julho 08, 2008

Pública: Um dia com... José Sá Fernandes

“É possível mudar Lisboa”

“Vamos fazer!”. É talvez a expressão que mais lhe sai ao longo do dia. “Sempre achei que era isso que faltava bastante na política, o vamos em vez do prometemos ir”.


Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia Moreira


Nove horas da manhã, Câmara Municipal de Lisboa. O actual Vereador do Ambiente e Espaços Verdes já anda de um lado para o outro, de papéis na mão, em reuniões, a preparar projectos, a ter ideias que vai discutindo apaixonadamente com a sua equipa. “Gosto de começar cedo, há muita coisa para fazer nesta cidade”, explica. O telefone toca, uma constante ao longo do dia, porventura o mais visível sinónimo das mudanças na vida de alguém que até há dois anos se recusava a ter sequer um telemóvel e fumava três maços de tabaco por dia. “Deixei de fumar este ano, estou a fazer uma dieta rigorosa...quanto ao telemóvel, fui apanhado pelo progresso”, humoriza.


Novos caminhos
Aos 50 anos, José Sá Fernandes revela uma única ambição.”Viver numa cidade porreira”, vai dizendo. A linguagem acessível mantém-se uma característica sua, muito distante dos termos herméticos utilizados habitualmente na política, faz-se perceber, gosta de se sentir entendido por todos. Dos tempos em que se tornou conhecido por defender interesses comuns a Lisboa e aos seus cidadãos, guarda os amigos, os conhecidos, as muitas vitórias e as poucas derrotas sofridas em Tribunal. Subscreveu dezenas de processos judiciais destinados a impedir auto-estradas, túneis, elevadores e parques de estacionamento, preservar o património arquitectónico ou simplesmente “devolver à cidade um determinado edifício ou paisagem, entregá-la ao livre usufruto dos lisboetas. Hoje em dia ainda o faço, ainda ajudo as pessoas sempre que posso, sinto-me bem a fazê-lo”.
Depois da reunião do gabinete do Bloco de Esquerda na Câmara, um passeio pela cidade.
“Todos os dias faço caminhadas, para conhecer lugares ou para os rever, e poder ir percebendo o que é preciso mudar, remodelar, fazer de novo”.
Saímos em direcção a Santa Catarina. Entre todos os outros projectos que tem para a capital, enquadrados nas propostas de melhoria da mobilidade que vem apresentando desde que assumiu o pelouro há nove meses, a criação de ciclovias e percursos pedonais dentro da cidade é dos que lhe dá mais “gozo”. “Hoje vamos aqui do Museu de Geologia até Santa Catarina descobrir novos caminhos para a cidade. Ontem fizemo-lo ali do outro lado, perto do Atheneu, descobrimos lugares sensacionais”, conta com entusiasmo.
João Castro, chefe de departamento de estudos e projectos da Câmara, responsável pelos espaços públicos da cidade, acompanha-nos. “Olhe ali arquitecto, podemos deitar este muro abaixo, abrir aquele portão, pavimentar isto, ajardinar aquilo e já está”. José vê percursos, onde não se consegue observar mais do que mato urbano e portas abertas, onde elas ainda nem sequer foram ainda construídas. “Temos uma realidade, falta de dinheiro e muitas destas coisas, que podem devolver vida à cidade, trazer gente para estas zonas não custam muito a fazer, nem dão muito trabalho, é só conhecer a realidade. Esta será uma revolução porque permitirá às pessoas usufruir de espaços lindíssimos que lhes pertencem mas lhes estão vedados”, explica.
Por entre abraços e sorrisos que vai distribuindo na rua, a maioria sentidos, as pessoas reconhecem-no. Umas da televisão, outras mais de perto. “Olhó Zé” diz uma senhora, depois um jovem, e outro, outro... Parece que gosta. “Uns tratam-me por vereador, outros por Zé, agrada-me isso, que as pessoas percebam que sou igual a elas, sempre fui, que estou perto, que ando a pé, que percebo os problemas delas, que acabam por ser os de todos nós que vivemos esta cidade”, vai dizendo, enquanto coloca o braço por cima de uma senhora que faz questão de o cumprimentar.


Encontro inesperado
José Sá Fernandes tem uma predilecção especial pela Natureza e pela beleza natural das coisas que se vai notando pelo olhar que lhes dedica. Durante anos plantou árvores às escondidas, sempre que nascia um filho de um amigo. Sorri. “Ainda hoje o faço, e até lhe posso dizer que em todas as entradas de Lisboa há uma árvore minha, para me dar as boas vindas sempre que entro na cidade”.
Hora de almoço. A dieta que começou há poucos dias impede-o de saborear plenamente os sabores da mesa, mas arranja alternativa, uma tarefa na qual se revela um verdadeiro especialista. “Gosto de almoçar depois destes passeios, sabe melhor”, deixa escapar. Costuma escolher o restaurante de acordo com o que de melhor tiver. “Se quiser bacalhau vou a um, um bom bife, a melhor sopa, ou a mais saborosa sandes de carne, vou a outro”.
Na mesa ao lado almoça Francisco Nunes Correia, ministro do Ambiente. Trocam breves impressões de circunstância, mas não deixa de lhe contar o que pretende fazer naquela zona, em que até fica o Ministério do Ambiente, por onde passará o percurso pedonal, e cujas traseiras se encontram num estado lastimável. “Boa ideia”, responde o ministro.
Um café, e um apetite que não dá para satisfazer. “Um cigarro é que me apetecia agora”, lamenta, sentindo o odor aos fumos que ainda pairam, tentadores, na entrada do restaurante. Toma mais uma das pastilhas de nicotina que andam sempre consigo no bolso do casaco, que vai mascando ao longo do dia, para fazer amainar o vício. Hora de regressar à Câmara. Descemos a Calçada do Combro, atravessamos o Largo Camões em direcção ao Chiado. Está sempre atento aos pormenores errados a carecer de reparação. “Aqui vamos colocar um quiosque, ali mais à frente aquele jardim vai ser recuperado e depois ali aquele edifício, que horror... Vamos tratar disso”.


Lisboa em mudanças
Lisboeta convicto desde pequeno, José Paixão Moreira Sá Fernandes nasceu a 15 de Abril de 1948 e cresceu na Avenida de Roma, próximo de Alvalade. Benfiquista convicto com uma predilecção pelos clubes de bairro, amante do rock e do jazz, gosta de Portyshead, Morphine e Swell mas já não vai muito a grandes concertos. “Estou a ficar velhote para isso, o que se vê até pelos gostos! Não sei muito bem o que há de bom agora”, graceja em forma de pergunta. Prefere cinema, ou o teatro, acompanhado da filha de 14 anos. Trata a cidade por tu, e conhece quase todas as ruas pelos nomes que vai indicando ao motorista da viatura da Câmara. “Tenho o hábito de indicar caminhos, porque conheço muito bem a cidade, cresci aqui”.
De novas ciclovias e jardins públicos, concessões de quiosques e esplanadas se vai falando. O entusiasmo mantém-se. “Este é o desafio da minha vida, sabe? Quando aceitei isto foi com o intuito de poder de facto fazer alguma coisa, mudar uma Lisboa que estava num estado lastimável quando chegámos”. Se há dez anos não esperava chegar onde chegou, daqui a outros tantos, deseja apenas “ter orgulho naquilo que eu e a minha equipa fizemos!”.
Mais tarde, o encontro com Roberta Medina, por causa de mais uma iniciativa no âmbito do Rock in Rio, esta relacionada com a utilização de energias renováveis nas escolas da cidade. “Tem sido bom para Lisboa o festival. Em 2010 será o último, depois, não sei, mas ficava bem ali na zona a seguir à antiga Expo, um Rockódromo onde se pudesse também colocar a Feira Popular que deixou de existir e que faz muita falta”, revela.


O outro lado

Ainda na zona Oriental de Lisboa, e depois das fotos, das declarações de ocasião e dos cumprimentos da praxe, sabe que tem ainda hoje de passar pela Assembleia Municipal, regressar à Câmara para assinar uns despachos e atender mais umas quantas chamadas telefónicas. Pelo meio ainda vai dando instruções ao motorista. “Vá pela esquerda que é mais perto, confie em mim!”.
“Já vai longo o dia não é?! E este ainda é dos mais curtos”, sorri. “Se pensava que ia ser assim? Claro, tinha uma noção clara de tudo isto embora confesse que não tenho muita paciência para certas reuniões da Assembleia ou da Câmara, porque gosto mesmo é de ser prático e de resolver as coisas e não de estar com conversas que não acrescentam nada”, confessa, afastando o medo de se tornar politicamente correcto. “Não, eu serei sempre apenas correcto”, lança com humor afiado, um pouco antes de sentar para começar a jantar com a sua filha. “Chegou agora o momento familiar”. Altura de o dia político acabar, e começar no papel de pai, o dia familiar.

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