julho 08, 2008

Pública: Um dia com... São José Correia

“Sou como sou, e gosto”


Olhar profundo, cabelo negro e escorrido, como as palavras que se vão soltando ao longo do dia, em cada ideia, em cada lugar que costuma frequentar e tornar seu, na distância entre a São José das novelas, do cinema, do teatro e a mulher que se encontra algures entre ambas.

Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia Moreira


Manhã cedo ainda, na agência Loft, no Largo Camões. Os relógios suspensos na parede marcam tempos diferentes deste. Nova Iorque, Paris, Tóquio, São Paulo apontam caminhos opostos, no percorrer dos ponteiros atravessados. As caras conhecidas em retratos que forram as divisórias, compõem o restante cenário de fundo. São José prepara-se para o seu primeiro book publicitário. Ao fundo do corredor, reconhece-se pela voz, como gosta aliás. “Olá, bom dia, como estão?!”, cumprimenta com um sorriso que se torna constante, contagiante até, com o decorrer do dia.
Na contra luz, onde parece sentir-se melhor, Maria João, a maquilhadora retoca-lhe a sombra dos olhos, traçando-lhe a lápis fino o estilo de mais uma personagem... “Não, esta não é, sou apenas eu retocada! Sei que sou mais magra que na televisão, que sou diferente. Não ando nada assim no dia a dia, sou até muito casual na forma de vestir. No fundo acho que sou como as outras pessoas afinal! Quando acordo? Acho-me horrível! Tenho preocupações, olheiras, toda a gente as tem”, sorri.


Dança e livros

Aos trinta e três anos, São José Correia é hoje uma das actrizes mais faladas e procuradas da televisão portuguesa. Mais nova de entre quatro irmãos, o nome pelo qual acabaria por se tornar conhecida, não seria o do baptismo. “A minha mãe sempre quis que eu fosse Conceição, mas o meu pai queria que eu me chamasse Maria José como ela. Acabou por me registar assim, mas sempre me trataram por São e assim ficou”. Para a vida e para a carreira artística que haveria de descobrir um dia, “num impulso de miúda que tinha o sonho de ser actriz”, no Teatro de Almada, ainda com 19 anos, “quando faltou uma das intervenientes de uma peça e eu me ofereci para ir para lá”, curiosidades que vai recordando, no caminho para o almoço.
São vários os olhares que se cruzam na sua direcção. “É natural, estou habituada e nem sequer costumo ter problemas, normalmente as pessoas são educadas comigo”, explica sem incómodo. Aparenta na realidade uma fragilidade que diz não ter, no semblante sempre profundo e pouco à vontade nas fotografias, mas que deixa revelar, para além delas. “Não tenho muita paciência para exibicionismos ou poses que me pareçam falsas. Também não gosto de ser conhecida, de entrar num restaurante e as pessoas cochicharem, não me agrada dar entrevistas ou tirar fotografias mas reconheço que enquanto figura pública tenho de ceder um pouco nisso”.
Ninguém cochicha quando entramos no Vertigo, perto do Largo do Carmo. “Um almoço hitchcockiano”, humoriza.
Fala muito e sem artifícios, com os gestos, com o olhar e com as palavras. Gosta de cozido à portuguesa, arroz de pato, de sushi, não perde o seu Benfica numa marisqueira perto de casa ou dispensa uma ida à praia quando tem um pouco de tempo disponível na agenda demasiado preenchida. “E adoro escrever, e leio em qualquer lado, mesmo nos transportes onde passo bastante tempo porque não tenho carta, já a paguei umas quatro vezes e... não tenho paciência”, lança numa gargalhada.
Um café, um cigarro à porta por causa “da maldita” lei do tabaco e... a dança, na conversa. “Sempre tive um fascínio por isso! O Dança Comigo foi dos maiores desafios da minha vida sabes?! Não ia nada segura! De onde me vem o gosto pela dança... Acho que é uma coisa inata, humana, que me liberta. Danço muito em casa, é aliás o meu exercício porque não faço ginásio nem nada disso”.


Silêncio
Peça indispensável da sua imagem na vida real são os sapatos rasos e leves. “Por mim até andava descalça! Desde pequena sempre fui assim, lembro-me até que brincávamos muito no adro da igreja, que era de seixos redondos, e só de andar ali, mesmo devagarinho, já me doíam os pés”. De então para cá, algumas diferenças... “Queria ser advogada, hoje seria incapaz de julgar quem quer que fosse. Não tenho dúvidas nem receitas para ninguém. Sempre fui muito tímida, mas isso estimulava-me. O medo aliás, impulsiona-me! Sou competitiva mas... chego sempre atrasada”, exclama num tom quase tão embaraçado, desmascarado num traço de sorriso orgulhoso.
O regresso à igreja, a uma outra, diferente daquela onde brincava na meninice. Igreja dos Ingleses, Chiado. Alguns turistas aproveitam para fotografar o interior, ajoelham-se, como a maioria das pessoas que se distribuem pela nave central, nos bancos corridos de madeira de verniz desgastado. Apesar da roupa casual, algumas delas reconhecem-na, comentam entre si. Observa por segundos as figuras do altar, senta-se. “Gosto de igrejas porque todos os ruídos, todas as distracções ficam lá fora! E acaba por ser um exercício pessoal que aproveito também enquanto actriz. Olho para alguém, para uma cara, para um semblante e imagino uma situação de desespero... Mas por vezes imagino-me a mim, penso nos momentos que passo sozinha, nos meus receios, sinto-me bem durante algum tempo, serena, ganho forças e regresso ao mundo real”.

Contrastes
“Sei que estou um pouco marcada por uma imagem mais provocante. Já pensei nisso, mas mau de facto é não ter trabalho e estas coisas por vezes não nos cabem a nós decidir. Posso dizer que a primeira vez que pude escolher entre dois papéis aconteceu agora, ao fim de alguns anos de carreira. E optei por uma figura diferente que neste momento representa um desafio para mim”.
Mas enquanto mulher, onde se cruzam afinal a São José e as várias personagens que vai caracterizando? “Depende, isso sucede naturalmente, ou não. Há alturas em que acontece e me identifico com certas características sim. Tenho medo de me sentir inútil, mas não da solidão com a qual convivo bastante bem”.
E a sua relação com o pecado? “Damo-nos bem! O pecado vem do prazer e eu sou quase amoral, não me preocupa o que pensam os outros, sou fora da lei e gosto de andar aos zigue zagues”.
Quanto a homens... “Sou anti-romantismo! As flores, as mãozinhas, os passeios na praia, não têm a ver comigo. Mas acredito no amor, cada um com a sua forma, com o seu tempo. E não gosto de homens muito preocupados com a imagem, nem me agrada sobremaneira o conceito de metro-sexual. Não tenho tipo de homem, apaixono-me pelo ser humano, pelas ideias, gosto das pessoas pelo que lá têm dentro”

Um dia perfeito...
“Não há dias perfeitos! (sorri) Quando não estou a trabalhar acordo só quando me dói o corpo, faço um café, fumo um cigarro, ponho música e tomo um banho. Depois venho andar pela baixa, apanhar sol, estar com amigos... À noite costumo deitar-me tarde, apenas quando tenho sono. Passo os olhos pelos guiões, ando a ler vários livros ao mesmo tempo, vejo uma série ou outra, até ter vontade de adormecer”, conta.
Gosta de caminhar, mesmo que não tenha destino traçado. “Apenas para passear, ver pessoas, fotografar lugares e pormenores que não vemos no dia a dia quando andamos à pressa”. Ao passar por uma loja de bugigangas, pára, gosta de tocar, de mexer. “Preciso de sentir as coisas. Acho que isso ou é defeito de actor, ou é mesmo meu”, deixa escapar em forma de gargalhada sonora.
O fim de tarde no Chiado, pede momentos de serenidade. “O dia está a abrir, bonito! A luz é importante em tudo na minha vida... O que sou eu afinal? Sou como sou, e gosto”

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