agosto 22, 2008

Pública: Um dia com... Helena Ramos




Dias pintados de fresco

Palcos televisivos, teatrais, sensações impressas no diário de quem quer sempre mais, continuando a ser quem gosta, quem é.

Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira


Óculos escuros, penteado cuidado, palavras no lugar devido, como sempre habituou quem a viu nos ecrãs da RTP durante os últimos trinta anos, quem ainda a vê e reconhece, na primeira aparência. Helena Ramos é no entanto mais do que isso, atravessa as fronteiras da estética televisiva, da postura de estúdio com a facilidade de um gesto em forma de sorriso, como “mulher normal” que diz que é, várias vezes ao longo do dia, “mas cheia de vontade de viver, e de se deixar levar pela vida”.
Hora de passeio do pequeno Afonsinho D´Aveiro, o seu cão, cego de nascença. Manhã cedo ainda. “Abandonaram-no por causa disso mesmo, mas tenho-o comigo há dez anos”. Segue-a por toda a parte, ao som dos seus passos. Gosta de animais e de pessoas que gostam deles. “Mal vai um país que trata mal os velhos, as crianças e os animais... Se calhar, o nosso, não cuida bem de nenhum deles, é um sinal preocupante”.
No jardim da urbanização onde habita, em Telheiras, senta-se, pressente os primeiros raios de sol de um dia, que vai ser longo e preenchido, momentos antes, do habitual café da manhã, na Fatia Doce, mesmo ali, ao lado da porta de sua casa. “Bom dia, é o costume”.

Memórias presentes
Natural de Vale de Cambra, Aveiro, onde nasceu há 54 anos, Helena Ramos é um dos rostos mais conhecidos da televisão pública. Apresenta actualmente o “Cartaz de Memórias” na RTP Memória, mas passou ao longo da carreira por inúmeros formatos, horários, conteúdos e... gerações. Das primeiras emissões como locutora de continuidade, aos programas de entrevista mais recentes, Helena acabou por nunca estar ausente, sem no entanto ter alguma vez estado presente de mais. Sorri, sem baixar o olhar. “Não sou daquelas que se estão sempre a queixar, nada disso, tenho por norma ser agradecida por aquilo que tenho, e que me vai acontecendo sem estar a procurar demasiado. Acredito nisso, em deixar-me ir e logo se vê”.
Dos vários papéis que lhe couberam ao longo da vida e da carreira, ressalta a paixão especial pelos estudos que nunca deixou de perseguir. “Sim já fiz muita coisa... participei como professora em ateliers de televisão na Universidade Autónoma de Lisboa, antes já o tinha feito no Instituto Piaget... Mas tirei o mestrado em comunicação organizacional na Católica e um MBA em gestão de empresas”. Pausa... Sorri, percebendo a admiração causada, e sem perder tempo a explicar. “E porque não?! Não tenciono gerir nenhuma empresa, mas o conhecimento não ocupa lugar, como se costuma dizer não é?!”
Talvez seja este um dos retratos mais fiéis dos efeitos da distância que a separam hoje da menina que aos 23 anos entrou para a televisão do estado vinda da província, e que trinta anos depois já experimentou muito da vida. “Lembro-me de ter visto um anúncio e de ter concorrido. Realizei provas de improviso, entrevista, leitura de textos,,,. Concorriam mais de duas mil pessoas, mas só treze foram seleccionadas. Não tinha “cunha”, vinha de fora, não conhecia ninguém.... Eu fui prestar provas de chinelas, daquelas modernas e rasas que se usavam na altura e fiquei”, recorda. Depois, o lado pessoal, de quem não ”gosta” muito de estar parada. “Vim para Lisboa para a Universidade Clássica, tirar Germânicas... Foi um choque na altura, vinha do interior, mas sempre tinha tido o sonho, desde os seis anos, quando visitei a cidade pela primeira vez, de vir para Lisboa. Lembro-me que quando ia na Avenida da Liberdade com a minha mãe, lhe disse, com a minha voz de criança, ´Esta é a minha cidade`”. O seu olhar, afasta-se, por momentos. Regressa. “Resumindo, entrei na televisão, casei-me, divorciei-me, nunca consegui ter filhos, como desejava... A grande lição da minha vida? Se calhar que estou bem é sozinha, até porque aprendi que não sou muito fácil de aturar, nem tenho muita paciência para aturar os outros”, deixa que lança com humor, apesar de permanecer séria, na conversa. Pretendentes, foram muitos ao longo da carreira, presume-se, mas nem esta achega a torna próxima do embaraço. “Recebi muitas flores, muitas declarações de facto. A maioria educadas, nunca tive grandes problemas com isso, apesar de também não passar muito tempo a pensar o que viam em mim. Dizia-lhes para seguirem a sua vida”. Hoje em dia? “A gravidade é uma coisa terrível...”, sorri.





Apresentadora, actriz...

Hora de almoço. A conversa sobe de tom, como todas as palavras em redor de uma refeição em hora própria, mesmo que em Lisboa em pleno Agosto. Nas Portas Verdes, restaurante de Carnide onde costuma almoçar quando tem um pouco mais de tempo, o terraço florido de buganvílias e ilustrado com parras fartas em uva americana, “como a quinta dos pais em Sever do Vouga”, reclamam à sua intimidade, um pouco mais de si mesma. “Talvez por isso, goste de vir aqui”, explica. Conhece toda a gente pelos nomes. Tratam-na por doutora, como acontece normalmente a todas as figuras públicas quando frequentam lugares... públicos.
“Se pudesse largava tudo agora e ia para actriz, até porque acho que ainda ninguém reparou que posso ser espectacular”, diz, por entre um sorriso sério e uma intenção dirigida a quem quer que acredite. Mas... e a televisão, onde tem sido uma presença assídua, desde os anos setenta? “Abri a RTP Memória, foi interessante no início. Agora estou um pouco cansada, tenho pensado em outros rumos, e os palcos sempre me atraíram”. Os porquês, conta-os, mesmo que alguns os deixe permanecer reservados, a si própria. “Estou numa fase estranha da minha vida, cheia de mudanças... Normalmente surgem coisas boas e más nestas alturas...”. Um suspiro profundo. “Bem, mas serena, como sempre”.
Um copo de vinho, um cigarro “que estamos na esplanada”, e uma sobremesa que apetece, mas que não se torna mais essencial que os amargos de boa provisórios de uma dieta “começada há pouco tempo. A gravidade outra vez”, lança em tom de gracejo.


Quadros feitos
As pinturas, permanecem nos traços mais reservados da aparência pública de Helena Ramos. “Comecei há alguns anos, e ganhei-lhe o gosto”.
As paredes de sua casa são preenchidas por janelas emolduradas, umas pequenas, outras maiores, a óleo, pastel e carvão. “Tenho uma paixão por pintura, nunca o tinha feito na vida, não tinha qualquer noção para além da literária e de quem observa apenas... Decidi então ir aprender”, explica, enquanto segura a sua primeira obra, uma natureza morta embrulhada por um caixilho enorme, que lhe dá vontade de rir. “Está uma porcaria, mas arranjei a maior moldura que consegui para parecer uma grande obra de arte”, humoriza entre uma gargalhada e um olhar orgulhoso e disfarçado.
Costa da Caparica. Atelier de Francis Vaz, nome artístico de um pintor nascido em Portugal, de nacionalidade francesa. “Sim, a Helena tem jeito para pintar”, recorda, enquanto lhe vai dando instruções sobre como tornar o branco mais pardo, e os verdes mais resplandecentes. Dedica-se agora a um retrato da sua mãe, ainda criança, que um dia, “quando estiver concluído”, lhe irá oferecer. “Há alguns meses que ando com isto, ainda não acertei”. A bata, os dedos cheios de tinta nos contornos dos desenhos em tela, as plantas ao fundo, distorcidas na transparência dos frascos de óleo, os pincéis demolhados na paleta, pousada perto da janela, com o mar em plano presente de fundo... Detalhes de um ambiente propício ao “exercício solitário da pintura”, explica Francis. “É isso que me agrada aqui, a calma, o facto de ser relaxante, criativo ao mesmo tempo... De tudo vir de dentro, sem pressa, ou pressão”. Não retira o olhar do quadro que lhe preenche os sábados de manhã, nas aulas, e os serões, normalmente passados em sua casa, até porque não gosta de sair muito à noite. “Já tive as minhas noitadas loucas, agora já passou”. Um penúltimo sorriso. “Sabe, gosto de me ir deitar em paz com aquilo que faço, sem assuntos pendentes... Talvez por isso acorde sempre bem disposta e com uma vontade enorme de começar tudo uma outra vez”.

2 comentários:

Anónimo disse...

Uma das apresentadoras mais simpática da RTP!!

Simplicidade, inteligência e beleza, uma mulher completa.

Gostei de ler este dia passado com... obrigada

Silvia Almeida disse...

Helena Ramos pessoa de bem e muito iteligente nunca permitindo á fama que a tornasse numa pessoa diferente da genuína que é!!!

Sílvia Almeida