agosto 03, 2010

Máscaras Improváveis - Pública : Nuno da Câmara Pereira

O Rei do Bairro 


Fadista, engenheiro agrónomo, líder de um partido monárquico, piloto de ultra-leves e mais algumas coisas que estarão por descobrir, até por ele próprio...

Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Rúben de Melo Moreira


Conceito. Transformar algo sério, em qualquer coisa de leve, suavizar, uma luta de adultos como a que se desencadeou entre o Partido Popular Monárquico e a Casa de Bragança, pelo verdadeiro direito à posse do trono português, em algo com que todas as crianças sonham. Reis, rainhas, e disputas pelo trono, contos de encantar, que no mundo dos “grandes” são causas reais, assuntos de Estado, coisas reais, que não se contam em histórias desenhadas, apenas em documentos e manuais de história com letras pesadas e palavras demasiado compridas que os mais pequenos ainda não aprenderam. “Esta é a obra de que mais me orgulho”.
Na Associação Socorro e Amparo, em Carnide, Lisboa, Nuno da Câmara Pereira cumpre há década e meia, um outro papel, desconhecido da maioria das pessoas, o de director de uma instituição de cariz social que acolhe cerca de cem crianças, das mais variadas proveniências. O cenário está assim montado, o movimento, o som, e as restantes dimensões são-lhe atribuídas pelos mais pequenos. Desenham-lhe uma coroa em papel, e outros rascunhos que ostentam com a nobreza das grandes obras. “Fui eu que fiz”. Os traços que não levam a mais do que a esboços livres de imaginação solta, multiplicam-se à velocidade que os lápis de cera se vão desgastando no papel. Os desenhos, colados a fita-cola, farão o manto real, que cobrirá o rei desta história.
“Olhe que em trinta anos de carreira, nunca fiz nada de tão maluco como isto! Sabe que o meu filho é que se costuma vestir com estas roupas, ténis brilhantes, calças largas… Quem diria que também eu iria por este caminho”.

Auto-retrato. Sentado na poltrona de veludo escarlate, trono real de ocasião, enquanto a maquilhagem lhe vai aprimorando os traços do rosto, releva ele próprio, as matrizes de quem é, visto por dentro. “Sou um arlequim de mil caras… Sou uma contradição, sou inconstante, próprio e impróprio, sou alguém recto, íntegro e honesto! E não quero ser anjo nenhum, que não sou, quero viver sim, o meu estado de alma”.
A câmara começa a disparar, captando fragmentos se um momento que se torna único e indivisível. A luz semicerra-se. O som das gargalhadas esvoaçantes pela sala mistura-se com o fascínio dos olhares que se levantam e entrecruzam, em busca dos milhares de fragmentos de maquilhagem dourada que sopra para a atmosfera, e que aterram sobre as cabeças curiosas e inquietas, cuja imaginação transforma de imediato no fascínio do outro puro. “É ouro, é ouro”, exclamam os miúdos enquanto o rodeiam, em busca do segredo do pó amarelo, arruinando o alinhamento da imagem, reconstruindo um outro, bastante mais cativante. Imagens para a posteridade, como rei de brincar que se prepara para contar uma história de encantar, que não tem medo de brincar também ele com os assuntos, por mais sérios que o sejam. “Desde pequeno que lido com este tema da monarquia, é algo que me diz muito. Creio que estávamos melhor servidos nesse sistema, seríamos um melhor país. Não encomendo discursos a ninguém, mas também levo a vida com leveza, sem me levar demasiado a sério, é esse o segredo para mim, por isso é que consigo fazer tantas coisas ao mesmo tempo”.
Máscaras improváveis. “Eu não uso máscara nenhuma, sou sempre eu próprio! O que sou, é versátil na forma de me trajar para os outros, mas só visto aquilo que me diz respeito… Não sou nenhum feijão de duas caras”.
Política, engenharia, pilotagem de ultra-leves, acção social, e fado, claro… Vestes diversas e improváveis então, com que se apresenta perante si, perante os outros. “Não é difícil, desde que haja dedicação, organização e sacrifício. Se tenho tempo para ainda ser rei? Nunca me afirmei como pretendente ao trono, apesar de saber que tinha direito a isso. Vejo-me mais como o condestável Nuno Álvares Pereira que deu o trono ao Mestre de Avis… Depois, bem, sigo com a minha vida com a noção de dever cumprido e descubro mais qualquer coisa que goste de fazer”.

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