agosto 03, 2010

Máscaras Improváveis - Pública : Marta Rebelo



No Masculino

Deputada cessante da Assembleia da República, caminha por agora afastada dos caminhos da política. Nunca ausente no entanto, que a política, assume-o, estará “para sempre”, em si.

Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Rúben de Melo Moreira

Conceito. Transformar femilidade, em algo mais rude, mecanizar a suavidade dos traços, para reforçar o contexto das ideias, retirando-lhes a carga estética, reconduzindo-a para o ritmo dos sentidos mais essenciais. Assim, puro, directo e verdadeiro, no masculino, ou no feminino, sem género, e com todos os géneros imiscuídos. “Tenho vários traços na minha personalidade que foram ficando mais carregados com a minha presença na política. Sendo um meio de homens, torna-nos mais duros, até porque precisamos de trilhar o mesmo caminho, com o dobro do sacrifício, dos obstáculos, e dos declives… Por um lado é bom, ganha-se resistência, persistência, tornamo-nos mais fortes”.
O hangar da Helibravo, que por acaso até já conhecia dos tempos em que era chefe de gabinete do Ministro da Administração Interna, serve de cenário imagético de fundo para a composição da ideia inicial. “Curioso que não haja mulheres pilotos em Portugal, não sabia”, sobressai-lhe da expressão, em tom de surpresa, entre um disparo de retracto, e outro, e outras dezenas mais, e um retoque sombreado escuro na maquilhagem. Ambiente metalizado, frio, industrial, de helicópteros estacionados esperando voar, ferramentas arrumadas, fuligens de óleo aqui e ali, estéticas próprias que ajudam a compor o desenho final. “Disseram-me um dia que só deveria ter chegado à política aos 50 anos! O preconceito acerca das mulheres com uma determinada imagem que exercerem cargos de maior exposição, existe de facto, ainda para mais, sendo uma mulher de esquerda! No entanto, a ideia de que apenas devemos alimentar o intelecto está a mudar e ainda bem, porque é completamente ridícula”.
Auto-retrato. Teimosia, persistência, organização e método, símbolos com que se define, no significado, e na substância de quem é, e quer ser. “Tenho várias dimensões, e talvez sejam estas as palavras que melhor me definam, e constem em todas elas. Sou advogada, política, sei dizer umas coisas, dizem que sou engraçadita… Tudo factores que à primeira vista fazem desconfiar as pessoas. Sinto que tenho sempre de as conquistar, o que nunca acontece facilmente, e foi sempre assim, desde que me lembro”.
Ilusões, utopias e verdades reais. Caminhos que foi desbravando ao longo dos ainda verdes anos, em que já se conquistou a si própria, e a alguns dos sonhos e ilusões que lhe cativam o espírito, e o tornam sobressaltado por vezes. “Cresci na ilusão de que o mundo era um lugar bonito, perfeito, cheio de pessoas boazinhas. Com o tempo, fui perdendo essa ideia, fui-me tornando mais espessa, fui encontrando em mim as tais várias dimensões de que falava. Agora separo bem as coisas, mas não perco a minha visão utópica de certos assuntos que são fundamentais, e só podem existir baseados e impulsionados por essa perspectiva. Sou o Norte daquilo que sou e a política nunca poderia mudar, na essência, aquilo que quero ser”.
Máscaras improváveis. Figuras descartáveis, momentos instantâneos, que todos temos, para proteger ou afirmar, para parecer ou decorar. Para ser, e para não ser noutras ocasiões, depende do contexto, do propósito ou da falta dele. “Prefiro antes designá-la como uma crosta provável. E quem não tenha essa capacidade de a desenvolver, terá pela frente uma vida difícil, seja em que campo for, e especialmente na política. Há uma grande diferença entre a Marta privada e a pública, embora muitas vezes, por aparecermos nos jornais e revistas pensem que nos conhecem por inteiro. Espero que, apesar das exigências, consiga manter sempre um espaço privado de afectos, disso não abdico, até porque sou mais do que a soma de todas as coisas que se sabem sobre mim”.
Do “vício” que lhe deixou a política, que não abandonou definitivamente, enquanto recorda as sensações controversas marcadas nas palavras que deixa soltar. “É isso mesmo que é viciante sabe?! Principalmente naqueles breves momentos em que se concretizam coisas em que acreditamos verdadeiramente, e não são tantos quanto queríamos, até porque são precisos meses de luta, muito trabalho, persistência… Perguntaram-me um dia se ainda queria mudar o mundo, e o que é facto é que apesar de tudo, das coisas boas e más, ainda e sempre o quero fazer, nem que seja a suaves prestações”.

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