agosto 03, 2010

Máscaras Improváveis - Pública : Joana Vasconcelos


A Valquíria



Compositora de imagens, manipuladora de espaços, criadora de formas sublimes em construções erigidas para os sentidos.


Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira


Conceito. Reconstruir a obra, partindo da personagem que dela emana, ou em termos diferentes, procurar significados, pequenos brilhos, eternos instantes, nas tonalidades da voz, na composição das cores berrantes de que gosta, no tom final das formas artísticas que lhe saem da imaginação, em direcção a um mundo que a começa a reconhecer enquanto artista que deve ser seguida e admirada com a devida atenção. Fazer da mulher, dela própria, uma obra, a mais fidedigna e autêntica, a mais completa e abrangente por isso mesmo então. “Ou não, apesar da intenção ser boa! Tudo o que se vê aqui (no seu atelier) provém de um conceito, de uma ideia base, que não surge de uma epifania, num segundo de genialidade, nada disso. As peças que construo têm por base sim uma mensagem que quero transmitir, e que obedecem apenas ao momento em que as penso, e a nada mais, porque hoje não há limites nem restrições para a arte, não há barreiras, nada, pode fazer-se tudo, por qualquer razão, boa ou má, e o resto, tem a ver com o gosto de quem presencia e interage com os trabalhos”. A frase prolonga-se, à medida que as palavras se sucedem, batendo e rebatendo, com maior ou menor frontalidade em palavras que lhe surgem do discurso, como que sublinhadas na imaginação de quem ouve. Liberdade… Sem limites…Inexistência de barreiras… Mensagem.
Joana Vasconcelos distingue-se no meio artístico português, e cada vez mais no espaço central dos mercados da Arte verdadeiramente grande, onde começa a ser reconhecida, pelo modo aparentemente inocente, arrojado, lúcido e louco, como joga com a banalidade dos objectos utilizados no quotidiano, influenciada por perspectivas que conduzem as peças pelo design, atravessam a arquitectura, pelas proporções, pela funcionalidade, pela ocupação arbitrária do espaço, sinónimos que surgem, suaves no pensamento, quando se visitam as obras expostas no seu atelier, situado em Alcântara, com o Tejo velho, e os navios mercantes na janela. “Bem português, como gosto, como sou”.
Auto-retrato. A maquilhagem carregada, mais clara no centro, sobrecarregada na aureola do rosto, como que construindo uma moldura, onde o olhar atravessa o silêncio da falta de palavras, e fala por si só. E os vinis amarrotados que a decoram, vestes sobressaltadas por debaixo de uma armadura, pesada, da peruca de corte francesa, todo um conjunto inspirado livremente nas Valquírias, uma das suas obras mais marcantes, quadro completo ao qual dá vida e movimento, completando-lhe o instante. Luzes, câmara, actuação. “As Valquírias são peças influenciadas por histórias mitológicas, deusas que traziam vida aos guerreiros do seu tempo… É com base nos diversos ecos desses episódios que as construí, apesar de esteticamente fugirem a essa lógica, da interpretação ser livre, a minha e de quem a vir. É aliás disso que gosto, que vejam o que faço e que quase toda a gente tenha uma interpretação diferente! Talvez seja assim que me reflicta enquanto pessoa, pelo menos através das minhas obras, ficam a conhecer-se alguns instantes de mim, algumas ideias, opiniões. Não a mim totalmente, e isso agrada-me!”.
O espaço acentua-se, diminui, retrai-se com o passar do tempo, torna-se mais cómodo, acolhedor, como as peças que desenha nas ideias. “Vamos lá criar novas perspectivas!”.
Máscaras Improváveis. “Como pessoa, assim como artista, podemos ter várias faces, à medida que vamos experienciando, vivendo. Umas podem ser mais prováveis do que outras, mas o que é certo é que nos vão mudando, e é assim que evoluímos, o que se reflecte no dia-a-dia, na obra, em tudo…”.
Tempo para invadir o ´outro lado`, ultrapassar os limites, quebrar as barreiras, atingir a liberdade criativa. A toda a composição, a adição de dois polvos acabados de comprar, tingidos de dourado no momento, sem como nem porquê, simplesmente porque a ideia parece arrojada o suficiente para lhe assentar bem, no corpo, e nas ideias, completa definitivamente um cenário. “Cada vez que faço algo, começo naquele momento, como se nada houvesse para trás. Vale tudo a partir daí, tudo é possível, viável, porque é assim que o imagino, é dessa forma que me vejo. Não penso demasiado em consequências, nem no futuro, e o que sei, é que no dia em que deixar de ter alguma coisa para dizer, sigo em frente, e prossigo o meu caminho sem olhar para trás, e com a consciência de que se tudo acabasse agora, hoje, já teria valido a pena… Mas ainda quero mais, muito mais”.

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