julho 08, 2008

Notícias Sábado: Companhia Teatral do Chiado: Mário Viegas, ou o segredo do sucesso!


A celebrar dezoito anos de existência e de êxitos, a Companhia sonhada por Mário Viegas tem nas Obras Completas de William Shakespeare em 97 minutos o seu maior exlíbris. Doze anos em cena, sem fim à vista, uma lista de espera de três meses e um letreiro de “esgotado” que nunca sai da vitrina da bilheteira. A NS foi descobrir os segredos que fazem desta, uma forma diferente de fazer e mostrar o Teatro. Sem preconceitos nem subsídios, pelo público, para o público, com o público.


Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira


“Olha ela a rir-se, não percebeu nada coitadinha!”. A loira, o velho, a tia, o emigrante... Estereótipos sociais, desenhados para fazer rir sem parar. “Shakespeare já o fazia, era popular, não trabalhava para as elites, fossem elas culturais ou económicas”. O verdadeiro truque? “A simplicidade! Em tudo na vida, o mais difícil de conseguir”.
Este é apenas um dos segredos que elevam a Companhia Teatral do Chiado a um patamar diferente do teatro português, a um primeiro balcão, mas com vista privilegiada, sempre, sobre a plateia.
Das apostas que se faziam nos primeiros tempos da Companhia sobre o seu fim prematuro até às bilheteiras sucessivamente esgotadas, passaram dezoito anos, cheios, acima de tudo, de gargalhadas.


Primeiro acto, o Começo
Tudo começou em Londres. Mário Viegas e Juvenal Garcês, fundadores da CTC costumavam viajar mundo fora. “Para ver peças e conhecer lugares diferentes! Víamos muito teatro”. Numa dessas viagens, uma peça escrita pelos ingleses Adam Long, Jess Borgeson e Daniel Singer captou-lhes a atenção e o sorriso. “A sala estava esgotada há anos, a produção era enorme, caríssima, o Mário adorou”. Coincidência ou não, na mesma cidade, uns anos antes, conheceram também Simão Rubim, que viria a ser um dia a principal figura das Obras Completas. “Tínhamos estado a ver uma peça com o Dustin Hoffman. Esperámos para falar com ele no final, mas saiu por uma porta lateral e o Mário começou logo a reclamar que ´Não podia ser, era uma vergonha, quem é que ele pensava que era`... Nisto, aparece um sujeito alto, um outro actor que entrava na peça e nem sabíamos quem era”. Simão. “Era eu sim... Fui ter com ele e perguntei-lhe...´É o Mário Viegas não é?! Ficámos amigos logo ali, deixei Londres e vim para Portugal para a Companhia ganhar trinta contos. Pouco?! Era o Mário Viegas, isso não tem preço!”.
O actor e declamador nunca veria em palco, a peça de que um dia o fez sorrir. “E era difícil, fazia rir mas não dava gargalhadas! Morreu um mês antes da estreia. Foi complicado para nós, mas decidimos ir para a frente, por ele”, recorda.


Segundo acto, Sucesso
As obras completas de William Shakespeare em 97 minutos têm o título mais longo de que há memória.... E também não há nenhuma outra que em Portugal esteja há tanto tempo em cena, sem interrupções e quase sempre com o mesmo elenco. Desde 1996, cerca de 1200 espectáculos, mais de 180 mil espectadores e centena e meia de digressões pelo país e pelo estrangeiro. Juvenal Garcês, director da Companhia desde 1996, explica. “Há uma coisa que não se faz cá em Portugal, até pelo facto de haver poucas salas disponíveis, que é manter as peças que têm êxito junto do público, em cena, enquanto têm espectadores. Fazemo-lo por respeito às pessoas que gostam, e enquanto vierem, fá-la-emos, não temos um final previsto”.”.
A farsa elaborada a partir das 37 peças do dramaturgo inglês e da centena e meia de sonetos que deixou ao mundo, deveria decorrer em 97 minutos. João Carracedo, Manuel Mendes e Simão viajam em palco, a uma velocidade alucinante. Trocam de roupa num piscar de olhos, multiplicam as cenas de trás para a frente, em câmara lenta, em várias línguas... Na maioria das vezes o serão prolonga-se e chega a ultrapassar as duas horas e meia. “É um espectáculo vivo, as piadas não são sempre as mesmas, porque vive muito da actualidade”, explica João.
Manuel, João e Simão são assim amigos e cúmplices em palco e fora dele. Afinal, quase todas as noites de há doze anos para cá, agora apenas às segundas e terças feiras, estão juntos. “Imaginem só a paciência que é preciso ter para aturar estes dois gajos este tempo todo”, humoriza Manuel, reflectido no espelho dos camarins, enquanto prepara o rosto para vestir a personagem para mais uma actuação.
Há repetentes na sala. É habitual. Alberta Osório, de 43 anos já viu a peça quatro vezes, a primeira há dez anos. “Volto porque me faz rir do princípio ao fim, tem um ritmo que nos agarra e nunca é igual à noite anterior".
“Dizem-nos muitas vezes que para tragédia, basta a vida. Quando ouço pessoas do pseudo-teatro sério dizerem que a comédia é um género menor é porque são ignorantes. O objectivo do que fazemos é transmitir emoção, rir, chorar, o que for, desde que seja verdadeiro. Acho que essa atitude fechada de muitos actores e encenadores do nosso país é que afasta as pessoas dos teatros. Não fazemos isto para os nosso amigos ou para o nosso grupinho, mas para as pessoas”, explica Simão.
A interactividade com a plateia está também sempre presente. “Depende das pessoas que estejam, da noite, do fait divers que estiver em voga na altura", complementa João Carracedo. “Muitos espectadores ficam cheios de medo de os irmos buscar para fazer palhaçadas. Normalmente não levam a mal, porque é tudo uma brincadeira, mas já tivemos algumas situações complicadas, claro!”.
“Casamentos, pessoas a irem-se embora a meio, padres insultados com as piadas contra a igreja a dizer que iam preparar o nosso funeral, padres que se fartaram de rir que nos deram a bênção, famosos, políticos, como o Durão Barroso ou Mota Amaral que se desunhou a rir ...temos de tudo”, recorda Manuel.



Terceiro acto, Sem final
“O teatro é uma arte que tem de falar para toda a gente, dizia o Almada Negreiros. Fazemos teatro popular, não comercial! O Mário não gostava de pedir subsídios. Por vezes escrevia as cartas com a letra toda esgatafunhada para não se perceber nada, porque sempre quis fazer espectáculos para o público, porque um teatro tem de viver da bilheteira, de quem lá vai e não de dinheiro do estado!”.
Com uma política de comunicação executada pela Lifft, uma das maiores agências de comunicação portuguesas e que se encarrega entre outros projectos, do Rock in Rio ou da Media Capital Rádios por exemplo, até aqui se verifica uma diferença importante em relação aos costumes de outras companhias teatrais. “De há alguns anos para cá, apercebemo-nos que poderíamos modernizar esta área. Dependemos muito do boca a boca e quisemos profissionalizar a dinâmica de publicitação dos nosso trabalhos, porque há muita concorrência hoje em dia, de outros eventos e não há que haver pudores de comercializar uma coisa que é boa e bem feita”, explica Luís Macedo, responsável pelo Marketing da Companhia.
Juvenal Garcês fundou a CTC com Mário Viegas, em 1990. Anos depois, assumiu a direcção, quando o amigo morreu. “O que me diria ele se estivesse aqui sentado?!”. A voz torna-se embargada, a emoção preenche-lhe os olhos, e deixa escapar, em tom baixo e humedecido. “Ficaria contente...”.
Pelos corredores, ainda desertos do Teatro Estúdio, em cada recanto, em quase todas as palavras, se pode encontrar um pouco do espírito de Mário Viegas. Rita Lello, uma das mais antigas do grupo e actualmente a protagonizar o êxito de bilheteira As Vampiras Lésbicas de Sodoma, um cabaret clássico que parodia o thriller e o terror, e que já vai no terceiro ano em cena, conheceu Mário ainda pequena. “Estive cá com ele até aos 16 anos, depois andei por aí, e regressei com as Vampiras. O que se faz aqui tem sempre um cunho de sensibilidade, de transmissão de um olhar para o mundo, que hoje é o olhar do Juvenal, fragmentado, generoso, caótico, satírico, cáustico. Onde se sente mais a presença do Mário aqui?! Ele queria exprimir e exercer a sua sensibilidade sem a tutela de ninguém. Mesmo que cá não esteja, está, e conseguiu-o.”.
Juvenal sorri. “Dizia muitas vezes...`Não quero ficar na rua da Pide, não quero!`... Não ficou! Estamos de costas para ela! Já não há pessoas assim...”, lembra e lamenta, com um sorriso que lhe vem da memória ainda e sempre, viva.



Caixa:
Mário Viegas morreu num dia de mentiras, a 1 de Abril de 1996, passaram agora doze anos e alguns dias sobre a data. A Companhia Teatral do Chiado funciona desde o seu nascimento em 1990, na sala Teatro Estúdio com o nome do seu fundador, quando a Câmara Municipal de Lisboa, sob a presidência de Jorge Sampaio, lhes cedeu uma das salas do Teatro Municipal de S. Luiz.
Após o falecimento do actor, encenador e director Mário Viegas, Juvenal Garcês assumiu a direcção artística e geral. A Companhia Teatral do Chiado estreou-se no dia 16 de Novembro de 1990, no Seixal.




Legendas

No seu livro auto-photo-biográfico, com apenas duzentos exemplares editados, conta a história da sua família. Mário Viegas dizia ser a encarnação do seu trisavô paterno, o famoso actor Francisco Leoni, fundador do Teatro da Trindade.


A receber a condecoração da Ordem do Infante D. Henrique das mãos do então presidente da República Mário Soares e do primeiro ministro, à época Cavaco Silva, que não cumprimentou, “porque não gostava dele”, conta Juvenal Garcês.


Nos seus últimos anos de vida, concebeu "Europa, Não! Portugal Nunca!!", um espectáculo em forma de conferência de imprensa onde personificava um pseudo-candidato à Presidência da República. Levou tão a sério a sua preocupação com o estado geral do país, que chegou a participar nas eleições legislativas de 1995, como candidato independente pela UDP. “Durante essa peça, levou Mário Soares às lágrimas de tanto rir”.


Notícias Sábado,Abril de 2008

Sem comentários: