agosto 22, 2008

Pública: Um dia com... Margarida Rebelo Pinto


Dias escritos em ritmos diferentes

Quando está a escrever não sai de casa, consome todo o seu tempo entre a imaginação e as palavras. Depois, vêm as promoções, as entrevistas, as campanhas de marketing ou, a outra face de uma outra Margarida, que também lhe dá “muito gozo”.


Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira


Oficina do Livro, Algés. Quando a porta do elevador se abre lentamente, não demoram a fazer-se notar, os painéis de cartão promocionais com a sua cara, com o seu nome. Margarida, best-seller, não há coincidências... Há livros seus encaixotados e prontos a serem enviados para hipermercados, quiosques e Fnac´s de todo o país. É a máquina da escritora portuguesa que mais vende, e onde ela própria participa, “sempre” em equipa, como gosta de referir. “Depois de acabado o livro, os dois meses seguintes são passados aqui, na revisão, na preparação da capa, na definição da campanha de marketing, com os distribuidores... Escrever é a organização do caos interior, é o que gosto de fazer! Mas também me agrada estar presente na outra parte do processo, até porque tenho experiência em algumas dessas áreas, sei o que as pessoas querem. Além disso sinto-me bem com toda esta equipa, conheço todos eles desde que a editora abriu há oito anos, somos amigos, e passo aqui muitas vezes o dia inteiro”.


Português Suave
Margarida Rebelo Pinto licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas na Universidade Clássica. Depois de uma passagem pela área da publicidade como copywriter, prosseguiu com a escrita, então nas páginas do Independente, depois no Sete”, na Marie Claire, ou no Diário de Notícias. Passou também pela RTP, onde foi chefiada pelo hoje ´rival` do mercado livreiro, José Rodrigues dos Santos. “Gosto muito dele, aliás sempre me disse que tinha jeito para escrever e que devia fazê-lo profissionalmente. O nosso mercado é pequeno para essas rivalidade. Já com o Miguel Sousa Tavares também quiseram arranjar uma polémica, quando gosto imenso dele! Acho que ele está para o romance de época como eu estou para o romance urbano”.
Em 1999, fá-lo e materializa um dos seus sonhos. "Sei Lá", o primeiro romance, é um estrondo comercial, fenómeno que se repetiria no seguinte como, em quase todos os que têm a sua assinatura, a sua marca. Hoje, perto do milhão de livros vendidos, olha para trás, com outro à vontade. “O primeiro é o mais ingénuo de todos... Só com O Diário da Tua Ausência percebi que era isto, que tinha achado o caminho, que me tinha encontrado a mim e me senti confortável para continuar”.
Na sala onde costuma aproveitar para aperfeiçoar os textos, escritos no computador que a acompanha para todo o lado, durante os nove meses anteriores, o mar para lá das vidraças, e o bonsai em cima da mesa prenunciam-se como os sinais mais evidentes de toda a tranquilidade de que precisa. “Sou uma viciada em trabalho, sabe?”, expressão que utiliza várias vezes, ao longo do correr do dia.
Um ano depois de ter sofrido um AVC, regressa aos escaparates e, como quase sempre desde que começou a escrever, ocupou logo na primeira semana, o lugar cimeiro dos tops de vendas do mercado livreiro. De norte a sul do país, as mesas de cabeceira voltam a encher-se com as suas palavras e ideias sobre as relações entre as pessoas.
“Lembro-me que esse período foi complicado mas nunca pensei em morrer. Repare, não fumo nem bebo, levo uma vida saudável, gostava de fazer desporto e de repente dizem-me que tenho uma artéria bloqueada e que têm de me operar ao coração...O que me passou pela cabeça? Os projectos que tinha de concretizar, as histórias que tinha ainda para contar”. Sorri, como quem não quer destapar as marcas, que o tempo ainda não soube cicatrizar. “Claro que sim... Lembro-me que tudo isto aconteceu pouco tempo depois de ter escrito A Rapariga que perdeu o Coração... Engraçado não é. Não há mesmo coincidências?”, deixa escapar, com uma gargalhada.


Dias úteis
Não costuma escrever à noite, prefere a luz dos dias, a mesma que lhe iluminou o caminho para o mais ambicioso de todos os seus livros, até agora. Português Suave, lançado há duas semanas no mercado. “Sou ambiciosa, não escondo isso, nem tenho vergonha de o assumir. Normalmente todos os anos tenho dois objectivos profissionais e um pessoal. Este ano, dois já estão, falta um terceiro, que é a internacionalização, mas estou a trabalhar nisso! Se não podia arranjar objectivos mais comuns? Quais, feliz já eu sou, e eu preciso desta adrenalina”. A palavra utilizada, contrasta na etimologia, com o nome do seu mais recente livro. “A brandura... Aí está se calhar a pior ´qualidade` dos portugueses... Quis chegar aí, precisamente”. Na varanda que dá para o Tejo, com o olhar distante buscando o horizonte, chama-lhe... desafio. “Quis dar este passo, escrever um romance com consciência narrativa diacrónica, em que retratasse três gerações diferentes indo mais aos aspectos sociológicos e históricos de cada época, sem nunca deixar de ter as histórias de amor e as intrigas familiares que me interessam tanto. Ver o que mudou afinal e acho que não mudou assim tanto onde é mais importante, no íntimo de cada um, nos comportamentos e nas reacções que continuam fechadas, desconfiadas. O pior defeito de muita gente continua a ser a mesquinhez e a inveja, as coisas que mais detesto em qualquer ser humano”.

Passear, ler e escrever
Margarida aprecia certas rotinas, “apenas quando elas são boas e nunca durante demasiado tempo. Quase todos os meses tenho de fazer uma viagem, para respirar e sentir que o mundo é um lugar tão grande afinal”. Por cá, tem sitio para almoçar quando está pela Oficina, “onde já sabem a sopa que gosto e o que me agrada”, caminhos para passear, livros para ler, Moleskines, vários, para preencher de rabiscos e ideias soltas que a interpelam sem licença, no dia a dia, talvez, como diz, “o segredo” para saber dizer o que as pessoas querem sentir. “Faço-o muito, estou sempre atenta às conversas que se desenrolam à minha volta. Ando na rua, converso com toda a gente, tenho muitos amigos... Muitas dessas coisas acabam por dar origem a personagens, acrescentar-lhes conteúdo, ou apenas um pequeno traço de realidade que as distinga”. Nos rabiscos feitos à mão, os esboços do futuro próximo da sua vida profissional, traçados já. “Tenho aqui por exemplo mais cinco livros já pensados que irão preencher os próximos sete anos da minha vida”, graceja.
Um café, um doce “que está a apetecer”, e um passeio pelos livros da sua vida e pelos escritores que lhe avivam os tempos mortos. De Hesse, passando por Pessoa, Lobo Antunes e “tantos outros”, deixa escapar, enquanto folheia a edição inglesa da Mensagem.
Toca o telefone. Uma constante ao longo do dia, ainda para mais em época de promoção. Dispõe o sorriso e a simpatia, para quem está do outro lado, desliga e volta a atender, recebe e troca mensagens. Não lhe agradam aliás as “adulterações” linguísticas das SMS. “Não sou nada dessas coisas de fazer abreviaturas e usar capas”, humoriza, enquanto guarda o telefone na sacola de Verão, onde, entre a toalha e a leitura de praia para a qual acaba por “nunca arranjar tempo”, começa a tocar novamente.
Quando a tarde se começa a fazer sentir nos relógios, chega o tempo do habitual passeio à beira mar. “Desde que tive o problema no ano passado que não posso fazer grandes esforços, por isso ando imenso, entre Paço D´arcos e Cascais, mas também aqui, por Belém, uma zona que gosto muito, pelo rio, pela calma”.
Na esplanada da Piazza di Mare, as pessoas observam-na, quando chega. Falam baixo, quase em sussurro, como é comum acontecer quando alguma figura pública se aproxima. “Se me faz confusão? Claro que não, e abordam-me imenso. Tenho pessoas que me vieram dizer que lhes salvei a vida, ou que os ajudei a resolver os seus problemas pessoais. Isso para mim é que é o verdadeiro sucesso! Como lido com ele? Ligo à minha mãe, converso com ela, aproveito o tempo com o meu filho... Se eu não fosse feliz como mãe, enquanto mulher e como filha nunca seria verdadeiramente completa".

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