dezembro 13, 2010

Focus: Clara de Sousa


                                                                                                                                “Sou uma mulher muito positiva”

Jornalista por “vocação”, ou por ocasião de um destino que não programa, e gosta de deixar acontecer, ao sabor de um e outro acaso que se sucedem… “Pouco premeditados”, como gosta de dizer, de viver, solta, ao sabor do momento, “mas sempre bem preparada para ele”. Depois, as paixões várias, pela profissão, pela família, pelas motorizadas, pela cozinha até, no desvelar de um outro lado surpreendente, traços pouco conhecidos de um retrato fiel da mulher que dista para lá da voz personalizada, do olhar seguro, da espontaneidade contida. Das fortalezas múltiplas às fraquezas “humanas” que admite sem complexos, relega-as no entanto, em espera, à porta do estúdio, sempre que a luz vermelha se acende, e a informação começa, na janela que passa o mundo em notícia.


Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira





Como se caracteriza enquanto mulher, para lá da profissional, que é conhecida de todos?
Tenho uma característica forte, nunca olho muito para a frente, não sou de traçar grandes objectivos, deixo as coisas irem acontecendo com o tempo. Costumo dizer que nunca me coloquei perante o destino! A minha preocupação é o presente, para fazer bem o que tenho de fazer hoje. Quanto ao amanhã, será melhor, se o dia de hoje, correr bem, depois, logo se vê…

Estando diariamente, e há vários anos a apresentar o Jornal da Noite, da SIC, não tem saudades de sair do estúdio?
Fiz muita reportagem em rádio, depois na televisão… A rua não me faz muita falta! Gosto muito de fazer entrevistas, grandes debates políticos, não tenho muita necessidade de ar fresco, essa fase de aprendizagem, de ganhar calo, já a passei. Mas também digo que em jornalismo não há nada que não goste de fazer!

Tem alguém que gostasse de entrevistar…uma espécie de entrevistado utópico, digamos assim?
Todos temos… Lembro-me que tinha um sim, há uns anos, que era o Xanana Gusmão!

Normalmente as expectativas criadas não correspondem à concretização real, não concorda?
Isso é uma rasteira… (sorri) Mas sobre a dimensão humana não fiquei nada desiludida, pelo contrário!



Aparenta sempre uma segurança, quase suprema…
A segurança profissional é baseada numa única coisa, na devida preparação. Mas sim, é uma característica muito minha! Nervosa quase nunca estou, posso é ficar irritada principalmente com figuras da política, quando se entram em subterfúgios e se tenta escapar à frontalidade! Mas há formas de contrariar isso, embora nem sempre se consiga. Mas é normal, a política é um jogo, e devemos saber jogá-lo, de acordo com as regras da nossa profissão, e sabendo que por vezes, o interesse de quem temos à frente, é muito diferente do nosso, e do espectador.

Como é que é a sua rotina habitual?
A de uma pessoa normal que trabalha, vai para casa… Isto claro, quando não acontece nenhum facto de relevo, que nos altera a rotina toda! Mas seria terrível se isto fosse uma profissão das nove às cinco!

E como vê a profissão, hoje em dia?
Acho que é isso, uma profissão, e não uma actividade, como lhe chamam muito ultimamente, problema que começa nas universidades, na falta de formação que existe! Mas no meio, em si, penso que deve haver lugar para tudo, sem complexos, para um acidente, para uma criança que foi tirada à mãe, para o Cristiano Ronaldo, para o que for notícia! As pessoas devem ter o livre arbítrio de verem o que querem, serem consumidores de informação, sim, porque não?! Um consumidor é alguém que tem liberdade de opção, e isso não é mau, muito pelo contrário!

Mas o que me parece que se passa hoje, creio que tem a ver com a diversidade da opção… Não estará toda a informação a divergir para uma mesma tendência?
Concordo, mas ao nível da programação, não ao nível da informação, aí acho que há diversidade para todos os gostos e tendências. Agora é claro que está tudo em evolução, as linguagens alteram-se… Se pensar que há quinze anos nem sequer se utilizavam telemóveis quase… Por aqui vê-se a rapidez com que as coisas funcionam hoje em dia, a informação, a forma como é feita, a sua essência mudou profundamente, e isso mudou-nos a também a nós, primeiro como pessoas, depois enquanto jornalistas. Dificilmente voltaremos a ver noticiários como há vinte anos, nem no ritmo, nem na apresentação, ou no cenário

Voltando um pouco atrás na sua vida… Podia ter sido professora de inglês, mas preferiu o jornalismo. Porquê?
Acho que nem se colocou um dilema sabe?! Naturalmente a minha experiência diária na rádio fazia muito mais sentido do que o curso superior que estava a tirar. O único dilema que de facto tive na altura foi decidir se desistia do curso ou não! E com vinte anos é muito fácil tomarmos más opções, mas felizmente optei pelo que considero ser o mais certo.

Ainda se lembra do seu primeiro noticiário?
Lembro-me como se fosse hoje… Estávamos todos muito ansiosos, a redacção, na Avenida de Berna, estava cheia de colegas de outras televisões, rádios e jornais. Lembro-me que a repórter da SIC me levou um ramo de flores a desejar boa sorte. Os meus directores preferiram não arriscar nessa noite de 20 de Fevereiro de 1993, sobretudo porque receavam que ocorresse algum problema técnico, e decidiram gravar o noticiário meia hora antes.

Como encara o facto de ser a única jornalista portuguesa que foi pivô dos três principais canais portugueses?!
Encaro esse percurso com naturalidade, como lhe dizia. Não é nenhuma bandeira que abane de vez em quando para me vangloriar ou que faça com que me sinta mais do que os outros. Foram fases da minha vida profissional que surgiram como reconhecimento pelo meu trabalho, e sempre sem grandes planeamentos de carreira, de futuro.
Sem dúvida que o facto de ter trabalhado nos principais noticiários dos três canais me deu acesso a diferentes métodos de trabalho, diferentes abordagens de alinhamento e diferentes opções editoriais. Enriqueceu-me muito, pessoal e profissionalmente!

Como vê o aparecimento dos outros canais de notícias, no seguimento da criação da SIC Notícias?
Acho sinceramente que a SIC Noticias é a melhor, até por uma questão de maturidade do próprio canal, enquanto a TVI24 é ainda uma mescla, que leva oito anos de atraso em relação a nós, que já funcionamos enquanto uma máquina em movimento. Já a RTPN acho que está a evoluir bastante!



Sente algum tipo de nostalgia, quando recorda os seus primeiros tempos de SIC Notícias?
Tenho, claro que sim, porque era um novo canal, novos métodos, uma ideia inovadora em Portugal, construída com base em gente nova, ambiciosa, que queria trabalhar com qualidade. Mas foi uma fase de um ritmo frenético, cheguei a ficar disléxica, imagine… Eram três horas de emissão diária, estava de rastos!

Onde é que estaria, daqui a dez anos?
Não tenho esse hábito, como lhe dizia, de antecipar o futuro! Mas… abrir um restaurante, parece-me bem! (dá uma gargalhada)

Num qualquer paraíso tropical, à beira mar plantado calculo…
Não, eu não gosto de praia, é aborrecida! Fico uma hora na praia e tenho de me ir embora, sabe?! A praia para mim, mesmo com amigos e com um bom livro, não dá, a água é gelada, há muita gente, muita areia, muito sol, pouca sombra… (sorri)
Sou mais de campo, de um grande pinhal, apesar de não conseguir estar muito tempo longe da civilização…

Precisa de ter sempre acesso à “civilização”, como lhe chama?
Tenho sempre o telefone ligado, mas não é por questões profissionais, mas sim porque gosto de estar, mesmo ausente, ao alcance de quem precisar de mim!

Foi bastante criticada quando participou num reality show, por, ao ser jornalista, participar num programa com esse formato. Acabou por se tornar também mais exposta à imprensa cor-de-rosa… Lidou bem com isso?
Não me expôs, porque já o estava! Apresentava o Jornal da Noite já na altura, e essa exposição mais mediática até se tinha iniciado à época do meu divórcio, e mesmo isso também só aconteceu porque o Francisco (Penim) era o director desta casa. Se fosse um ´Zé Ninguém`, não se tinha falado em nada. Mas quanto à Família Superstar, voltaria a fazê-la, sem dúvida!

Mesmo apesar de tudo o que se disse na altura?
O Mário (Crespo) costuma dizer, e com razão que a nossa classe se deve preocupar mais em ser séria, do que em se levar a sério. Essa coisa dos senhores jornalistas que não partem um prato, que são muito sérios… Por favor! A questão aqui, é que a minha presença no programa, não muda, ou não deve mudar em nada, o respeito que eu mereço dos telespectadores! O meu único limite é o ridículo. Fora isso, acho que o preconceito não está previsto no código deontológico dos jornalistas. Não gosto da palavra figura pública, mas sou alguém que é reconhecida publicamente, e isso acaba por poder dar lógica a uma participação esporádica num formato como aqueles.

Mas pensou em tudo isso, na altura?
Claro que sim, mas não olho para mim de forma redutora… Acho que devo e posso fazer outras coisas, sem que isso me diminua profissionalmente! Cheguei a vencer uma noite de fados académica, punha discos na rádio… Disse-lhe estas coisas, porque fazem parte de mim, apesar de estarem distantes no tempo, mas contudo constituírem-se como partes do que sou. Estamos num país onde me parece que até se pode fazer tudo, desde que não se saiba, e eu conheço muito boa gente muito bem colocado profissionalmente, que tem esquemas, subterfúgios, esses sim bastante graves!

Então?
Eu vejo jornalistas com esquemas com marcas de carros, outros a irem a lançamentos de marcas, ou com relações muito estranhas com o poder político, e está tudo bem, ninguém diz nada! E depois vai condenar-se a minha participação naquele programa?! Mas contra o preconceito, eu posso bem. Se consegui ou não, espero que sim. Agora a Clara que faz todos os dias as notícias, continua a fazê-lo com um sentido de responsabilidade cada vez maior.

Como lida com esse facto de ser figura pública, de que falava há pouco?
Lido bem, é um fenómeno que vem de estar em casa das pessoas todos os dias. Olham para mim como se me conhecessem, mas nós apenas vemos a câmara à frente, o que é estranho... Mas acabamos por nos habituarmos a conhecermos muito menos gente, do que aquela que nos conhece a nós.

E as revistas sociais, incomodam-na?
Se me perguntar se fico incomodada com as mentiras que se escreveram em relação a mim e à minha família, e ao interesse desproporcionado em relação a mim, desde o meu divórcio, digo que sim, claro. Ninguém gosta que se inventem coisas sobre a sua vida. Por vezes tinha vontade de ter umas reacções mais… proporcionadas! (sorri) Penso que devia haver um outro sentido de responsabilidade, para que não entremos numa sociedade Big Brother que acha que se pode ir até à cama das pessoas!

Fale-me dessa sua paixão pela Vespa. Não a imaginava a andar por aí de motorizada…
Então porquê?! E em primeiro lugar, a Vespa não é uma motorizada, é ´A` motorizada, representa uma atitude de prazer! É uma paixão que tenho desde miúda, comecei com a do meu pai, e sempre fui tendo uma. Sabe que até há bem pouco tempo vinha trabalhar na minha Vespa, e não há fim-de-semana em que esteja bom tempo em que não vá dar umas voltas pela serra de Sintra, sentir a brisa na cara, e olhar a paisagem, é tão bom!





Tem outros hobby que não dispenses, para além da Vespa?
Sim, claro… A jardinagem, a bricolage e a cozinha, que talvez seja o maior de todos, o cúmulo da libertação das ´neuras` que todos temos… Acalma-me por vezes aquela vontade de querer estar sempre a par de tudo, de ir à Internet, ao mail ou ao telefone. São pequenos escapes essenciais para manter a força de querer continuar…

Não me diga que também é uma aficionada da Bimby…
(Solta uma gargalhada) Tenho uma, mas não ocupa o lugar central na minha cozinha, gosto de meter as mãos na massa! Sabe, aprendi a olhar a minha mãe, e a felicidade que ela criava através da comida, das relações que se estabelecem na cozinha, as conversas, os amigos, aquele olhar, os aromas, coisas tão verdadeiras…

Jornalista de topo, profissional de mão cheia, mulher de múltiplos ofícios… E como mãe, como se vê?

As minhas origens familiares são muito pobres, os meus avós passaram por grandes dificuldades a seguir ao 25 de Abril. Via a minha avó, a minha mãe durante esses períodos a nunca apresentarem qualquer sinal de queixume, em tempos que eram realmente muito difíceis! Foram exemplo para mim, do que querer, do que procurar, do que valorizar, e relegar para segundo plano. E com os meus filhos tento passar-lhes isso também, procuro que eles não tenham tudo o que querem, que dêem valor ao que têm, que dispensem o supérfluo e pensem naqueles que não o podem ter.

A sua voz distingue-a…
Engraçado isso… Foi amadurecendo sabe, por vezes reconhecem-me melhor pela voz, que pelo rosto! Noutras ocasiões, acham-me mais simpática que na televisão, o que mudou um pouco depois da Família Superstar, em que notei que as pessoas na rua se começaram a aproximar mais de mim… Isto apesar de nunca me ter achado fria a apresentar as notícias, simplesmente encaro-as com seriedade.

E como lida com essa aproximação?
Com alguma timidez, e com um obrigado!

Não a tinha como uma mulher tímida…
E não sou, mas sou humilde! (sorri)

E romântica?
Sou, claro que sim, sou uma mulher muito positiva. Para mim, só faz sentido estar numa relação se for para construir um projecto de vida, se houver alguma perspectiva de futuro. Sou casada com um homem alguns anos mais novo do que eu… Há quem se questione sobre isso, eu própria o fiz, mas o que sei, é que na vida, com o passar do tempo, dos anos, começamos a perceber certas coisas, as mais importantes de uma forma muito mais rápida, mais simples, do que quando somos mais novos, em que nos dispersamos mais. E olhe que não sou nada impulsiva!

E é de facto assim, tão segura de si mesma como aparenta ser?
Sou uma pessoa, tenho momentos bons, e maus, mas considero-me uma mulher forte,
que como toda a gente, tem alguns momentos de fraqueza!

Nunca lhe disseram que essa segurança, pode ser algo intimidatória?
(sorri) Acaba por ser uma boa forma de selecção das pessoas que me rodeiam!

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