo, tolher-lhe a liberdade criativa, de viajar, para onde os sentidos ordenam, de se expressar, para além do meramente visível. “Sou uma fabricadora de ambientes, de imagens, de conceitos… Estas sessões acabam por resultar num pouco de loucura, e essa é sempre bem vinda! O conceito de imobilidade deixa espaço à criação, os obstáculos acabam sempre por servir de extensões, é uma regra natural e comprovada e foi o que aconteceu aqui, e foi bom por isso”.
Três cenários preparados, três lugares no tempo, sob um mesmo conceito, condicionado pelas várias expressões que vão brotando, ao sabor das sonatas de violino de Corelli que inundam o espaço da sala de ensaios da Companhia Nacional de Bailado, e que a própria Olga Roriz seleccionou, como suporte dos movimentos, dos traços de personalidade que lhe sobressaem, naturais, do interior da sua arte maior. “Sinto que isto é mais uma performance, que um conjunto de várias poses. A música ajuda, claro, é capaz de por si própria gerar ambientes, criar estados emocionais, ajuda-nos a dialogar connosco próprios, na nossa própria linguagem”.
Em contra-corrente. Sempre, nas duas formas de significado que a expressão pode ter. Depois, em movimento não coreografado, o corpo rebela-se, com raiva e leveza, como dança que acontece sem porquês, torna-se livre, porque é assim que o deve ser. Como a mente. “Fomos da imobilidade, para o total oposto! Não se consegue de facto escapar à natureza das coisas, o que acaba sempre por nos surpreender… Mas a criação é assim mesmo, não é previsível, acontece”.
Auto-retrato. A profissional da dança, a criadora, a bailarina, a coreógrafa. Traços de personalidade que a caracterizam, sem uma linha visível que lhe demarque o horizonte. “Acreditar, ser, estar no palco, criar…São tantas as viagens solitárias que tenho. Encontro-me na coreografia, na dança, em ambas, é um pouco esquizofrénico admito. Mas no entanto, mesmo antes de saber dizer a palavra coreógrafa, quando era ainda muito pequena e a ouvi pela primeira vez da boca da minha mãe, já tinha descoberto o que queria ser. Talvez se encontre aí, a origem de tudo o resto o que me foi acontecendo”.
Limites, outro dos termos que lhe é caro. Voar, planar no ar, sem auscultar a gravidade, para lá das capacidades do corpo. O cenário, os materiais, a luz, o ambiente, é composto com esse objectivo. Depois da libertação, o momento em que flutua naquele espaço breve entre os sentidos e o sonho. “Sempre tive noção dos meus limites sabe?! E disse-o ao longo da vida aos meus bailarinos e a todos os que comigo foram trabalhando, para não os ultrapassarem, mas para trabalharem sobre eles, com eles, porque é aí, que nos diferenciamos, e nos verdadeiramente tornamos únicos”.
Máscaras improváveis. “Com palavras, é complicado! Se pudesse descrever-me em movimentos, fazia assim…”. Constrói uma pose, coreografada num instante entre as várias partes do corpo, como máscara provável de si própria. O seu corpo assume-se, de dentro para fora, os olhos semicerram-se, os braços entrecruzam-se em direcção ao céu, as mãos, os dedos seguem o seu caminho e posicionam-se como se estivessem devidamente ensaiados, transformando-se naquilo que é. “Como lhe dizia, é complicado fazê-lo sem recorrer ao movimento. Tenho várias máscaras, mais ou menos improváveis, ou o contrário disso, que acabam por ser reflexos do que sou intimamente. Terna, querida ou sossegadinha, como mulher, irreconhecível, para quem me conhece bem, até mesmo para mim, em cima do palco”.
A dança prossegue, com mais ou menos palavras, sujeita ao sentimento, ao momento. “Trabalho muito sobre as pessoas, como são, o que são. Não tento contar histórias, mas momentos essenciais, até porque tento fugir àquilo que sou, viajando à tal consciência colectiva, onde tudo e todos nos encontramos. A Dança é isso, libertadora do corpo e da mente, é universal”.
Fazedora de expressões, criadora de sensações, sem palavras, instinto apenas, agora e sempre, na mais conceituada coreógrafa portuguesa.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira
Conceito. A ausência de movimento. Aprisionar o corpo, tolher-lhe a liberdade criativa, de viajar, para onde os sentidos ordenam, de se expressar, para além do meramente visível. “Sou uma fabricadora de ambientes, de imagens, de conceitos… Estas sessões acabam por resultar num pouco de loucura, e essa é sempre bem vinda! O conceito de imobilidade deixa espaço à criação, os obstáculos acabam sempre por servir de extensões, é uma regra natural e comprovada e foi o que aconteceu aqui, e foi bom por isso”.
Três cenários preparados, três lugares no tempo, sob um mesmo conceito, condicionado pelas várias expressões que vão brotando, ao sabor das sonatas de violino de Corelli que inundam o espaço da sala de ensaios da Companhia Nacional de Bailado, e que a própria Olga Roriz seleccionou, como suporte dos movimentos, dos traços de personalidade que lhe sobressaem, naturais, do interior da sua arte maior. “Sinto que isto é mais uma performance, que um conjunto de várias poses. A música ajuda, claro, é capaz de por si própria gerar ambientes, criar estados emocionais, ajuda-nos a dialogar connosco próprios, na nossa própria linguagem”.
Em contra-corrente. Sempre, nas duas formas de significado que a expressão pode ter. Depois, em movimento não coreografado, o corpo rebela-se, com raiva e leveza, como dança que acontece sem porquês, torna-se livre, porque é assim que o deve ser. Como a mente. “Fomos da imobilidade, para o total oposto! Não se consegue de facto escapar à natureza das coisas, o que acaba sempre por nos surpreender… Mas a criação é assim mesmo, não é previsível, acontece”.
Auto-retrato. A profissional da dança, a criadora, a bailarina, a coreógrafa. Traços de personalidade que a caracterizam, sem uma linha visível que lhe demarque o horizonte. “Acreditar, ser, estar no palco, criar…São tantas as viagens solitárias que tenho. Encontro-me na coreografia, na dança, em ambas, é um pouco esquizofrénico admito. Mas no entanto, mesmo antes de saber dizer a palavra coreógrafa, quando era ainda muito pequena e a ouvi pela primeira vez da boca da minha mãe, já tinha descoberto o que queria ser. Talvez se encontre aí, a origem de tudo o resto o que me foi acontecendo”.
Limites, outro dos termos que lhe é caro. Voar, planar no ar, sem auscultar a gravidade, para lá das capacidades do corpo. O cenário, os materiais, a luz, o ambiente, é composto com esse objectivo. Depois da libertação, o momento em que flutua naquele espaço breve entre os sentidos e o sonho. “Sempre tive noção dos meus limites sabe?! E disse-o ao longo da vida aos meus bailarinos e a todos os que comigo foram trabalhando, para não os ultrapassarem, mas para trabalharem sobre eles, com eles, porque é aí, que nos diferenciamos, e nos verdadeiramente tornamos únicos”.
Máscaras improváveis. “Com palavras, é complicado! Se pudesse descrever-me em movimentos, fazia assim…”. Constrói uma pose, coreografada num instante entre as várias partes do corpo, como máscara provável de si própria. O seu corpo assume-se, de dentro para fora, os olhos semicerram-se, os braços entrecruzam-se em direcção ao céu, as mãos, os dedos seguem o seu caminho e posicionam-se como se estivessem devidamente ensaiados, transformando-se naquilo que é. “Como lhe dizia, é complicado fazê-lo sem recorrer ao movimento. Tenho várias máscaras, mais ou menos improváveis, ou o contrário disso, que acabam por ser reflexos do que sou intimamente. Terna, querida ou sossegadinha, como mulher, irreconhecível, para quem me conhece bem, até mesmo para mim, em cima do palco”.
A dança prossegue, com mais ou menos palavras, sujeita ao sentimento, ao momento. “Trabalho muito sobre as pessoas, como são, o que são. Não tento contar histórias, mas momentos essenciais, até porque tento fugir àquilo que sou, viajando à tal consciência colectiva, onde tudo e todos nos encontramos. A Dança é isso, libertadora do corpo e da mente, é universal”.
Pública:Máscaras Improváveis - "Rodrigo Leão"
Clássico e moderno.
Músico com formação clássica, homem discreto, compositor de sensações contraditórias, que o resumem a si próprio, serenas, enfurecidas, calmas e intempestivas.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira
Conceito. A revelação da verdadeira expressão musical, da própria personalidade, serena, plácida, mas ao mesmo tempo intuitiva, plena de emoções bem vivas e vividas, tal como o homem, o músico, e a sua arte. As roupas contemporâneas, justas, arrojadas, e as pinturas na face em tonalidades berrantes, traços fluorescentes de modernismo, contrastantes com a pesada solenidade do ambiente, inundado pelas notas compostas do piano em que se perde durante longos momentos, e que transportam o tempo e a atmosfera, para outro lugar, quando as luzes se apagam, e apenas se ouve o disparar da máquina fotográfica, num cenário quase cinematográfico, como gosta. “A minha música é sempre um tanto ou quanto abstracta, muito cinematográfica sim, é verdade, no sentido em que transmite tranquilidade… Podemos estar a filosofar sobre coisa nenhuma ou sobre tudo, a pensar no dia que passou, em tanta coisa ao mesmo tempo”.
No grande auditório da Escola de Música do Conservatório Nacional, étnico, surge assim como termo cujo verdadeiro significado ou sentido, à primeira vista, não lhe cai de forma estranha. “Não sinto necessidade de definir aquilo que sou, aquilo que faço, nunca pensei dessa forma. Mas nesse sentido, étnico, talvez tenha a ver um pouco com tudo isto, com raízes, com influências profundas, que estão em mim, e que depois passam para a música que faço, através de um processo que não sei explicar, mas que acontece um pouco sem razão aparente, que não seja a necessidade de deitar qualquer coisa de mim, que não é inteiramente minha, cá para fora”.
Auto-retrato. "Tenho um lado muito tranquilo e sereno, em mim, e isso transparece de facto em muitas das músicas que faço. Mas não sou só isso, pelo contrário, sou alguém muito agitado, não sou uma pessoa lá muito calma", admite, enquanto compõe a sua figura, nos traços da voz forte, rouca de fumador que já não o é. No rescaldo do lançamento do seu último disco, “A Mãe”, mais alguns esboços soltos, sobre o seu verdadeiro ´eu`, visto de dentro. “Inquietude, se calhar é algo que me resume em grande parte! Estou sempre insatisfeito, tenho de estar constantemente a programar coisas, a pensar no que vou ou não fazer… Sabes, gosto de pensar, acima de tudo disso. Descobri-o ainda pequeno, quando comecei a aperceber-me que havia todo um mundo para lá da realidade que todos conhecemos enquanto visível, um universo de ideias que ia buscar a filmes, a livros, às artes, que a minha mãe me apresentou e onde me acompanhou nessa descoberta, ao longo do meu crescimento. Lembro-me que os meus amigos me gozavam porque não sabia quem era o primeiro-ministro, isto é verdade! Hoje sei, claro, mas esse tipo de coisas não me despertam muito da atenção”.
Máscaras improváveis. “Todos temos várias ao longo da vida, a de pai, a de filho, a de amigo, mais ou menos prováveis, de acordo com as circunstâncias, com o tempo, com o momento em que estamos… Todas são importantes, e fazem de nós, transportam-nos para aquilo que somos afinal. No dia-a-dia, desenvolvemos todos esses papéis… Eu, por exemplo, levanto-me, levo os filhos à escola, passo pelo Frágil (bar no Bairro alto do qual é um dos proprietários) onde tenho o estúdio ensaiar, vou buscar os miúdos, dou-lhes o lanche, junto-me com amigos, toco, converso, rio…”.
As fotografias tentam captá-lo, em sucessivos disparos. Olhar tranquilo, sorriso fácil, dedos no piano, ou fora dele, mais ou menos moderno, modesto, solene, pensador ou impaciente, silêncios ou pausas apenas, em que se desvela, ou deixa ficar, apenas. A música, a sua, tocada por si, nascida “não se sabe de onde” acompanha toda a sessão. O olhar, permanece agora distante. “Há de facto muita coisa que toda a gente sabe e eu não sei! Mas de facto, nunca liguei muito a essas coisas mais reais, perdi-me sempre muito nos caminhos da imaginação, e é aí que mais gosto de estar”.
Músico com formação clássica, homem discreto, compositor de sensações contraditórias, que o resumem a si próprio, serenas, enfurecidas, calmas e intempestivas.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira
Conceito. A revelação da verdadeira expressão musical, da própria personalidade, serena, plácida, mas ao mesmo tempo intuitiva, plena de emoções bem vivas e vividas, tal como o homem, o músico, e a sua arte. As roupas contemporâneas, justas, arrojadas, e as pinturas na face em tonalidades berrantes, traços fluorescentes de modernismo, contrastantes com a pesada solenidade do ambiente, inundado pelas notas compostas do piano em que se perde durante longos momentos, e que transportam o tempo e a atmosfera, para outro lugar, quando as luzes se apagam, e apenas se ouve o disparar da máquina fotográfica, num cenário quase cinematográfico, como gosta. “A minha música é sempre um tanto ou quanto abstracta, muito cinematográfica sim, é verdade, no sentido em que transmite tranquilidade… Podemos estar a filosofar sobre coisa nenhuma ou sobre tudo, a pensar no dia que passou, em tanta coisa ao mesmo tempo”.
No grande auditório da Escola de Música do Conservatório Nacional, étnico, surge assim como termo cujo verdadeiro significado ou sentido, à primeira vista, não lhe cai de forma estranha. “Não sinto necessidade de definir aquilo que sou, aquilo que faço, nunca pensei dessa forma. Mas nesse sentido, étnico, talvez tenha a ver um pouco com tudo isto, com raízes, com influências profundas, que estão em mim, e que depois passam para a música que faço, através de um processo que não sei explicar, mas que acontece um pouco sem razão aparente, que não seja a necessidade de deitar qualquer coisa de mim, que não é inteiramente minha, cá para fora”.
Auto-retrato. "Tenho um lado muito tranquilo e sereno, em mim, e isso transparece de facto em muitas das músicas que faço. Mas não sou só isso, pelo contrário, sou alguém muito agitado, não sou uma pessoa lá muito calma", admite, enquanto compõe a sua figura, nos traços da voz forte, rouca de fumador que já não o é. No rescaldo do lançamento do seu último disco, “A Mãe”, mais alguns esboços soltos, sobre o seu verdadeiro ´eu`, visto de dentro. “Inquietude, se calhar é algo que me resume em grande parte! Estou sempre insatisfeito, tenho de estar constantemente a programar coisas, a pensar no que vou ou não fazer… Sabes, gosto de pensar, acima de tudo disso. Descobri-o ainda pequeno, quando comecei a aperceber-me que havia todo um mundo para lá da realidade que todos conhecemos enquanto visível, um universo de ideias que ia buscar a filmes, a livros, às artes, que a minha mãe me apresentou e onde me acompanhou nessa descoberta, ao longo do meu crescimento. Lembro-me que os meus amigos me gozavam porque não sabia quem era o primeiro-ministro, isto é verdade! Hoje sei, claro, mas esse tipo de coisas não me despertam muito da atenção”.
Máscaras improváveis. “Todos temos várias ao longo da vida, a de pai, a de filho, a de amigo, mais ou menos prováveis, de acordo com as circunstâncias, com o tempo, com o momento em que estamos… Todas são importantes, e fazem de nós, transportam-nos para aquilo que somos afinal. No dia-a-dia, desenvolvemos todos esses papéis… Eu, por exemplo, levanto-me, levo os filhos à escola, passo pelo Frágil (bar no Bairro alto do qual é um dos proprietários) onde tenho o estúdio ensaiar, vou buscar os miúdos, dou-lhes o lanche, junto-me com amigos, toco, converso, rio…”.
As fotografias tentam captá-lo, em sucessivos disparos. Olhar tranquilo, sorriso fácil, dedos no piano, ou fora dele, mais ou menos moderno, modesto, solene, pensador ou impaciente, silêncios ou pausas apenas, em que se desvela, ou deixa ficar, apenas. A música, a sua, tocada por si, nascida “não se sabe de onde” acompanha toda a sessão. O olhar, permanece agora distante. “Há de facto muita coisa que toda a gente sabe e eu não sei! Mas de facto, nunca liguei muito a essas coisas mais reais, perdi-me sempre muito nos caminhos da imaginação, e é aí que mais gosto de estar”.
Pública:Máscaras Improváveis - "Joana Amaral Dias"
Tatuagens de ordem
O desafio de tatuar pelo corpo alguns dos seus ideais, mesmo que apenas por momentos, estava aceite. “Gosto de desafios, vamos a isso”.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira
Conceito. A composição, através da desconstrução da figura conhecida de todos, para no final, fazer ressurgir, a sua mais natural essência. “Parece mais complicado que o que realmente é”, deixa escapar com um sorriso, enquanto se vão desenhando, primeiro no rosto, depois nos braços, e nos dedos, por sugestão sua, as principais linhas que lhe hão-de fazer sobressair os pensamentos, e o olhar, tornando-o mais profundo, para compensar as ideias, as sensações em movimento, que a imagens não conseguem captar. “Espero que daqui permaneça a possibilidade de passar uma mensagem com substância, porque acredito profundamente na ideia de que esse acto não tem de ser uma coisa chata, monótona, mas pode ser feito de uma forma leve, até porque quando não tenho nada a dizer, prefiro nem aparecer”.
A princípio, as propostas relacionadas com a concepção do cenário, com a maquilhagem, com a escolha das roupas, com o tipo de abordagem ao conceito inicial, parecem-lhe arrojadas para além do que pretendia. “Não, eu não vou vestir isto! Não me parece, humm…”. Os traços da personalidade vincada que assume com frontalidade, não lhe custam a tornar-se evidentes. O tempo atenua-os, transfigura-os. “O tempo tem isso mesmo não é? Quando olho para trás, surpreendo-me com muitas das escolhas que fiz, com a forma como a minha vida foi correndo. É assim que o sinto, que o vejo. Obriga-nos a recriar perspectivas, alterar ideias que pareciam feitas, faz-nos mudar, no fundo”.
Auto-retrato. “Causas, palavras, vida”. Conceitos soltos, que se vão dispersando pelo seu discurso de improvisos feito, como os políticos, mas sem o ser na verdade, nem na forma, ou sequer no conteúdo. “Não me revejo dentro desse protótipo do político convencional, ou pelo menos de como se diz que as pessoas os costumam ver, até porque acredito plenamente que os portugueses não gostam só de futebol e telenovelas. Apesar de pertencer a um partido, penso por mim, de acordo com aquilo que sou, que gosto, que respeito”. Para lá da política, se é que não se tinha já ultrapassado esse ponto, sobre si… “Pareço demasiado segura de mim?! Há quem o possa avaliar melhor, mas tenho grandes conflitos internos, acho que é daí que advêm as convicções, quando conseguimos debater e debater-nos connosco próprios”.
As palavras, tatuadas em tinta não permanente, sem o cunho do infinito, trouxe-as consigo de casa, na imaginação. “Não existe Planeta B”, “Quantas vidas por barril?”, “Acabaram com a economia, acabem com a guerra”, ou “Adam and Even”, como se fossem iguais. O seu corpo como tela de um ideário pessoal. Mensagens que pretende relegar para a posteridade, “como refrão”, como parte de si, da sua história, da sua evolução. “As causas não têm uma hierarquia definida, pelo menos para mim. Talvez a primeira me tenha aparecido ainda na escola, com aqueles fenómenos de bullying, que na altura nem tinham esse nome. Terei adquirido aí essa consciência do que era a exclusão social, apesar de nessa altura ainda se manifestar de forma pouco estruturada em mim. O resto vem depois, a consciência ambiental, a paz, o feminismo, que se olharmos apenas para o mundo ocidental ainda é tão necessário! Quando ainda se fala em mulheres na política, quando isso ainda é questão que se coloca, está tudo dito não é?!”.
Máscaras improváveis. Mais ou menos prováveis em quem se mostra nos caminhos da política, ou não tão bem assim, como parece querer inferir, com um simples, e directo, franzir de sobrolho. “Todos usamos máscaras, é óbvio. Umas mais prováveis ou improváveis do que outras. Quanto aos políticos, não considero errado que as usem, nem eles nem ninguém. A vida política, como outras exigem as máscaras habituais de quem convive em sociedade, o que não me parece aceitável é que se confunda isso com artificialidade, ou com aquela forma robotizada, construída com o objectivo de dissimular comportamentos, e enganar as pessoas, até porque não acho que os políticos tenham de se constituir enquanto exemplos para as ninguém, ou servirem de modelos de virtudes”. Mais palavras, sobre si, para si. “Sei que falam de mim, como de todas as figuras públicas, que hoje em dia são as pessoas na política. Todas as pessoas que querem ter uma vida pública, ou que por qualquer razão acabam por a ter de viver, têm de estar preparadas para a noção de se ir falar sobre elas. Bem, ou mal, há que se ter essa preparação. Por vezes, o que se escreve sobre nós, só revela melhor, a personalidade de quem o faz”.
Última fotografia. “Já está”. Depois, começam a apagar-se as palavras em algodão humedecido, que não engana a tinta, enquanto se esvai, deixando apenas o sentido para a posteridade.
Pública: Máscaras Improváveis - "Rita Lello"
Ideologia, e cenários com sentidos
Actriz, mãe, filha, pessoa ainda e sempre “incompleta”, mas que pretende um pouco mais da existência. O movimento Punk como tema mais do que apenas estético, as máscaras que transfiguram o significado da vida, um auto-retrato que surpreende pelas cores vivas, as palavras, de tonalidade forte e personalidade vincada.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira
Conceito. O movimento Punk, o puro, o libertador, o verdadeiro, do inicio dos anos setenta, dos Clash aos Sex Pistols ou aos Ramones. “Sempre foi importante para mim, pela ideologia, pela força das ideias, pelo desapego ao material, pela dinamitação das estruturas corrompidas, para construir de novo… Toda essa liberdade me diz tanto”.
Escolhido o cenário, um palácio em ruína, no bairro da Bela Vista, na Bobadela, nos arredores de Lisboa, compõe-se as máscaras que serão vestidas na sessão, acertam-se os detalhes, afinam-se os músculos das expressões. “Nunca tinha feito nada deste género… Se gostei?! Adorei!”.
Nos escombros abandonados do desenvolvimento urbano que fica na vista até do horizonte em forma de betão, alguns momentos de renascimento de uma forma de civilização que é tudo, menos popular. “Para mim, ser punk não tem nada a ver com parecer mas com anarquia, com esse conceito de suprema organização! A revolução, a guerrilha urbana, o querer construir um mundo melhor e caminhar para a igualdade e concretização de sonhos que são pouco menos que utópicos, mas que merecem pelo menos uma luta… Para quem não sabe o que é isto tudo, pensa que os punks são só a roupa, mas são muito mais do que isso, é uma corrente cultural que vai muito para lá da imagem, tem a ver com um código ideológico, um estado de espírito, não com símbolos estéreis”.
Auto-retrato. “Este tipo de valores de que te falo, e apesar de olhares para mim, e não dares por isso até porque não ando aqui toda cortada e cheia de correntes, são os valores pelos quais eu me rejo, sou anti- institucional, tenho alergia a isso, sou rebelde, sou um pouco radical, não muito, sou obstinada… Com o tempo, com a idade aprendemos é a definir o nosso campo de acção, a perceber onde é a nossa casa, onde é a casa dos outros, onde devemos intervir, quando não o devemos fazer, mas sempre com verdade, autenticidade, e com vontade de reconstruir tudo de novo se não estiver de acordo com o que imaginámos, para que isto se torne um sitio melhor”.
Máscaras. O olhar azul profundo permanece distante, viaja, divaga sem sair do lugar, ou perder o fito na palavra, na imagem que se segue. “Nós somos o produto do meio, dos nossos pais, de tantas coisas, mas também de nós próprios. À medida que vamos decidindo, escolhendo, podemos optar por nos construir não só ao sabor da impulsividade, de ir julgando o bom, o mau, o que devemos explorar, trabalhar, evoluir… Isto é a construção da tua máscara social, acho que é assim que ela deve funcionar, de dentro para fora. Depois, há as outras, as cascas de cebola, as carapaças impenetráveis que as pessoas vão construindo para se defender de uma sociedade hostil, que não dignifica, que não ajuda a ajudá-la a tornar-se melhor e esta parece-me ser a máscara que a maior parte das pessoas é obrigada a usar, que vai de fora para dentro, que contamina e assassina o que de bom se tem lá dentro, uma armadura que te afasta da vida”.
Perto dos quarenta anos, Rita Lello aventura-se agora pela encenação da Bicicleta de Faulkner, em que uma das actrizes é precisamente Maria do Céu Guerra, sua mãe. “Ela é um actriz maravilhosa… Cresci com a minha avó, e quase sempre a vi enquanto actriz, habituei-me a vê-la assim, e por isso não é difícil esquecer-me que é minha mãe quando a vejo trabalhar. Somos iguais, em algumas coisas, apesar de sermos actrizes diferentes. Há uma intimidade que se for trabalhada pode ser benéfica para o trabalho… Nunca terei alguém a trabalhar comigo de quem goste tanto”.
Mulher de papéis diversos, no teatro, na televisão, na vida, preenche os espaços em branco que distam entre as frases, os silêncios, com pensamentos, ideias, que vai deixando em cada traço de raciocínio, mesmo quando o tema, ronda a si própria. “Gosto de experimentar tudo, de fazer isto, aquilo… Eu e as coisas que assino são o meu manifesto, não faço propriamente parte da cultura alternativa portuguesa, nem quero! Encontro coisas interessantes numa personagem como a que fiz em Vila Faia, e também nas várias peças que já fiz no Teatro. Acho que um actor, que é isso que sou, não tem de ter uma estética, tem de ser livre, estar livre nas ideias”
Um último fôlego… “O que eu quero mesmo é sentir-me útil e ir-me divertindo… Não sei se é pouco, mas acho que não! A sensação de vazio e inutilidade é o pior que nos pode acontecer, sentir que nada do que se fez permitiu que alguma coisa se alterasse. Isto vale para as grandes, como para as pequenas coisas do dia-a-dia e pode alterar tudo, a qualquer momento, revolucionar o sentido das coisas”.
Frases soltas:
“Quando tinha quinze anos houve alguém que me perguntou qual era o meu projecto de vida… Fiquei aterrada, e pensei…´Mas é obrigatório ter um?!`”.
Actriz, mãe, filha, pessoa ainda e sempre “incompleta”, mas que pretende um pouco mais da existência. O movimento Punk como tema mais do que apenas estético, as máscaras que transfiguram o significado da vida, um auto-retrato que surpreende pelas cores vivas, as palavras, de tonalidade forte e personalidade vincada.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira
Conceito. O movimento Punk, o puro, o libertador, o verdadeiro, do inicio dos anos setenta, dos Clash aos Sex Pistols ou aos Ramones. “Sempre foi importante para mim, pela ideologia, pela força das ideias, pelo desapego ao material, pela dinamitação das estruturas corrompidas, para construir de novo… Toda essa liberdade me diz tanto”.
Escolhido o cenário, um palácio em ruína, no bairro da Bela Vista, na Bobadela, nos arredores de Lisboa, compõe-se as máscaras que serão vestidas na sessão, acertam-se os detalhes, afinam-se os músculos das expressões. “Nunca tinha feito nada deste género… Se gostei?! Adorei!”.
Nos escombros abandonados do desenvolvimento urbano que fica na vista até do horizonte em forma de betão, alguns momentos de renascimento de uma forma de civilização que é tudo, menos popular. “Para mim, ser punk não tem nada a ver com parecer mas com anarquia, com esse conceito de suprema organização! A revolução, a guerrilha urbana, o querer construir um mundo melhor e caminhar para a igualdade e concretização de sonhos que são pouco menos que utópicos, mas que merecem pelo menos uma luta… Para quem não sabe o que é isto tudo, pensa que os punks são só a roupa, mas são muito mais do que isso, é uma corrente cultural que vai muito para lá da imagem, tem a ver com um código ideológico, um estado de espírito, não com símbolos estéreis”.
Auto-retrato. “Este tipo de valores de que te falo, e apesar de olhares para mim, e não dares por isso até porque não ando aqui toda cortada e cheia de correntes, são os valores pelos quais eu me rejo, sou anti- institucional, tenho alergia a isso, sou rebelde, sou um pouco radical, não muito, sou obstinada… Com o tempo, com a idade aprendemos é a definir o nosso campo de acção, a perceber onde é a nossa casa, onde é a casa dos outros, onde devemos intervir, quando não o devemos fazer, mas sempre com verdade, autenticidade, e com vontade de reconstruir tudo de novo se não estiver de acordo com o que imaginámos, para que isto se torne um sitio melhor”.
Máscaras. O olhar azul profundo permanece distante, viaja, divaga sem sair do lugar, ou perder o fito na palavra, na imagem que se segue. “Nós somos o produto do meio, dos nossos pais, de tantas coisas, mas também de nós próprios. À medida que vamos decidindo, escolhendo, podemos optar por nos construir não só ao sabor da impulsividade, de ir julgando o bom, o mau, o que devemos explorar, trabalhar, evoluir… Isto é a construção da tua máscara social, acho que é assim que ela deve funcionar, de dentro para fora. Depois, há as outras, as cascas de cebola, as carapaças impenetráveis que as pessoas vão construindo para se defender de uma sociedade hostil, que não dignifica, que não ajuda a ajudá-la a tornar-se melhor e esta parece-me ser a máscara que a maior parte das pessoas é obrigada a usar, que vai de fora para dentro, que contamina e assassina o que de bom se tem lá dentro, uma armadura que te afasta da vida”.
Perto dos quarenta anos, Rita Lello aventura-se agora pela encenação da Bicicleta de Faulkner, em que uma das actrizes é precisamente Maria do Céu Guerra, sua mãe. “Ela é um actriz maravilhosa… Cresci com a minha avó, e quase sempre a vi enquanto actriz, habituei-me a vê-la assim, e por isso não é difícil esquecer-me que é minha mãe quando a vejo trabalhar. Somos iguais, em algumas coisas, apesar de sermos actrizes diferentes. Há uma intimidade que se for trabalhada pode ser benéfica para o trabalho… Nunca terei alguém a trabalhar comigo de quem goste tanto”.
Mulher de papéis diversos, no teatro, na televisão, na vida, preenche os espaços em branco que distam entre as frases, os silêncios, com pensamentos, ideias, que vai deixando em cada traço de raciocínio, mesmo quando o tema, ronda a si própria. “Gosto de experimentar tudo, de fazer isto, aquilo… Eu e as coisas que assino são o meu manifesto, não faço propriamente parte da cultura alternativa portuguesa, nem quero! Encontro coisas interessantes numa personagem como a que fiz em Vila Faia, e também nas várias peças que já fiz no Teatro. Acho que um actor, que é isso que sou, não tem de ter uma estética, tem de ser livre, estar livre nas ideias”
Um último fôlego… “O que eu quero mesmo é sentir-me útil e ir-me divertindo… Não sei se é pouco, mas acho que não! A sensação de vazio e inutilidade é o pior que nos pode acontecer, sentir que nada do que se fez permitiu que alguma coisa se alterasse. Isto vale para as grandes, como para as pequenas coisas do dia-a-dia e pode alterar tudo, a qualquer momento, revolucionar o sentido das coisas”.
Frases soltas:
“Quando tinha quinze anos houve alguém que me perguntou qual era o meu projecto de vida… Fiquei aterrada, e pensei…´Mas é obrigatório ter um?!`”.
Pública: Máscaras Improváveis - "Marta Crawford"
Ser ou não ser, sem tabus.
“A doutora do sexo”. Chamam-lhe assim quando a reconhecem da televisão. Sorri. “Era esse o objectivo, chegar a todas as pessoas, ajudá-las a lidar com a mais essencial de todas as coisas”. O sexo afinal, fruto proibido, secular alvo de preconceito, bom, como todas as coisas simples.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben Moreira
São breves os momentos que distam, entre um sorriso franco, um cumprimento apertado e uma pose sentida, e sem que a palavra prazer surja nas entrelinhas mais visíveis do seu discurso. Palavra proibida, sensação reprimida, durante tempo demais, que já não o é no entanto, “ou não deveria ser”, interrompe. Marta Crawford é assim mesmo, despudorada nos actos, directa nas intenções. “Todos temos tabus, somos filhos de alguém que nos incutiu valores e ideias. Mas à medida que vamos amadurecendo devemos descomplicar, e assumirmo-nos perante nós próprios… Quanto mais informação se tiver disponível, mais facilmente se percebe que algumas dessas coisas que nos passaram estão erradas. Longe vão os tempos em que uma mulher só tinha o objectivo de engravidar!”.
Logo assim, num flash, várias convenções sociais deitadas por terra, e outras tantas a bambolearem, como corpos agitados ao vento.
Da licenciatura em Psicologia Clínica pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada à especialização em Sexologia Clínica pela Lusófona, o trajecto esperado, passou às consultas de sexologia e terapia familiar no seu consultório de Lisboa, para então, num dia como outro qualquer, lhe surgir o convite que não aguardava. As primeiras aparições televisivas marcaram a diferença, pelo tema, pelo tipo de abordagem, por ser quem é. “Um salto inimaginável”, para quem no início da vida profissional, “não sabia ainda” bem onde se enquadrar nem o que fazer do destino. “A televisão é uma forma fantástica de chegar a um número enorme de pessoas, que de outra forma nunca conseguiríamos tocar, fascina-me essa parte, de poder ajudar a melhorar as suas vidas, e há vários casos em que isso já aconteceu, o que dá um sentido muito especial a tudo isto, e me enche de orgulho e de vontade de continuar. Ser mulher nesta profissão? Há aí muitos preconceitos em relação aos sexólogos, acham que são todos homens, pouco atraentes, assexuados… Não tem nada a ver com a realidade! Quando estou em consulta sou terapeuta, e vêm-me como tal!”.
Preconceito. Outro conceito, que não demora a entrar, e reentrar na conversa. Terão os homens têm medo das mulheres activas, e as mulheres pavor aos homens passivos? “Por um lado querem mulheres passivas, para poderem ser dominadores, predadores…“. Marco Paulo, o cantor, o profetizou um dia, com a frase que ficaria para a história dos sentidos… “Uma lady na mesa, uma louca na cama…”, o contraste que, transportado para masculino e feminino, todos, de ambos os lados da luta dos sexos, procuram como quimera. Sorri, de gargalhada despudorada. “Sim, é um eterno paradoxo. Uma mulher independente, pode ser assustadora para a maioria dos homens, que têm medo dessa liberdade. Têm medo das muito activas, mas preferem-nas sexualmente por isso mesmo. Acho que eles não sabem é o que querem! Mas ao contrário também é assim, repare, nenhuma mulher pode ser feliz com um homem demasiado atencioso e querido e que não seja mais do que isso. O essencial é existir um equilíbrio, mas não é fácil!”.
Máscaras. O tema serve-lhe a rotina diária, alimenta coisas boas, más, amores, desamores, e indiferenças. O arrojo visual das propostas, das roupas, dos planos fotográficos, até a metáfora visual da garrafa de leite com que posa, esvaziada lascivamente de encontro a um chão de terra árida, servem-lhe alguns dos traços do perfil. “Eu gosto de máscaras, ajudam por vezes, outras não”, descreve, tímida, mas ao mesmo tempo, segura, na assumpção que perpassa de si, para fora. “O que falta às pessoas para serem felizes? Tanta coisa… Sabe que o problema que mais pacientes me colocam é a falta de desejo sexual feminino, o que tem a ver um pouco com as rotinas desta nova sociedade que nos comprime a todos, e nos enche a cabeça com tanta coisa, que no fundo, acabamos por deixar para último os aspectos mais essenciais e básicos do nosso funcionamento enquanto pessoas. Começa tudo aí, e é aí que, no fundo, tudo termina”.
Frases Soltas:
“Quando se gosta, fala-se de amor, quando se retira o lado afectivo, põe-se a tónica no acto, no lado carnal, e faz-se sexo. Ambos são bons, mas o lado romântico da questão é essencial e se não fosse assim, não havia tanta gente a sentir-se ´desamada` por esse mundo fora”.
“Não generalizando, o homem resolve muitos problemas através do sexo, enquanto a mulher o faz exactamente ao contrário”.
“A doutora do sexo”. Chamam-lhe assim quando a reconhecem da televisão. Sorri. “Era esse o objectivo, chegar a todas as pessoas, ajudá-las a lidar com a mais essencial de todas as coisas”. O sexo afinal, fruto proibido, secular alvo de preconceito, bom, como todas as coisas simples.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben Moreira
São breves os momentos que distam, entre um sorriso franco, um cumprimento apertado e uma pose sentida, e sem que a palavra prazer surja nas entrelinhas mais visíveis do seu discurso. Palavra proibida, sensação reprimida, durante tempo demais, que já não o é no entanto, “ou não deveria ser”, interrompe. Marta Crawford é assim mesmo, despudorada nos actos, directa nas intenções. “Todos temos tabus, somos filhos de alguém que nos incutiu valores e ideias. Mas à medida que vamos amadurecendo devemos descomplicar, e assumirmo-nos perante nós próprios… Quanto mais informação se tiver disponível, mais facilmente se percebe que algumas dessas coisas que nos passaram estão erradas. Longe vão os tempos em que uma mulher só tinha o objectivo de engravidar!”.
Logo assim, num flash, várias convenções sociais deitadas por terra, e outras tantas a bambolearem, como corpos agitados ao vento.
Da licenciatura em Psicologia Clínica pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada à especialização em Sexologia Clínica pela Lusófona, o trajecto esperado, passou às consultas de sexologia e terapia familiar no seu consultório de Lisboa, para então, num dia como outro qualquer, lhe surgir o convite que não aguardava. As primeiras aparições televisivas marcaram a diferença, pelo tema, pelo tipo de abordagem, por ser quem é. “Um salto inimaginável”, para quem no início da vida profissional, “não sabia ainda” bem onde se enquadrar nem o que fazer do destino. “A televisão é uma forma fantástica de chegar a um número enorme de pessoas, que de outra forma nunca conseguiríamos tocar, fascina-me essa parte, de poder ajudar a melhorar as suas vidas, e há vários casos em que isso já aconteceu, o que dá um sentido muito especial a tudo isto, e me enche de orgulho e de vontade de continuar. Ser mulher nesta profissão? Há aí muitos preconceitos em relação aos sexólogos, acham que são todos homens, pouco atraentes, assexuados… Não tem nada a ver com a realidade! Quando estou em consulta sou terapeuta, e vêm-me como tal!”.
Preconceito. Outro conceito, que não demora a entrar, e reentrar na conversa. Terão os homens têm medo das mulheres activas, e as mulheres pavor aos homens passivos? “Por um lado querem mulheres passivas, para poderem ser dominadores, predadores…“. Marco Paulo, o cantor, o profetizou um dia, com a frase que ficaria para a história dos sentidos… “Uma lady na mesa, uma louca na cama…”, o contraste que, transportado para masculino e feminino, todos, de ambos os lados da luta dos sexos, procuram como quimera. Sorri, de gargalhada despudorada. “Sim, é um eterno paradoxo. Uma mulher independente, pode ser assustadora para a maioria dos homens, que têm medo dessa liberdade. Têm medo das muito activas, mas preferem-nas sexualmente por isso mesmo. Acho que eles não sabem é o que querem! Mas ao contrário também é assim, repare, nenhuma mulher pode ser feliz com um homem demasiado atencioso e querido e que não seja mais do que isso. O essencial é existir um equilíbrio, mas não é fácil!”.
Máscaras. O tema serve-lhe a rotina diária, alimenta coisas boas, más, amores, desamores, e indiferenças. O arrojo visual das propostas, das roupas, dos planos fotográficos, até a metáfora visual da garrafa de leite com que posa, esvaziada lascivamente de encontro a um chão de terra árida, servem-lhe alguns dos traços do perfil. “Eu gosto de máscaras, ajudam por vezes, outras não”, descreve, tímida, mas ao mesmo tempo, segura, na assumpção que perpassa de si, para fora. “O que falta às pessoas para serem felizes? Tanta coisa… Sabe que o problema que mais pacientes me colocam é a falta de desejo sexual feminino, o que tem a ver um pouco com as rotinas desta nova sociedade que nos comprime a todos, e nos enche a cabeça com tanta coisa, que no fundo, acabamos por deixar para último os aspectos mais essenciais e básicos do nosso funcionamento enquanto pessoas. Começa tudo aí, e é aí que, no fundo, tudo termina”.
Frases Soltas:
“Quando se gosta, fala-se de amor, quando se retira o lado afectivo, põe-se a tónica no acto, no lado carnal, e faz-se sexo. Ambos são bons, mas o lado romântico da questão é essencial e se não fosse assim, não havia tanta gente a sentir-se ´desamada` por esse mundo fora”.
“Não generalizando, o homem resolve muitos problemas através do sexo, enquanto a mulher o faz exactamente ao contrário”.
Pública: Máscaras Improváveis - "Simone"
Rugas de chorar, de sorrir e de sentir
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben Moreira
“Eu já vivi muito, já sofri demais, passei por dois cancros, perdi pessoas que me eram queridas, fiquei sem voz quando estava no auge, quantas vezes caí para me voltar a levantar… Mas não tenho medo de dizer que sou feliz, e espero sempre que amanheça outra vez para poder abraçar um novo dia”. No mais fiel dos auto-retratos, Simone de Oliveira é tudo aquilo que parece ser. Feita de tudo e de nada, mistura de extremos, mulher de garra em pulso forte, frágil também, admite-o, espirituosa, agitadora, sábia, sem medo da vida, “quanto menos da morte!”, arremessa numa afronta sem rodeios.
Quando lhe apresentamos o cenário onde a iremos fotografar, sorri. Afinal, e à primeira vista, graffitis, arte urbana e Simone de Oliveira, parecem não ter nada em comum.
A ilustração da sua personalidade através de toda a composição, palavra, fotografia, cenário, criando um conceito de imagem e de conversa próprio e diferente, para cada figura, ou figuras, escolhidas serve de mote. Naquele seu sorriso, Simone percebe a ideia num imediato, mal a porta se entreabre e a luz invade todo o espaço da Galeria de Arte Urbana, no Bairro Alto. “Esta malta nova tem muito potencial, acredito e revejo-me neles, muito mais do que em muitos dos da minha geração que estão velhos, e pior, sempre foram velhos. Sinto-me bem neste espaço, é jovem, irreverente, criativo, diferente… Gosto”.
A ideia inicial estava conseguida. A desordem criativa, a desobediência às regras, a fuga aos padrões, a revolução, a Desfolhada afinal, não têm tempo nem lugar. “Talvez esse lugar de que fala aconteça, ou deva acontecer dentro de cada um de nós”, explica.
“Eu, sempre fui assim, várias pessoas me disseram ao longo dos anos que devia ter nascido cinquenta anos depois. Já passaram esses cinquenta anos, e continuam a dizer-me o mesmo! Mas a bem dizer não consigo explicar bem isso, porque vêm as gerações mais novas ter comigo na rua, porque me elogiam, porque me falam tanto da minha força, da minha forma de encarar a vida, porque simplesmente só assim é que é possível para mim existir enquanto pessoa, só assim é que encontro a razão para que tudo isto valha de facto a pena”.
As roupas modernas, a maquilhagem arrojada que não pretende ocultar as rugas de que se “orgulha” de não esconder, as paredes ilustradas com o futuro que se fundem com o olhar que compõe para a objectiva. “Nunca me tinham fotografado num local destes, com este tipo de roupas e pinturas… Quando me virem vão dizer que estou maluca, está-se mesmo a ver, mas gosto destes desafios e que pensem o que quiserem!”. Carácter e atitude contemporâneos, depois de soltar uma estridente gargalhada. “Sou deste e de todos os tempos, mas gostava de certas coisas do antigamente, o valor de um olhar, por exemplo. E faz falta dizer obrigado, por favor, amo-te… Vejo que isso se perdeu um bocado com o andar dos anos, e tenho pena, mas não troco o dia de hoje, por nenhum outro, isso nunca”.
Naquela sua voz grave, rouca, forte, solta gargalhadas sonoras enquanto partilha as imagens da sua vida, que serviriam para ilustrar milhares de fotos e de palavras, histórias vividas que chegariam para preencher inúmeras “arcas de memórias e saudades”, como gosta de dizer. Da infância na escola aos restaurantes que geriu em Lisboa, dos Festivais da canção à guerra na Guiné para onde foi enviada, com outros artistas da época, para animar o moral das tropas, da gravidez precoce à viuvez prematura, de filha, a avó, da música ao teatro de revista, da rádio, onde a descobriram e se descobriu para a música, à televisão, por onde continua a descobrir-se. “Tenho em mim um lado esotérico muito forte, sabe?! Acho que tudo o que me aconteceu tinha mesmo de ser assim. A música por exemplo, não havia qualquer ligação à música na família, nem nada que se parecesse, mas eu por aqui vim sem que nada o indiciasse. E nesta sequência enorme de acasos que foi toda a minha vida, aconteceram coisas terríveis e maravilhosas, mas que encarei sempre de frente com a ideia de querer viver por inteiro, o bom, e o mau, porque um sem o outro não fazem sentido”.
“You live and learn buddy”. As letras estão colocadas num dos holofotes que iluminam as gravuras nas paredes. Um acaso proporcionado pelo cenário, como gosta então. “Bela frase esta, mas contínuo a dizer, que quem faz um filho, fá-lo por gosto!”.
Frases Soltas:
“Não sou patrioteira, mas tenho pátria, tenho língua! Acho o novo acordo ortográfico uma vergonha, e vou continuar a falar como sempre falei!”
António Lobo Antunes. “Até há pouco tempo não o conhecia pessoalmente sabe?! Tenho as crónicas todas dele… Meu Deus, que coisa vinda lá do fundo! Tenho gravíssimos problemas da alma, da solidão, talvez seja aí o lugar onde nos encontrámos mais vezes, sem nunca realmente termos sequer sido apresentados!”
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben Moreira
“Eu já vivi muito, já sofri demais, passei por dois cancros, perdi pessoas que me eram queridas, fiquei sem voz quando estava no auge, quantas vezes caí para me voltar a levantar… Mas não tenho medo de dizer que sou feliz, e espero sempre que amanheça outra vez para poder abraçar um novo dia”. No mais fiel dos auto-retratos, Simone de Oliveira é tudo aquilo que parece ser. Feita de tudo e de nada, mistura de extremos, mulher de garra em pulso forte, frágil também, admite-o, espirituosa, agitadora, sábia, sem medo da vida, “quanto menos da morte!”, arremessa numa afronta sem rodeios.
Quando lhe apresentamos o cenário onde a iremos fotografar, sorri. Afinal, e à primeira vista, graffitis, arte urbana e Simone de Oliveira, parecem não ter nada em comum.
A ilustração da sua personalidade através de toda a composição, palavra, fotografia, cenário, criando um conceito de imagem e de conversa próprio e diferente, para cada figura, ou figuras, escolhidas serve de mote. Naquele seu sorriso, Simone percebe a ideia num imediato, mal a porta se entreabre e a luz invade todo o espaço da Galeria de Arte Urbana, no Bairro Alto. “Esta malta nova tem muito potencial, acredito e revejo-me neles, muito mais do que em muitos dos da minha geração que estão velhos, e pior, sempre foram velhos. Sinto-me bem neste espaço, é jovem, irreverente, criativo, diferente… Gosto”.
A ideia inicial estava conseguida. A desordem criativa, a desobediência às regras, a fuga aos padrões, a revolução, a Desfolhada afinal, não têm tempo nem lugar. “Talvez esse lugar de que fala aconteça, ou deva acontecer dentro de cada um de nós”, explica.
“Eu, sempre fui assim, várias pessoas me disseram ao longo dos anos que devia ter nascido cinquenta anos depois. Já passaram esses cinquenta anos, e continuam a dizer-me o mesmo! Mas a bem dizer não consigo explicar bem isso, porque vêm as gerações mais novas ter comigo na rua, porque me elogiam, porque me falam tanto da minha força, da minha forma de encarar a vida, porque simplesmente só assim é que é possível para mim existir enquanto pessoa, só assim é que encontro a razão para que tudo isto valha de facto a pena”.
As roupas modernas, a maquilhagem arrojada que não pretende ocultar as rugas de que se “orgulha” de não esconder, as paredes ilustradas com o futuro que se fundem com o olhar que compõe para a objectiva. “Nunca me tinham fotografado num local destes, com este tipo de roupas e pinturas… Quando me virem vão dizer que estou maluca, está-se mesmo a ver, mas gosto destes desafios e que pensem o que quiserem!”. Carácter e atitude contemporâneos, depois de soltar uma estridente gargalhada. “Sou deste e de todos os tempos, mas gostava de certas coisas do antigamente, o valor de um olhar, por exemplo. E faz falta dizer obrigado, por favor, amo-te… Vejo que isso se perdeu um bocado com o andar dos anos, e tenho pena, mas não troco o dia de hoje, por nenhum outro, isso nunca”.
Naquela sua voz grave, rouca, forte, solta gargalhadas sonoras enquanto partilha as imagens da sua vida, que serviriam para ilustrar milhares de fotos e de palavras, histórias vividas que chegariam para preencher inúmeras “arcas de memórias e saudades”, como gosta de dizer. Da infância na escola aos restaurantes que geriu em Lisboa, dos Festivais da canção à guerra na Guiné para onde foi enviada, com outros artistas da época, para animar o moral das tropas, da gravidez precoce à viuvez prematura, de filha, a avó, da música ao teatro de revista, da rádio, onde a descobriram e se descobriu para a música, à televisão, por onde continua a descobrir-se. “Tenho em mim um lado esotérico muito forte, sabe?! Acho que tudo o que me aconteceu tinha mesmo de ser assim. A música por exemplo, não havia qualquer ligação à música na família, nem nada que se parecesse, mas eu por aqui vim sem que nada o indiciasse. E nesta sequência enorme de acasos que foi toda a minha vida, aconteceram coisas terríveis e maravilhosas, mas que encarei sempre de frente com a ideia de querer viver por inteiro, o bom, e o mau, porque um sem o outro não fazem sentido”.
“You live and learn buddy”. As letras estão colocadas num dos holofotes que iluminam as gravuras nas paredes. Um acaso proporcionado pelo cenário, como gosta então. “Bela frase esta, mas contínuo a dizer, que quem faz um filho, fá-lo por gosto!”.
Frases Soltas:
“Não sou patrioteira, mas tenho pátria, tenho língua! Acho o novo acordo ortográfico uma vergonha, e vou continuar a falar como sempre falei!”
António Lobo Antunes. “Até há pouco tempo não o conhecia pessoalmente sabe?! Tenho as crónicas todas dele… Meu Deus, que coisa vinda lá do fundo! Tenho gravíssimos problemas da alma, da solidão, talvez seja aí o lugar onde nos encontrámos mais vezes, sem nunca realmente termos sequer sido apresentados!”
Notícias Sábado: Sofia Carvalho
“Ainda vivemos numa sociedade machista”
Seis anos depois de ter assumido a direcção da SIC Mulher, Sofia Carvalho recuperou um espaço televisivo, o seu, criou um outro, para as mulheres, “mas não só, porque quase metade da audiência são homens”. A preto e branco, apenas o traçado desenhado no olhar que prossegue e acompanha palavra seguras por um trajecto feito de escolhas, um presente construído com “trabalho árduo e paciência”, e um futuro decorado em tons rosa, como a cor que predomina no seu tal canal.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Seis anos de SIC Mulher com a Sofia como directora e apresentadora do Querido Mudei a casa, a produção nacional com maior audiência do canal temático Como explica o sucesso do programa?
Pela qualidade, pela coesão da equipa, e pelo próprio formado que é sempre interessante para os espectadores.
Já agora, e por curiosidade, porque se concentram normalmente em apenas uma das divisões da casa?
Ao contrário da Oprah, por exemplo, que tem uma equipa de centenas de pessoas na produção e meios incomparáveis aos nossos, nós não temos isso, só conseguimos transformar uma divisão. Mas nesta décima série arrojámos um pouco, e se no início o objectivo era o de transformar apenas uma divisão de uma casa, com o decorrer do tempo fomos aumentando horizontes e de vez em quando vamos de facto modificar uma casa inteira.
É verdade que recebem milhares de candidaturas para participarem no programa?
É, de facto. Desde que o programa se iniciou, que sempre recebemos muitos, mas mesmo muitos pedidos, desde escolas a instituições de auxílio social, passando por empresas, bem, de tudo um pouco. No entanto, o objectivo não era esse, mas sim focarmo-nos em pessoas, e em histórias de pessoas e das suas casas. O que pensámos, é que em cada início de série fazemos um projecto especial, tanto que já passámos a Ajuda de Mãe, a Ajuda de Berço, um liceu, um jardim infantil e nesta décima série apareceu uma carta de uma senhora a precisar de uma grande ajuda e estamos a transformar a casa toda.
Existe então uma preocupação social…
Há de facto essa preocupação, sim, e cada vez mais porque estamos a fazer uma transformação na própria vida das pessoas.
E já sabe tudo sobre bricolage, já arranja e conserta tudo lá em casa?
(Sorri) Depois de quatro anos e cento e vinte programas, mal de mim, se não soubesse! Tenho até imenso jeito para fazer montagem de móveis!
Mesmo aqueles que trazem livro de instruções, ou é mais por intuição…
Gosto de fazer tudo bem à primeira, não sou daquelas pessoas que acham que conseguem fazer tudo sozinhas e depois perdem o dobro do tempo e nunca fica nada de jeito!
Como a maioria dos homens… dizem a maioria das mulheres!
(Sorri) Não queria entrar por aí!
De qualquer forma, esta provocação iria surgir na conversa mais tarde ou mais cedo. Sendo directora de um canal direccionado para a mulher, era inevitável falarmos dos clichés associados a homens e mulheres, e irmos até um pouco mais além, não acha?
Claro! Eu acho que há homens e há mulheres, são todos diferentes. Acho que a mulher é forte, não lhe chamo sexo forte por isso, não podemos ir por aí, e não me considero feminista, longe disso. No entanto entendo que ainda haja feminismo, apesar de muitas melhorias inerentes à condição da mulher, acho que ainda vivemos numa sociedade machista.
Mas a SIC Mulher, é uma televisão para homens, ou para mulheres?
É uma televisão para mulheres, é para elas que o canal nasceu, e para elas que o canal continua, é para elas que escolhemos determinados formatos de programa. O que acontece, e desde o início, é que o perfil da audiência que temos é de sessenta por cento feminino e quarenta por cento masculino, o que foi uma surpresa, não posso dizer que não tenha sido, apesar de bastante agradável, devo referir.
E como explica isso?
Acho que os homens começaram a ver a SIC Mulher por curiosidade natural de tudo aquilo que diz respeito às mulheres, mas depois acabaram por criar uma certa fidelização com os nossos programas e foram ficando e isso não mudou ao longo dos anos. Agora, sem dúvida, continua a ser um canal para mulheres!
E desses quarenta por cento de que me fala, acha que é fácil todos assumirem que de facto costumam ver o canal?
Ao início aconteceu de facto isso, e parece-me que havia um pouco de vergonha em ser homem e assumir-se que se via a SIC Mulher, até pelo desconhecido que era existir um canal dedicado às mulheres, mas hoje acho que já não acontece isso.
Andando seis anos para trás, fazia falta um canal temático dedicado às mulheres?
Sim, quando pensámos nisso o que pensámos foi em trazer uma alternativa para uma mulher que não se revia em mais nenhum dos canais que existia. Classificámos uma mulher com alguns adjectivos, que seria o nosso público, alguém determinada, conhecedora, sensível que se quer sentir atraente, porque todos temos um pouco desses adjectivos. Assim, o que tentámos foi criar um produto com conteúdo diferente, para uma mulher que se queria também ela diferente.
Seis anos depois, resultou…?
Sim, acabou por fazer sentido e só por isso, passado este tempo ainda cá estamos, diferentes do começo, mais evoluídos na estratégia, na abordagem, mas constantes no objectivo, e só assim foi possível construir o nosso espaço, manter o nosso público. Foram seis anos de um percurso fantástico que conseguimos posicionar-nos como uma marca forte, até pela concorrência que hoje temos e nos tornou mais criativos.
Os vários operadores por cabo, trouxeram de facto concorrentes de peso, nomeadamente no mercado das séries norte-americanas. Sendo a SIC Mulher, um canal relativamente pequeno, em estrutura e orçamento, como se lida com isto?
Em 2003, as coisas eram mais fáceis, não havia outros canais de séries no cabo, de facto. Com a FOX, e o AXN, por exemplo, tivemos de nos aprimorar e é como lhe digo, a concorrência nunca é má, pelo contrário.
Gosta do DR. Phil?!
(Sorri) Quer dizer… Eu não tenho de gostar! Vejo tudo o que dá no canal, e tenho de ver os outros também. Mas já agora porquê, não gosta?!
Não, de facto, não muito... Mas é a Sofia a entrevistada e a directora do canal!
Acho que tem os seus méritos e o sucesso que tem em termos de audiência talvez se possa explicar por sermos um pouco fechados emocionalmente, e ele decifra as coisas, dá soluções de alguns dos problemas que também cá existem e não são falados. Creio que muita gente se revê em algumas das situações que ele ali refere. Mas já agora explico-lhe a aposta que fizemos neste e em outros formatos do mesmo género. Para além das séries, que resultam em termos de audiência, mas que não tínhamos orçamentos para ir buscar todas as que queríamos, tivemos de começar a apostar noutras coisas, nomeadamente os talk-shows, que no fundo são todos eles muito diferentes, e para targets também eles distintos. Lançámos a Oprah primeiro, depois o DR. Phil, e mais recentemente a Tyra.
A Oprah continua a ser o programa mais visto da SIC Mulher?
É uma marca e uma referência do canal, acho que vai sê-lo sempre, porque não há ninguém como ela, é transversal. Gosto muito dela, mas devo acrescentar que também gosto bastante do Jamie Oliver, num estilo um pouco diferente, ele é muito engraçado, conhecemo-nos já, num almoço em Londres, onde convidou todos as televisões que compram os seus programas. Ele é mesmo ´what you se eis what you get` e foi uma tarde animadíssima.
Virando aqui um pouco a agulha para a Sofia Carvalho, mulher que dirige um canal para mulheres…Parece-me de bem com a vida, é assim?
Por muitas contrariedades que possam surgir, fui educada para ser feliz. Tenho uma avó francesa, de quem herdei os traços, e algumas das coisas de que gosto em mim.
Mas a minha família sempre me educou para ter atitude, nunca houve facilitismo em nossa casa, era importante estudar, trabalhar, encarar a vida olhos nos olhos.
Apesar do cor-de-rosa ser uma constante do seu canal, não a costumo observar muito nesse universo…
Isto de ser uma figura pública, entre aspas porque o país é pequeno e a fama com aspas outra vez é efémera, requer vários tipos de cuidados e confesso, não gosto muito de me expor.
Acha que ser bonita pode ser considerado um defeito, ou ser tão prejudicial em determinados momentos, como benéfico em outros?
Há de facto ainda muitas pessoas que continuam a olhar para uma mulher bonita com o estigma do ´menos capaz e inteligente`. Não acho que tenha conseguido nada por ser bonita que não tivesse conseguido se não tivesse garra e gostasse de trabalhar.
Chegou à televisão bastante cedo, quase tão depressa como desapareceu depois. Fale-me sobre isso.
Desde muito jovem que me queria tornar independente, e aos 15 anos queria ter o meu dinheiro, fazer as minhas coisas. Comecei então a trabalhar em publicidade, ao mesmo tempo que estudava, até que me falaram de um casting para locução de continuidade na TVI. Nem sabia bem o que era aquilo, mas lá fui, inscrevi-me e ganhei o lugar entre centenas, lembro-me que ficámos apenas cinco.
E acabou por sair alguns anos mais tarde, por causa de um detergente…
(Sorri) Sim… Para contextualizar devo explicar-lhe que a locução de continuidade era extenuante. Não tinha horas de sair, havia dias em que acabava de madrugada. E depois ainda estava a fazer o curso e tinha aulas de manhã no IADE, era complicado.
Lembro-me que um dia, o Artur Albarran propôs-me apresentar o Novo jornal com ele e a Bárbara Guimarães. Sabia e referi que não era jornalista, mas a televisão é um vício, que sempre soube no entanto controlar. Aceitei o desafio e acabei por até gostar da informação, mas não era de facto o que queria para mim. Tive nessa altura uma proposta para fazer um anúncio a um detergente e aproveitei o pretexto para sair, até porque já era mãe, e não tinha tempo. Resolvi dedicar-me à família e assim fiquei durante vários anos.
Ao contrário de muitas mulheres, conseguiu tomar essa opção. Não se arrepende de ter deixado a carreira para trás?
Saí. Tinha uma filha de quatro meses e fiquei quatro anos em casa. Costumava pensar que a qualidade do tempo que as mães passam com as crianças era o que importava, mas aprendi que é também muito bom poder dar-lhes tempo.
E em si, o que mudou com essa experiência de ser mãe a tempo inteiro?
Para além disso, tornei-me mais medrosa, deixei de gostar de coisas radicais, até de voar imagine! É uma responsabilidade brutal, porque nunca consigo deixar de pensar que aqueles seres pequeninos dependem de mim, e isso é um peso enorme, até porque me assumo como uma mãe galinha liberal, cool, que tem um Ipod e mostra as músicas novas às filhas para elas ouvirem! Somos todas mulheres, entendemo-nos muito bem.
A grande questão das mulheres continua a ser o tempo?
Sim, acho que há cada vez mais super-mulheres por aí, e o tempo continua a ser a grande questão com que a maioria de nós tem de se debater e saber gerir para que a vida siga com um mínimo de estabilidade.
É o seu caso?
Tenho ajudas cruciais e isso é uma sorte que muita gente infelizmente não tem. Ainda não nos conseguimos duplicar, e depois desse período de seis anos em que estive sempre com as minhas filhas, desta vez tive de redobrar esforços para que nada se perdesse, mas é sempre muito difícil, claro.
E o tal prazer de ser mulher, lema escolhido para a SIC Mulher, preconiza-o também?
Prazer de ser mulher! É o que sinto, de facto. Ainda há poucos dias me perguntavam o que seria se não fosse mulher, e nem me consigo ver assim. Seria sempre uma mulher, que gosta do que faz e adora viver.
E o curso, chegou a concluí-lo?
Nenhum dos dois onde estive, incrível não é?! Para agradar aos meus pais, fiz três anos de Relações Internacionais, descobri que era um curso fantástico, que tinha um pouco de tudo mas o que sempre tinha querido era entrar em Marketing. Fiz outros três anos, não acabei e gostava de o ter feito, mas na minha vida as coisas vão acontecendo por acaso sabe?! E isso é bom, no final de contas.
Neste seu trajecto profissional, o que mudaria?
Repetiria tudo! Durante esse tempo em que estive afastada é que acabei por fazer publicidade, ter uma outra filha, ser convidada para este grande projecto da SIC Mulher. Uma decisão, de deixar a televisão que na altura poderia parecer precipitada ou incompreensível, acabou por me dar outras coisas boas e além disso sempre soube que iria voltar porque gosto de trabalhar.
E depois, porventura num desses acasos, e após alguns anos longe do mundo profissional, assumindo o papel de mãe a tempo inteiro, regressa quando muita gente, e até provavelmente a Sofia, não estaria à espera… Como aconteceu isto?
Quando surgiu o convite foi… um susto! Havia um grande risco inerente, por ser tudo novo e diferente, mas no entanto foi impossível dizer que não. Respondi no dia seguinte, ciente do desafio que tinha pela frente, se calhar, o maior da minha vida, mas gosto de aventuras, e esta já dura há seis anos.
Não receou que, ao criar um canal nestes moldes se pudesse cair num formato mais ligeiro, ou fútil, por outras palavras?
Havendo esse risco, nunca o corremos, porque a filosofia, a mulher para quem nos queríamos dirigir impunha algo de diferente, com mais conteúdo, mais diversificado.
E a reacção das mulheres, lida bem com os elogios, com as críticas, com a indiferença?!
Normalmente as pessoas aproximam-se de mim, elogiam o nosso trabalho, até porque não há muitas mulheres em cargos deste género e acho que as mulheres se revêem, espero, no canal, nas mulheres do canal. Quanto às outras coisas, temos de saber lidar com isso da forma mais construtiva possível. Se me perguntar o que falta ainda fazer na SIC Mulher, respondo-lhe que tudo, mas a perspectiva deve ser esta. Sou uma optimista e é assim que tento motivar a minha equipa, não sou nada de fados, nem de lamentações.
Outro cliché… As chefes mandonas. Não me parece que faça esse tipo, ou é ilusão aparente?
Não, nada disso! Eu sou uma diplomata, consigo levar a água ao meu moinho, fui educada para ser assim, em estar sempre preocupada com aqueles que me rodeiam, tenho de facto um sexto sentido. Confesso que preciso de sentir que estão motivados, isso faz parte da liderança e talvez por sermos poucos, tenho a sorte de ter uma equipa coesa e determinada em melhorar sempre e até lhe digo que nesta fase da minha carreira aprendi a valorizar o trabalho em equipa como algo crucial no bom sucesso de um projecto.
Mas nunca se zanga?
Sim, claro que me zango, e de que maneira!
E o que a deixa então enfurecida?
A falta de civismo que por vezes presenciamos ainda muito no nosso quotidiano, transtorna-me sobremaneira.
Parece-me uma pessoa positiva, por natureza, é assim?
Quando se é negativo, as coisas começam a correr todas mal! Gosto de viver um dia de cada vez, e acredito que tudo acontece por uma razão, o bom e o mau. Aprendo diariamente com isso e assim quero continuar, a aprender, a acertar, a falhar e a viver.
Caixa:
Moda, decoração e mais “Queridos”marcam nova grelha
Desde o mês passado que a grelha da SIC mulher se alterou, fale-me um pouco das novidades que preparou.
Todas as novidades podem ser vistas na grelha da SIC Mulher desde Março, que é o mês de aniversário do canal, quando fazemos seis anos. Temos um magazine inédito em Portugal, e um dia em conversa com o Olivier, propôs fazermos um programa sobre os bastidores da construção de um restaurante, achei uma ideia interessante estarmos na obra, presenciarmos os imprevistos, as discussões, tudo isso. No fundo mostrar o antes, o durante e o depois de um restaurante. Para já é só com este, e é pena que não tenhamos mais restaurantes a abrir, e que possamos adaptar este formato à nossa realidade com alguma continuidade.
Depois vamos estrear também um programa que eu queria que já estivesse no canal há muito tempo, um programa de moda produzido pela Subfilmes que se chama Instinto de Moda. E claro, completamos a décima série do Querido Mudei a Casa, que continua a ser um sucesso para além de um “E depois”, cuja intenção é a de revisitar os espaços que fomos alterando, e a forma como o programa alterou a vida daquelas pessoas.
Notícias Sábado, Junho, 2009
Seis anos depois de ter assumido a direcção da SIC Mulher, Sofia Carvalho recuperou um espaço televisivo, o seu, criou um outro, para as mulheres, “mas não só, porque quase metade da audiência são homens”. A preto e branco, apenas o traçado desenhado no olhar que prossegue e acompanha palavra seguras por um trajecto feito de escolhas, um presente construído com “trabalho árduo e paciência”, e um futuro decorado em tons rosa, como a cor que predomina no seu tal canal.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Seis anos de SIC Mulher com a Sofia como directora e apresentadora do Querido Mudei a casa, a produção nacional com maior audiência do canal temático Como explica o sucesso do programa?
Pela qualidade, pela coesão da equipa, e pelo próprio formado que é sempre interessante para os espectadores.
Já agora, e por curiosidade, porque se concentram normalmente em apenas uma das divisões da casa?
Ao contrário da Oprah, por exemplo, que tem uma equipa de centenas de pessoas na produção e meios incomparáveis aos nossos, nós não temos isso, só conseguimos transformar uma divisão. Mas nesta décima série arrojámos um pouco, e se no início o objectivo era o de transformar apenas uma divisão de uma casa, com o decorrer do tempo fomos aumentando horizontes e de vez em quando vamos de facto modificar uma casa inteira.
É verdade que recebem milhares de candidaturas para participarem no programa?
É, de facto. Desde que o programa se iniciou, que sempre recebemos muitos, mas mesmo muitos pedidos, desde escolas a instituições de auxílio social, passando por empresas, bem, de tudo um pouco. No entanto, o objectivo não era esse, mas sim focarmo-nos em pessoas, e em histórias de pessoas e das suas casas. O que pensámos, é que em cada início de série fazemos um projecto especial, tanto que já passámos a Ajuda de Mãe, a Ajuda de Berço, um liceu, um jardim infantil e nesta décima série apareceu uma carta de uma senhora a precisar de uma grande ajuda e estamos a transformar a casa toda.
Existe então uma preocupação social…
Há de facto essa preocupação, sim, e cada vez mais porque estamos a fazer uma transformação na própria vida das pessoas.
E já sabe tudo sobre bricolage, já arranja e conserta tudo lá em casa?
(Sorri) Depois de quatro anos e cento e vinte programas, mal de mim, se não soubesse! Tenho até imenso jeito para fazer montagem de móveis!
Mesmo aqueles que trazem livro de instruções, ou é mais por intuição…
Gosto de fazer tudo bem à primeira, não sou daquelas pessoas que acham que conseguem fazer tudo sozinhas e depois perdem o dobro do tempo e nunca fica nada de jeito!
Como a maioria dos homens… dizem a maioria das mulheres!
(Sorri) Não queria entrar por aí!
De qualquer forma, esta provocação iria surgir na conversa mais tarde ou mais cedo. Sendo directora de um canal direccionado para a mulher, era inevitável falarmos dos clichés associados a homens e mulheres, e irmos até um pouco mais além, não acha?
Claro! Eu acho que há homens e há mulheres, são todos diferentes. Acho que a mulher é forte, não lhe chamo sexo forte por isso, não podemos ir por aí, e não me considero feminista, longe disso. No entanto entendo que ainda haja feminismo, apesar de muitas melhorias inerentes à condição da mulher, acho que ainda vivemos numa sociedade machista.
Mas a SIC Mulher, é uma televisão para homens, ou para mulheres?
É uma televisão para mulheres, é para elas que o canal nasceu, e para elas que o canal continua, é para elas que escolhemos determinados formatos de programa. O que acontece, e desde o início, é que o perfil da audiência que temos é de sessenta por cento feminino e quarenta por cento masculino, o que foi uma surpresa, não posso dizer que não tenha sido, apesar de bastante agradável, devo referir.
E como explica isso?
Acho que os homens começaram a ver a SIC Mulher por curiosidade natural de tudo aquilo que diz respeito às mulheres, mas depois acabaram por criar uma certa fidelização com os nossos programas e foram ficando e isso não mudou ao longo dos anos. Agora, sem dúvida, continua a ser um canal para mulheres!
E desses quarenta por cento de que me fala, acha que é fácil todos assumirem que de facto costumam ver o canal?
Ao início aconteceu de facto isso, e parece-me que havia um pouco de vergonha em ser homem e assumir-se que se via a SIC Mulher, até pelo desconhecido que era existir um canal dedicado às mulheres, mas hoje acho que já não acontece isso.
Andando seis anos para trás, fazia falta um canal temático dedicado às mulheres?
Sim, quando pensámos nisso o que pensámos foi em trazer uma alternativa para uma mulher que não se revia em mais nenhum dos canais que existia. Classificámos uma mulher com alguns adjectivos, que seria o nosso público, alguém determinada, conhecedora, sensível que se quer sentir atraente, porque todos temos um pouco desses adjectivos. Assim, o que tentámos foi criar um produto com conteúdo diferente, para uma mulher que se queria também ela diferente.
Seis anos depois, resultou…?
Sim, acabou por fazer sentido e só por isso, passado este tempo ainda cá estamos, diferentes do começo, mais evoluídos na estratégia, na abordagem, mas constantes no objectivo, e só assim foi possível construir o nosso espaço, manter o nosso público. Foram seis anos de um percurso fantástico que conseguimos posicionar-nos como uma marca forte, até pela concorrência que hoje temos e nos tornou mais criativos.
Os vários operadores por cabo, trouxeram de facto concorrentes de peso, nomeadamente no mercado das séries norte-americanas. Sendo a SIC Mulher, um canal relativamente pequeno, em estrutura e orçamento, como se lida com isto?
Em 2003, as coisas eram mais fáceis, não havia outros canais de séries no cabo, de facto. Com a FOX, e o AXN, por exemplo, tivemos de nos aprimorar e é como lhe digo, a concorrência nunca é má, pelo contrário.
Gosta do DR. Phil?!
(Sorri) Quer dizer… Eu não tenho de gostar! Vejo tudo o que dá no canal, e tenho de ver os outros também. Mas já agora porquê, não gosta?!
Não, de facto, não muito... Mas é a Sofia a entrevistada e a directora do canal!
Acho que tem os seus méritos e o sucesso que tem em termos de audiência talvez se possa explicar por sermos um pouco fechados emocionalmente, e ele decifra as coisas, dá soluções de alguns dos problemas que também cá existem e não são falados. Creio que muita gente se revê em algumas das situações que ele ali refere. Mas já agora explico-lhe a aposta que fizemos neste e em outros formatos do mesmo género. Para além das séries, que resultam em termos de audiência, mas que não tínhamos orçamentos para ir buscar todas as que queríamos, tivemos de começar a apostar noutras coisas, nomeadamente os talk-shows, que no fundo são todos eles muito diferentes, e para targets também eles distintos. Lançámos a Oprah primeiro, depois o DR. Phil, e mais recentemente a Tyra.
A Oprah continua a ser o programa mais visto da SIC Mulher?
É uma marca e uma referência do canal, acho que vai sê-lo sempre, porque não há ninguém como ela, é transversal. Gosto muito dela, mas devo acrescentar que também gosto bastante do Jamie Oliver, num estilo um pouco diferente, ele é muito engraçado, conhecemo-nos já, num almoço em Londres, onde convidou todos as televisões que compram os seus programas. Ele é mesmo ´what you se eis what you get` e foi uma tarde animadíssima.
Virando aqui um pouco a agulha para a Sofia Carvalho, mulher que dirige um canal para mulheres…Parece-me de bem com a vida, é assim?
Por muitas contrariedades que possam surgir, fui educada para ser feliz. Tenho uma avó francesa, de quem herdei os traços, e algumas das coisas de que gosto em mim.
Mas a minha família sempre me educou para ter atitude, nunca houve facilitismo em nossa casa, era importante estudar, trabalhar, encarar a vida olhos nos olhos.
Apesar do cor-de-rosa ser uma constante do seu canal, não a costumo observar muito nesse universo…
Isto de ser uma figura pública, entre aspas porque o país é pequeno e a fama com aspas outra vez é efémera, requer vários tipos de cuidados e confesso, não gosto muito de me expor.
Acha que ser bonita pode ser considerado um defeito, ou ser tão prejudicial em determinados momentos, como benéfico em outros?
Há de facto ainda muitas pessoas que continuam a olhar para uma mulher bonita com o estigma do ´menos capaz e inteligente`. Não acho que tenha conseguido nada por ser bonita que não tivesse conseguido se não tivesse garra e gostasse de trabalhar.
Chegou à televisão bastante cedo, quase tão depressa como desapareceu depois. Fale-me sobre isso.
Desde muito jovem que me queria tornar independente, e aos 15 anos queria ter o meu dinheiro, fazer as minhas coisas. Comecei então a trabalhar em publicidade, ao mesmo tempo que estudava, até que me falaram de um casting para locução de continuidade na TVI. Nem sabia bem o que era aquilo, mas lá fui, inscrevi-me e ganhei o lugar entre centenas, lembro-me que ficámos apenas cinco.
E acabou por sair alguns anos mais tarde, por causa de um detergente…
(Sorri) Sim… Para contextualizar devo explicar-lhe que a locução de continuidade era extenuante. Não tinha horas de sair, havia dias em que acabava de madrugada. E depois ainda estava a fazer o curso e tinha aulas de manhã no IADE, era complicado.
Lembro-me que um dia, o Artur Albarran propôs-me apresentar o Novo jornal com ele e a Bárbara Guimarães. Sabia e referi que não era jornalista, mas a televisão é um vício, que sempre soube no entanto controlar. Aceitei o desafio e acabei por até gostar da informação, mas não era de facto o que queria para mim. Tive nessa altura uma proposta para fazer um anúncio a um detergente e aproveitei o pretexto para sair, até porque já era mãe, e não tinha tempo. Resolvi dedicar-me à família e assim fiquei durante vários anos.
Ao contrário de muitas mulheres, conseguiu tomar essa opção. Não se arrepende de ter deixado a carreira para trás?
Saí. Tinha uma filha de quatro meses e fiquei quatro anos em casa. Costumava pensar que a qualidade do tempo que as mães passam com as crianças era o que importava, mas aprendi que é também muito bom poder dar-lhes tempo.
E em si, o que mudou com essa experiência de ser mãe a tempo inteiro?
Para além disso, tornei-me mais medrosa, deixei de gostar de coisas radicais, até de voar imagine! É uma responsabilidade brutal, porque nunca consigo deixar de pensar que aqueles seres pequeninos dependem de mim, e isso é um peso enorme, até porque me assumo como uma mãe galinha liberal, cool, que tem um Ipod e mostra as músicas novas às filhas para elas ouvirem! Somos todas mulheres, entendemo-nos muito bem.
A grande questão das mulheres continua a ser o tempo?
Sim, acho que há cada vez mais super-mulheres por aí, e o tempo continua a ser a grande questão com que a maioria de nós tem de se debater e saber gerir para que a vida siga com um mínimo de estabilidade.
É o seu caso?
Tenho ajudas cruciais e isso é uma sorte que muita gente infelizmente não tem. Ainda não nos conseguimos duplicar, e depois desse período de seis anos em que estive sempre com as minhas filhas, desta vez tive de redobrar esforços para que nada se perdesse, mas é sempre muito difícil, claro.
E o tal prazer de ser mulher, lema escolhido para a SIC Mulher, preconiza-o também?
Prazer de ser mulher! É o que sinto, de facto. Ainda há poucos dias me perguntavam o que seria se não fosse mulher, e nem me consigo ver assim. Seria sempre uma mulher, que gosta do que faz e adora viver.
E o curso, chegou a concluí-lo?
Nenhum dos dois onde estive, incrível não é?! Para agradar aos meus pais, fiz três anos de Relações Internacionais, descobri que era um curso fantástico, que tinha um pouco de tudo mas o que sempre tinha querido era entrar em Marketing. Fiz outros três anos, não acabei e gostava de o ter feito, mas na minha vida as coisas vão acontecendo por acaso sabe?! E isso é bom, no final de contas.
Neste seu trajecto profissional, o que mudaria?
Repetiria tudo! Durante esse tempo em que estive afastada é que acabei por fazer publicidade, ter uma outra filha, ser convidada para este grande projecto da SIC Mulher. Uma decisão, de deixar a televisão que na altura poderia parecer precipitada ou incompreensível, acabou por me dar outras coisas boas e além disso sempre soube que iria voltar porque gosto de trabalhar.
E depois, porventura num desses acasos, e após alguns anos longe do mundo profissional, assumindo o papel de mãe a tempo inteiro, regressa quando muita gente, e até provavelmente a Sofia, não estaria à espera… Como aconteceu isto?
Quando surgiu o convite foi… um susto! Havia um grande risco inerente, por ser tudo novo e diferente, mas no entanto foi impossível dizer que não. Respondi no dia seguinte, ciente do desafio que tinha pela frente, se calhar, o maior da minha vida, mas gosto de aventuras, e esta já dura há seis anos.
Não receou que, ao criar um canal nestes moldes se pudesse cair num formato mais ligeiro, ou fútil, por outras palavras?
Havendo esse risco, nunca o corremos, porque a filosofia, a mulher para quem nos queríamos dirigir impunha algo de diferente, com mais conteúdo, mais diversificado.
E a reacção das mulheres, lida bem com os elogios, com as críticas, com a indiferença?!
Normalmente as pessoas aproximam-se de mim, elogiam o nosso trabalho, até porque não há muitas mulheres em cargos deste género e acho que as mulheres se revêem, espero, no canal, nas mulheres do canal. Quanto às outras coisas, temos de saber lidar com isso da forma mais construtiva possível. Se me perguntar o que falta ainda fazer na SIC Mulher, respondo-lhe que tudo, mas a perspectiva deve ser esta. Sou uma optimista e é assim que tento motivar a minha equipa, não sou nada de fados, nem de lamentações.
Outro cliché… As chefes mandonas. Não me parece que faça esse tipo, ou é ilusão aparente?
Não, nada disso! Eu sou uma diplomata, consigo levar a água ao meu moinho, fui educada para ser assim, em estar sempre preocupada com aqueles que me rodeiam, tenho de facto um sexto sentido. Confesso que preciso de sentir que estão motivados, isso faz parte da liderança e talvez por sermos poucos, tenho a sorte de ter uma equipa coesa e determinada em melhorar sempre e até lhe digo que nesta fase da minha carreira aprendi a valorizar o trabalho em equipa como algo crucial no bom sucesso de um projecto.
Mas nunca se zanga?
Sim, claro que me zango, e de que maneira!
E o que a deixa então enfurecida?
A falta de civismo que por vezes presenciamos ainda muito no nosso quotidiano, transtorna-me sobremaneira.
Parece-me uma pessoa positiva, por natureza, é assim?
Quando se é negativo, as coisas começam a correr todas mal! Gosto de viver um dia de cada vez, e acredito que tudo acontece por uma razão, o bom e o mau. Aprendo diariamente com isso e assim quero continuar, a aprender, a acertar, a falhar e a viver.
Caixa:
Moda, decoração e mais “Queridos”marcam nova grelha
Desde o mês passado que a grelha da SIC mulher se alterou, fale-me um pouco das novidades que preparou.
Todas as novidades podem ser vistas na grelha da SIC Mulher desde Março, que é o mês de aniversário do canal, quando fazemos seis anos. Temos um magazine inédito em Portugal, e um dia em conversa com o Olivier, propôs fazermos um programa sobre os bastidores da construção de um restaurante, achei uma ideia interessante estarmos na obra, presenciarmos os imprevistos, as discussões, tudo isso. No fundo mostrar o antes, o durante e o depois de um restaurante. Para já é só com este, e é pena que não tenhamos mais restaurantes a abrir, e que possamos adaptar este formato à nossa realidade com alguma continuidade.
Depois vamos estrear também um programa que eu queria que já estivesse no canal há muito tempo, um programa de moda produzido pela Subfilmes que se chama Instinto de Moda. E claro, completamos a décima série do Querido Mudei a Casa, que continua a ser um sucesso para além de um “E depois”, cuja intenção é a de revisitar os espaços que fomos alterando, e a forma como o programa alterou a vida daquelas pessoas.
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