dezembro 13, 2010

Notícias Sábado: Fernando Nobre



“Ficar de braços cruzados, não é uma atitude que seja própria do meu carácter!” 




O homem que “um dia” sonhou com um mundo melhor, criou a Assistência Médica Internacional para continuar a sonhar, e foi para os confins da Terra para o poder concretizar, quer agora também, mudar Portugal.
Haverão pessoas a quem o nome, define a personalidade, por uma ou outra razão do destino, por sorte, vá-se lá saber porquê. Fernando, Nobre, de apelido, será uma delas, assim o conta o seu trajecto de vida, o seu papel no mundo, dessa forma o recordam as suas acções de vida.
Médico do mundo, escritor, sonhador, realista… Conhecedor, como poucos, das maleitas do planeta, procurou curá-las, repará-las, minorá-las, ao longo dos anos, numa luta “devastadoramente desigual”, com sacrifício, entrega, paixão. “Desiludido? Não, porque não há tempo para isso, enquanto morrem pessoas de fome neste momento”.
Aos 58 anos, Fernando Nobre, abraça, inesperadamente, uma outra causa. As motivações não lhe advêm de um grande terramoto, da explosiva erupção de um vulcão, de uma devastadora guerra civil. Não há mortos nem feridos, nem crianças subnutridas de barriga dilatada pela fome, antes, “um povo triste e resignado com os políticos que teve ao longo dos últimos anos”, e ao qual se propõe, sempre com a palavra “humildade”, em sentido expresso e sentido, “a ajudar a devolver-lhe a esperança, em si próprios, no seu destino, e no país”.

Texto
Pedro Cativelos Coimbra do Amaral
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira

É um homem conhecido de todos, pelo seu papel de médico, de fundador da AMI, de alguém que dedicou a sua vida a causas verdadeiramente maiores. Não o esperava entrevistar enquanto alguém que se intromete na luta política, nem tão bem como candidato à Presidência da República…
Foi uma opção pessoal, de consciência! Embora possa parecer fora do tempo, o que lhe vou dizer, também o faço por patriotismo…

Porque utilizou a expressão “fora do tempo”?
Porque hoje em dia, no nosso país, quem utiliza a palavra Pátria, quem canta o hino nacional, quem se emociona quando o ouve, quase que parece um reaccionário, e para mim não é assim, porque eu fui educado nesses valores intemporais.

Regressando às razões da sua candidatura…
Em termos de política nacional, eu não pertenço a nenhum partido político, e o cargo de Presidente da República deve ter a ver com isso, deve ser algo aberto aos cidadãos apartidários. O último ano e meio, levou-me a reflectir muito sobre o estado do país, e em relação ao papel que eu poderia ter nas mudanças que acredito serem necessárias. Eu escrevi que o Presidente, no respeito integral da constituição, tem capacidade de incentivar, intervir e alentar um povo que quanto a mim está deprimido e desmotivado. E eu, se fui alguma coisa ao longo da minha vida, fui isso mesmo! Tenho uma visão abrangente do mundo, conheço bem a situação social do país, tenho, com toda a humildade, uma mundi-vivência, uma multi-culturalidade, uma multi-racialidade, uma lusitanidade, que podem ser úteis nestes combates. Entendo ser este o meu dever para com o meu país!

Falou-me em depressão dos portugueses, maleita que por vezes se associa a uma tendência, digamos que congénita do próprio povo…Pressente-se hoje, uma desilusão, um pessimismo generalizado, porventura também associado ao papel dos políticos, entende-o assim, também?
Quando leio os textos do Guerra Junqueiro, do Ramalho Ortigão…

…Parece que nada mudou, os estereótipos adequam-se na perfeição àquele, e ao nosso tempo?
Sim, de facto! Estamos de novo na geração dos desiludidos, dos vencidos da vida que se ficam nos cabos das tormentas, sem esperança. Custa-me tomar por perdida esta geração, e não é assim, não o deve ser, nem está! A situação económica, a situação social, até uma certa perda de valores, faz com que observe o cargo do Presidente da Republica, como algo que é fundamental nos tempos que vivemos, e o que se tem de pedir a alguém que ocupe esse cargo, é um esforço colossal para que todas estas pontas, voltem a estar unidas.

Não tem receio de perder um pouco daquela aura que o seu nome e a sua obra suscita dentro de todos os que o conhecem?
Esse é o grande risco que decidi assumir sabe?! Mas acho que o país a isso me impele, e eu acredito nisso! Tenho um projecto para Portugal, até um projecto moral, mas de facto seria mais fácil para mim manter-me no trajecto que vinha percorrendo. Irei prossegui-lo se não chegar à Presidência, com a mesma garra, paixão e amor. Agora é evidente, que me pus à chuva, e vou-me molhar, mas estou preparado para tudo. Espero é que esta luta que se avizinha, seja acima de tudo um debate de ideias e projectos para o futuro do nosso país, e não se limite a ataques pessoais.



Em relação a esses ataques… Chegaram a por em causa a sua nacionalidade, uma vez que nasceu em Luanda, houve depois algumas interpretações de declarações suas, tomadas enquanto “indirectas” para Manuel Alegre…
Mas eu não sou dessas coisas, até me senti mal com isso e lamento que se façam essas considerações a meu respeito… Numa das entrevistas, deu-se a entender que me tinha referido a Manuel Alegre com interpretações sobre o que tinha querido dizer… Mas não é nada disso! Ele tem todo o meu respeito, e como lhe dizia, não entro por aí! E é precisamente contra isso que quero lutar, porque política, não é isso, são ideias, são debates, é estarmos juntos, nas nossas diferenças, para chegar e levar o país para um lugar melhor. Quanto a ser português… Isso é uma ofensa, um insulto que me fazem, e que me toca, profundamente… E espero que não se volte a falar nisso!

Qual é o seu sonho para Portugal?
Quero ver de novo um país, em que somos líderes, não como já fomos noutros tempos, mas em certos nichos, como o das energias renováveis, por exemplo. E depois, fazer reerguer um povo que tem qualidades ímpares, afirmativo, combativo, criativo, empreendedor e crente nas suas potencialidades e capacidades. Choca-me, quando se fala em união com Espanha, quando se intenta um país Ibérico, como se a nossa História, os nossos antepassados não tivessem existido... Depois, uma Justiça célere, igual para todos. E escutar as pessoas, sempre, porque o povo não é nenhuma carneirada que só vai às urnas de quatro em quatro anos, e Portugal só tem a ganhar em ouvir as suas gentes mais vezes. É isso que farei quando for Presidente, irei percorrer o país de lés a lés, ouvir as pessoas, novos e velhos, do interior e do litoral, ricos e pobres!

Há muitos políticos que o fazem, apenas em campanha…
Eu sei, e esse é o problema, porque levou as pessoas a acharem-se instrumentalizadas por eles. Fá-lo-ei, porque acredito ser essa, a melhor forma de as servir, ao longo do mandato. Sabe, eu ainda há uns dias falava num congresso para economistas, e dizia que deveríamos falar frontalmente às pessoas, dizer-lhes a nossa verdade, concretamente, para não deixar dúvidas, em português entendível para todos! Isso é outro dos grandes problemas dos actores da nossa política.

A questão política, e num sistema balizado por esquerda e direita, e por partidos inseridos no centro desse paradigma é algo de que parece querer desenquadrar-se… Porquê?
Esse dilema ideológico, quanto a mim, está a ser ultrapassado pela realidade, e isso constata-se, um pouco por todo o mundo. No contexto global, surge um novo paradigma das relações humanas, das ideologias, que fogem um pouco da esquerda, da direita e se orientam em relação a outro tipo de valores humanos, as noções de dever que todos devemos ter, dos direitos que devemos cumprir, a honra, o bem-estar do próximo… Eu tenho amigos em todos os quadrantes políticos, consigo ver qualidades, boas ideias, em todas as ideologias. Não me tentem empurrar para o campo dos partidos porque eu não vou! Só vou para onde quero ir, e não serei prisioneiro de nenhum partido, porque o que me motiva para isto, é o país, são as pessoas, é a causa, e não as lutas partidárias.

Preconiza então uma nova, pelo menos em Portugal, versão da política, sem esquerda nem direita, recuando um pouco à génese do que deveria ser o combate político, o bem comum?
Costuma dizer-se que a medicina é a profissão mais recompensadora do mundo, porque cura as pessoas… Mas eu, sempre retorqui dizendo que a gestão da rés publica, a gestão dos destinos de um povo, de uma nação, essa sim, é a actividade com mais responsabilidade, com mais importância, a mais nobre de todas as acções desempenhadas pelo Homem. É também por isso que quero fazê-lo, porque acho que se foram deixando esquecer estas coisas, estes valores humanísticos profundos, essenciais. Levarei comigo para a Presidência da República esse espírito, e pode ter a certeza de que não irei amarrado a partidos, não me enfeudo a nenhum deles. Sou antes de mais, isso sim, um democrata com profundas preocupações sociais. Se isso faz de mim um social-democrata ou um socialista, pessoalmente não me interessa!

O seu programa político, é muito mais sobre causas, do que sobre questões concretas…
Mas tudo o que lhe disse até agora, são factos, ideias concretas! Nunca fui bailarina, não irei mudar, nem agora que sou candidato, nem depois de ganhar as eleições, porque sou claro, e falo e falarei sempre olhos nos olhos com as pessoas, num português entendível para todos porque linguagens herméticas é que não sei ter, apesar de ter estudos para isso, porque, apesar de tudo, sou um operacional. Quem diz que nunca me ouviu uma ideia política, é porque não sabe o que faço, não leu o que escrevi ao longo dos anos… Se o fizessem, saberiam no que acredito, o que preconizo, que no fundo, é o que tenho dito. É nesta visão que as pessoas votarão, e se a querem seguir, votem em mim, se não querem, não votem

Considera-se um idealista, Dr. Fernando Nobre?
Como lhe dizia, sempre me senti melhor no terreno… As razões disso, existem, claro que sim. Neste caso, da minha candidatura à Presidência da República, acaba por haver uma certa coerência, com aquilo que sempre fiz na minha vida. Quando cheguei a Portugal há quase trinta anos, já era administrador dos Médicos Sem Fronteiras, na Bélgica onde vivia há vinte. Deixei tudo para trás, e vim para cá, sem grandes condições, para abrir a AMI, que não passava de um mero sonho na altura. E agora, creio que me está a acontecer o mesmo, em nome de um projecto, porque para mim, era muito mais confortável, ficar em casa, a dizer mal do país, do Governo, do Presidente… E eu não sou assim, como pessoa. Se puder fazer alguma coisa para melhorar a situação, qualquer que ela seja, fá-lo-ei, sempre! Falei com muita gente que me alertou para isto, muitas até me aconselharam a não avançar, a minha própria mulher até… Mas ficar de braços cruzados, não é uma atitude que seja própria do meu carácter!

E tudo isto, é para ir até ao fim, ou pondera a hipótese de desistência?
Evidente que é irreversível esta decisão. Só quem não me conhece é que pensa que eu ando nisto a tactear. Não o faço em nada, não o faria aqui! Não preciso do protagonismo, e ao fim e ao cabo, com toda a humildade, já era uma figura respeitada da vida pública. Tenho coragem, tenho determinação, já me caíram balas de morteiro ao lado, já escapei de tiroteios, já vi morrer muita gente… Não tenho grandes medos na vida, e quando me meto em alguma coisa, vou sempre até ao fim!

E em caso de vitória, a AMI, como ficaria?
A moeda tem sempre duas faces. Tenho quatro filhos biológicos, e a AMI, é o meu quinto, que corresponde a um ideal. Da mesma maneira que acompanharei a sociedade em geral, estarei sempre atento a esse meu outro filho… Ainda nestes últimos dias me reuni com todos os meus colaboradores, e todos estão terminantemente (e vinca bem a palavra) proibidos disso, de se imiscuírem, eles, ou a instituição, neste meu combate, nesta minha luta, que é estritamente pessoal! A AMI não vai participar neste meu combate, está proibida por mim de o fazer.

Diz sempre, “quando for Presidente”… Sabendo que é um homem de convicções inabaláveis, são essa vontade, esse espírito, razões que o levam a ser tão peremptório nessa afirmação?
Não tenha dúvidas! Sei que não existem vitórias pré-anunciadas, mas tenho essa convicção, para além de tudo o resto, também pelas pessoas que me apoiam, pessoas de todas as áreas políticas, económicas, sociais, e que também elas estão insatisfeitas com o rumo do país. Deixo-lhe esta certeza, a de que não me vão conseguir demover, nem arregimentar… E eu não vou cair, mesmo que me façam todo o tipo de ataques!

O que o leva, na essência, a travar os combates que travou, a sacrificar-se, como o fez, até em questões familiares, ao longo dos anos?!
Daqui a dois mil anos já cá não estarei, mas hoje, estou cá, e tenho de fazer alguma coisa por isto, na medida do que posso, sei, de tudo o que já vivi! Estou aqui para dar o peito às balas, e quero morrer de olhos bem abertos, virados para um mundo que espero que seja melhor, do que quando cá entrei.


Destaques

Cavaco Silva.
 “Tenho dele uma imagem de seriedade e dignidade, mas nesta altura precisamos de um presidente disposto a um esforço colossal”

Manuel Alegre.
“Tenho respeito por ele. Mas até agora, sou o único candidato assumido, ao que sei!”

Durão Barroso
“Achava-o capaz, e competente para o país, mas mudei de opinião depois de ter abandonado o cargo, senti-me traído enquanto cidadão! Nunca aceitei, não aceito nem nunca vou aceitar que a pessoa que objectivamente apoiei para ser Primeiro-Ministro do meu País o tenha abandonado como o fez”

Face Oculta.
“Sou um cidadão que tem lido o que sai nos jornais, o que nem sempre é a verdade e podem ser apenas meias verdades. Acho é que o senhor primeiro-ministro, que é uma pessoa muito frontal - tem de dizer ao País tudo aquilo que pensa. Se fosse Presidente, chamaria o procurador-geral e o presidente do Supremo Tribunal de Justiça e ter-lhes-ia falado bem olhos nos olhos”



Perfil

O homem que vê esperança, onde os outros só observam desespero
Aos 58 anos, Fernando Nobre é o rosto da Assistência Médica Internacional, organização que fundou há 25 anos e à qual actualmente preside.

Nasceu em Luanda, em 1951, e aí viveu durante os primeiros 12 anos de vida, descendente de uma família com diferentes origens “portuguesa, do lado do meu pai, holandesa, brasileira e francesa, do lado da minha mãe”, explica,
A mudança do pai, um industrial de profissão, para a actual República Democrática do Congo (antigo Zaire), obrigou a família a transferir-se para Kinshasa. “Devido à instabilidade do país, aos 15 anos o meu pai enviou-me para Bruxelas para lá continuar os meus estudos e tornar-me médico de profissão, o que seria complicado de fazer, em África, onde estávamos”. No entanto, o apelo “da terra vermelha” que ainda hoje traz sempre consigo, num pequeno frasco, era forte, “de sangue”, e continuava a passar as férias de Verão no Zaire.
Dos 15 aos 35 anos, cursou medicina, formou-se, doutorou-se. “Concluí a escalada, em termos de formação, até ao final”, com uma especialização em cirurgia-geral e, mais tarde, quando percebeu que o rumo a seguir o afastaria das universidades (haveria mais tarde de lá regressar, mas como professor), especializou-se em urologia.
Em 1977, “um dos momentos definidores” da sua vida, quando se torna membro dos Médicos Sem Fronteiras, tendo actuado em várias missões e participado na criação e administração da secção belga dos MSF.
Fernando Nobre era então o primeiro, (e único até à data), médico português a integrar este movimento médico internacional. “A raiz da AMI, encontra-se precisamente nessa fase da minha vida, num simples acaso”, releva. “Numa das missões em que estávamos, no Chade, em 1983, uma equipa de reportagem estrangeira, fotografou-me, identificando-me como médico português dos MSF. Em Portugal, aperceberam-se disso, e foi assim que a televisão portuguesa me encontrou. O José Barata Feyo, que na altura tinha um programa de reportagens na RTP, foi comigo numa das missões, e a dada altura pergunta-me se não pensava fazer aquele trabalho, mas em Portugal. Nunca tinha pensado nisso, de facto, e foi aquela pergunta que me fez começar a imaginar essa hipótese. O meu trabalho começou assim a ser conhecido cá, e essa reportagem feita na altura, a repercussão que veio a ter, motivou-me então para a criação de uma instituição semelhante, que seria a primeira, no nosso país”.
Assim que o espaço do seu destino começa a ser ocupado, numa escala crescente, por esse “sonho”, como lhe chama, abandona tudo, o seu passado recente, o seu trabalho nos MSF, toda uma vida “bem estabelecida”, e vem para Portugal.
No entanto, entre 1985, quando chega, até 87, momento em que embarca para a primeira missão, com destino à Guiné, três anos de muitas dificuldades, de “quase desistência”, de muita perseverança, num trajecto que não esperava tão difícil, tão preenchido de obstáculos, que lhe pareciam ameaçar os desígnios e toldar-lhe a clareza da sua visão. “Depois de feita a escritura da associação, começo a trabalhar nisso. Mas tinha chegado cá, sem nada… Passei tempos difíceis, esses primeiros largos meses ainda, foram bastante complicados de facto. Tive de abrir um consultório para poder subsistir, em Lagos, mas não tinha contactos, não tinha pacientes… A pouco e pouco, vou então conseguindo, vou-me organizando, sempre sem me afastar da ideia que me tinha trazido até cá, que era a fundação da AMI. Só tinha a minha experiência, a reportagem da RTP, e a minha vontade, nada mais. Mas as coisas foram acontecendo, fui-me dedicando, primeiro um dia da semana, depois dois dias… Passado uns anos, acabei por deixar o consultório, e ocupar-me só da AMI. O principio já estava, faltava agora… tudo o resto”.
E o “resto”, como lhe chama, chegaria em forma de ajuda, e de salvação. A sua, e a de tantos outros espalhados pelo mundo. Depois da Guiné, São Tomé, Moçambique, Angola… Primeiras missões às quais se seguiram as da Jordânia, Roménia, Ruanda, Timor Leste em 1999, destinos marcantes, entre tantos outros, de uma vida longa já, que não consegue contabilizar outras tantas vidas, a quem devolveu a esperança, e que tornou também ela, mais duradouras. “Já estive em quase 150 países… Vi o pior a que se pode chegar enquanto ser humano, o desrespeito pela vida, pelo sofrimento, mas também presenciei o melhor que podemos fazer nessa condição. Isso deixa-me mais rico como homem, mas também me torna mais pessimista enquanto pessoa, porque o estado do mundo, as alterações do clima, não deixam antever um futuro muito promissor, temo”.
A AMI está hoje presente em cerca de 35 países, com projectos sociais implementados em cerca de quinze deles. Gere depois, em Portugal, oito centros sociais (sete centros Porta Amiga e um abrigo para os sem abrigo) e suporta uma estrutura de cerca de 60 pessoas, plataforma humana suficientemente grande para administrar, mas não tão grande assim que seja capaz de curar, de uma vez, todos males do mundo. “Sei que isso nunca irá acontecer, mas não podemos desistir”.
Apesar dos perigos que encontra nos cenários mais catastróficos por onde distribui a esperança em forma de cuidados médicos, ele que já passou por várias vezes, e literalmente, “ao lado da morte”, persevera, e não deixa contudo o terreno, assumindo-se totalmente enquanto operacional. “Numa dessas missões, tive de me operar a mim próprio, a uma apendicite… Sem anestesia, nem nada… Foi complicado, mas morreria se não o fizesse! Sou, acima de tudo, um médico, e isso nunca deixarei de ser”.
Passa, com uma regularidade que se arrasta por décadas já, mais de metade do ano, fora de casa, longe de casa, dos amigos e da família, da mulher, e dos quatro filhos. “Sempre que acontece alguma catástrofe, sempre que existem situações em que a vida humana se encontra massivamente em risco, vamos para lá na medida das nossas possibilidades, como ainda há pouco tempo aconteceu no Chade, ou no Haiti. A análise e o sentir que tenho do mundo, todas essas experiências, são um privilégio que reconheço com enorme satisfação. Mas sei que perdi muito do que aconteceu com a minha família, o crescimento dos meus filhos… Falo sempre com eles, quando chego a um destino, mas sei que terei passado um pouco ao lado da vida familiar, e lamento isso. Mas sei que o percebem, que me entendem, e que de certa forma se orgulham de mim, como eu me orgulho de os ter na minha vida”.
Depois de tudo o que fez, do que falta ainda fazer, o médico do mundo, olha para dentro si, e o silêncio toma conta do seu discurso, durante segundos, enquanto deixa cair o olhar. Gosta do silêncio, aprecia-o aliás. Quanto mais envelheço, mais sei que tomei as decisões certas, e que escolhi bem o meu caminho”.

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