julho 08, 2008

Pública: Um dia com... Joana Solnado

“Gostava de descobrir o segredo da estabilidade emocional”

Tem um sorriso tão fácil quanto fechado a quem não a conhece para além dos ecrãs, ou das páginas cor de rosa que lhe inundam o dia a dia. A demanda da inteligência das emoções, a procura pela personagem ideal, o reconhecimento, são pequenos passos, indispensáveis para completar a forma como olha o mundo.

Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira


“Olha, é a Joana Solnado”. O traço mais comum do seu dia a dia acaba por se situar na expressão que se ouve, em tom de voz sussurrado à sua passagem, normalmente acompanhado por um dedo levantado na sua direcção. Não admira. Para além de aparecer nas telenovelas que povoam os primeiros lugares das tabelas de audiências, o seu nome e a sua imagem surgem em média associados a cerca de 100 notícias escritas em jornais e revistas, números que confirma. “Há pouca crítica de televisão cá, e demasiada crítica acerca das figuras que aparecem na televisão, é pena que assim seja”, lamenta.
Outro dedo apontado, mais outro sussurro acompanhado de um sorriso de reconhecimento. “Olha...”. A cena repete-se, uma e outra vez, com outras personagens, em cenários distintos, como nos últimos anos, desde que começou a aparecer na televisão em horário nobre. “Estou habituada já, depende da abordagem que na maioria dos casos é muito boa. De qualquer forma, a exposição mediática não é o meu objectivo, mas sim fazer aquilo de que gosto. Se as pessoas me reconhecem, espero que o seja pelo meu trabalho lhes ter tocado”, explica.


Na pele de Eduarda
Estúdios da NBP, Vialonga, a poucos quilómetros de Lisboa com vista sobre a já antiga Expo. Começaram há alguns meses, os preparativos para o seu próximo papel na série ‘Equador’, onde vai vestir a pele de Eduarda. A complexidade da personagem, pede-lhe uma segunda leitura da obra de Miguel Sousa Tavares. “É o primeiro passo do trabalho de composição daquela que será uma jovem que trabalha numa farmácia do começo do século XX. Mas só comecei a ler o livro em Janeiro, por causa da série. Houve uma altura em que toda a gente o tinha debaixo do braço mas tenho uma certa aversão a fazer o que todos estão a fazer, um pouco como aconteceu com o Código Davinci ou mais recentemente com O Segredo”.
Na sala de ensaios da produtora, os papéis misturam-se com os trajes de época espalhados por um espaço que se torna seu diariamente, enquanto aprende a vestir e a despir convenientemente o uniforme imposto pelo guião. “Os próximos meses vão ser passados por aqui e serão assim cheios de viagens, de trabalho, de sucesso espero”, lança num sorriso. “Se isto dá trabalho... Se dá, depende também da personagem, que pode demorar três dias ou três meses a surgir como eu quero”.


Emoções fortes

Joana Solnado nasceu a 21 de Setembro de 1984 no seio de uma família de artistas. “Talvez tenha sido importante para mim, porque tive a sorte de estar por perto de pessoas que me ensinaram muito em vários aspectos. O meu avô? Temos ambos o nosso espaço, mas dá-me muitos conselhos, admiro-o imenso como pessoa e como profissional também, claro”.
Estreou-se nas tábuas do palco aos 14 anos com a peça ‘King, I have a Dream’. Neta de Raul Solnado, filha do músico Rui Madeira e da escritora Alexandra Solnado, Joana frequentou e interrompeu o Curso de Ciências da Comunicação e Cultura na Universidade Lusófona há alguns anos. “Não o tenciono acabar, já desisti dessa ideia porque me vai preparar para fazer o que já faço. Prefiro investir no meu desenvolvimento enquanto actriz em workshops por exemplo. Se não fosse isto? Seria bióloga marinha, sempre fui mais de ciências, de matemática, por aí”, explica enquanto saboreia uma sopa durante o almoço, no restaurante situado em frente ao estúdio.
Das primeiras aparições nos Morangos, aos dias das novelas para a família, para lá das memórias e dos colegas que se fizeram mais tarde amigos, restaram apenas os fãs. “Quando faço peças mais pesadas, mais sérias, lá vão eles todos! Por vezes, como aconteceu há pouco tempo com uma representação do Shakespeare, passados uns minutos ficam de boca aberta porque não estão à espera de um registo tão sério. Vêm dos morangos, alguns deles. O que penso da série? No meu tempo julgo que era diferente, até um pouco ingénua no que pretendia mostrar. Hoje é um pouco mais ousada ou precoce!”, assinala.
De tudo o que fez, e quer fazer, uma linha indivisível entre a personalidade e as várias personagens às quais deu vida e de quem se mais tarde ou mais cedo se despediu. “A emoção. Para mim é o sentido máximo. Gosto que as circunstâncias mexam com as minhas emoções, mexam comigo. Eu trabalho com emoções e tenho de exercitá-las”.


Limites por descobrir

Aos vinte e três anos, Joana assume que gosta de cantar e escrever “só” para si, que é extremamente pontual, apesar de não ser muito “dada” a regras e que procura ainda os seus limites. “Tenho-os, claro! Por exemplo, não faria nunca em televisão um nu integral, mas se calhar no cinema, bem conversado, com bom gosto, não teria problemas!”
A sua relação com o humor é genética, ou profissional? “Gosto do género, já fiz alguns papéis nessa área, mas prefiro outros que me dêem mais trabalho de composição, que me obriguem a ter de andar atenta, como faço às vezes no eléctrico, para ver o que as pessoas dizem, as expressões que utilizam. Mas trabalho também muito com fotografias, com recortes de jornal onde vejo por exemplo olhares que me marcam e que procuro depois incutir na personagem que estou a construir. O meu quarto está cheio de recortes!”
É ainda hoje, a falta de cor nas pessoas que mais a incomoda. “O cinzento fica mal às pessoas, tento não ser assim! A vida vai-se apresentando e eu vou gostando”.


Outra margem

“Tenho um dia a dia estranho, não é muito normal. Acho que tenho mais actividade nas férias do que propriamente durante a maior parte do tempo sabe?!”. Companhia inseparável, o seu cão Che, que anda sempre consigo no carro, mesmo para as gravações. “Ele gosta, e também há outros actores que têm cães, como o Ruy e Carvalho, ou a patrícia Bull que também os trazem”.
Gosta de viajar, sempre o fez desde pequena. “A experiência mais marcante?! Hum... Uma viagem que fiz ao Senegal, há uns anos já... Mudou-me por dentro, levei um estalo. Achava-me livre antes disso, que sabia ler um olhar, pensava que tinha noções exactas sobre muitas coisas, uma série de certezas, isso mudou em mim! Não fiquei num resort, suguei a realidade, aquela que a televisão não consegue mostrar normalmente e que existe, infelizmente, em muitos lugares. Quando regressei cheguei à conclusão de que nada sabia!”.
Por ter sido educada entre Portugal e o Brasil, mistura ainda um pouco ambos os portugueses. “Tive uma infância diferente de muitos dos meus amigos de liceu, porque andava cá e lá. Nunca vi a Guerra das Estrelas por exemplo, mas vi coisas que lá eram famosas para os miúdos da minha idade e que cá também ninguém conhecia por causa da tradução diferente. Fartava-me de ser gozada”.
Belém. O Tejo, paisagem visual com a qual convive desde os tempos em que viveu em Cascais, ainda criança. É ainda por aqui que se procura e encontra, quando tem um pouco mais de tempo, para si, e para os amigos. “Normalmente almoço por aqui no A Margem, gosto do sitio, é calmo, tem a ver comigo, sinto-me serena”, explica, enquanto bebe um sumo de laranja e contempla os reflexos de nuvens passageiras espalhadas pela foz. “Gostava de descobrir o segredo da estabilidade emocional”, revela.
Quando era pequena gostava de ser Julieta. “Agora gosto de mudar de universos mas gradualmente porque não quero levar coisas más para casa, é preciso ter as emoções bem arrumadas...”. Sorri, e pausa o discurso. “Há um processo para isto, que muda de personagem para personagem, mas por vezes é mais complicado. Daqui a uns anos gostava de fazer cinema, ainda não consegui. Até lá gostava de melhorar, aprender a fazer coisas em que acredito”.

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