O Rei do Bairro
Fadista, engenheiro agrónomo, líder de um partido monárquico, piloto de ultra-leves e mais algumas coisas que estarão por descobrir, até por ele próprio...
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Rúben de Melo Moreira
Conceito. Transformar algo sério, em qualquer coisa de leve, suavizar, uma luta de adultos como a que se desencadeou entre o Partido Popular Monárquico e a Casa de Bragança, pelo verdadeiro direito à posse do trono português, em algo com que todas as crianças sonham. Reis, rainhas, e disputas pelo trono, contos de encantar, que no mundo dos “grandes” são causas reais, assuntos de Estado, coisas reais, que não se contam em histórias desenhadas, apenas em documentos e manuais de história com letras pesadas e palavras demasiado compridas que os mais pequenos ainda não aprenderam. “Esta é a obra de que mais me orgulho”.
Na Associação Socorro e Amparo, em Carnide, Lisboa, Nuno da Câmara Pereira cumpre há década e meia, um outro papel, desconhecido da maioria das pessoas, o de director de uma instituição de cariz social que acolhe cerca de cem crianças, das mais variadas proveniências. O cenário está assim montado, o movimento, o som, e as restantes dimensões são-lhe atribuídas pelos mais pequenos. Desenham-lhe uma coroa em papel, e outros rascunhos que ostentam com a nobreza das grandes obras. “Fui eu que fiz”. Os traços que não levam a mais do que a esboços livres de imaginação solta, multiplicam-se à velocidade que os lápis de cera se vão desgastando no papel. Os desenhos, colados a fita-cola, farão o manto real, que cobrirá o rei desta história.
“Olhe que em trinta anos de carreira, nunca fiz nada de tão maluco como isto! Sabe que o meu filho é que se costuma vestir com estas roupas, ténis brilhantes, calças largas… Quem diria que também eu iria por este caminho”.
Auto-retrato. Sentado na poltrona de veludo escarlate, trono real de ocasião, enquanto a maquilhagem lhe vai aprimorando os traços do rosto, releva ele próprio, as matrizes de quem é, visto por dentro. “Sou um arlequim de mil caras… Sou uma contradição, sou inconstante, próprio e impróprio, sou alguém recto, íntegro e honesto! E não quero ser anjo nenhum, que não sou, quero viver sim, o meu estado de alma”.
A câmara começa a disparar, captando fragmentos se um momento que se torna único e indivisível. A luz semicerra-se. O som das gargalhadas esvoaçantes pela sala mistura-se com o fascínio dos olhares que se levantam e entrecruzam, em busca dos milhares de fragmentos de maquilhagem dourada que sopra para a atmosfera, e que aterram sobre as cabeças curiosas e inquietas, cuja imaginação transforma de imediato no fascínio do outro puro. “É ouro, é ouro”, exclamam os miúdos enquanto o rodeiam, em busca do segredo do pó amarelo, arruinando o alinhamento da imagem, reconstruindo um outro, bastante mais cativante. Imagens para a posteridade, como rei de brincar que se prepara para contar uma história de encantar, que não tem medo de brincar também ele com os assuntos, por mais sérios que o sejam. “Desde pequeno que lido com este tema da monarquia, é algo que me diz muito. Creio que estávamos melhor servidos nesse sistema, seríamos um melhor país. Não encomendo discursos a ninguém, mas também levo a vida com leveza, sem me levar demasiado a sério, é esse o segredo para mim, por isso é que consigo fazer tantas coisas ao mesmo tempo”.
Máscaras improváveis. “Eu não uso máscara nenhuma, sou sempre eu próprio! O que sou, é versátil na forma de me trajar para os outros, mas só visto aquilo que me diz respeito… Não sou nenhum feijão de duas caras”.
Política, engenharia, pilotagem de ultra-leves, acção social, e fado, claro… Vestes diversas e improváveis então, com que se apresenta perante si, perante os outros. “Não é difícil, desde que haja dedicação, organização e sacrifício. Se tenho tempo para ainda ser rei? Nunca me afirmei como pretendente ao trono, apesar de saber que tinha direito a isso. Vejo-me mais como o condestável Nuno Álvares Pereira que deu o trono ao Mestre de Avis… Depois, bem, sigo com a minha vida com a noção de dever cumprido e descubro mais qualquer coisa que goste de fazer”.
agosto 03, 2010
Máscaras Improváveis - Pública : Helena Isabel
Linhas de Vida
Actriz de mil feições expressivas, mulher de muitas outras, em linhagens que lhe percorrem o carácter, e lhe deixam o rosto jovem e o sorriso limpo, quase adolescente ainda, como quando a vemos na televisão, ou na memória.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Rúben de Melo Moreira
Conceito. Desconstruir, para fazer reerguer os traços mais discretos de uma personalidade que permanece em silêncio, mesmo que defronte as grandes plateias, da televisão, ou do teatro, por onde se move, há largos anos.
Fios de cobre estáticos, adormecidos, sob um céu claro, carregado de cinzentos frios e húmidos, e um ambiente industrial, cru, quase desértico de vida humana, linhas de vida, que chocam de frente com o olhar, com a tonalidade das palavras. Contrastes e desafios. “Fazer algo de diferente assim, estranho, porque nunca o tinha feito, mas sinto-me bem. Sou uma mulher assim, não gosto de estar parada, sou enérgica, faço várias coisas ao mesmo tempo, e adoro coisas novas que me desafiem e me libertem partes de mim, que normalmente não saem cá para fora”.
Para além de actriz, desempenhou papéis vários, foi figurinista para várias peças de teatro, é compositora de adereços e acessórios há já largos anos, técnica que apura, para dissolver o stress e aconchegar o espírito no cair dos dias de gravações mais intensos. Transportar esse universo interior para uma composição que a envolva, em termos de estética, é um complemento do desafio lançado, aceite com um sorriso apoenas, simples.
Auto-retrato. “É complicado fazê-lo, traçá-lo assim tão de repente e em poucas palavras… É sempre difícil vermo-nos de fora, de forma imparcial, completamente verdadeira. Tenho um lado intuitivo muito marcado, muito activo, que fui ´domesticando` com o passar do tempo, à medida que a vida foi passando por mim. Assim, simultaneamente, fui adquirindo uma consciência selectiva, baseada na razão. Por outras palavras, guio-me pela intuição, mas sempre com os pés muito bem assentes no chão!”.
Instantes, maquilhados com pó de memórias, de momentos que sobrevivem para lá do segundo que se segue, e já passou, antes do próximo que se avizinha, e já partiu, para não mais regressar. Alguns disparos, outras imagens que perduram, num ambiente que se vai tornando mais intimista, mais pequeno. “Sou assim em tudo, não me deixo levar à primeira pelo meu instinto, apesar de ele, no final acabar quase sempre por prevalecer. É um exercício engraçado este, o de reflectirmos entretanto, para no final acabarmos por fazer aquilo que inicialmente pretendíamos... Sabe que no dia em que perder esta capacidade de me entusiasmar, de me apaixonar com a novidade, penso que vou ficar velhinha e acabar enquanto pessoa!”.
Os anos passam, medidos à distância de um ecrã, ou de uma plateia, pelas personagens que vai edificando, e pelas quais a vamos reconhecendo. Umas partem com ela, outras residem em nós durante mais algum tempo, apuradas na memória. “A vida que escolhi, é turbulenta, exige muito de nós, a vários níveis. Enquanto actriz, prefiro comédia, divirto-me, sou mais livre, mas enquanto espectadora, não sou muito deste género, gosto de coisas mais pesadas emocionalmente. Ainda hoje, e já que falamos disto, guardo a Cilinha, de `O Tal Canal` como a personagem que me deu mais gozo fazer, porque ali podia acontecer tudo, caírem cenários, choverem coisas do tecto, sei lá, era hilariante e deixou-me por isso, grandes recordações que vão perdurar para toda a minha carreira”.
Máscaras Improváveis. “São algo com que nós, actores, temos de saber colocar, e retirar, de uma maneira por vezes tão superficial, ou mais profunda noutros casos. Mas eu convivo bem com isso até, porque estou de bem com a vida, não guardo nada em mim que não tenha deitado lá para fora, ou arrumado muito bem cá dentro. A amargura, sabe, reflecte-se na cara das pessoas, e eu sei que devo viver o presente da forma mais intensa possível, para não ter tempo de me esquecer dessa capacidade que me impulsiona, de me apaixonar pelas coisas que a vida me traz, de surpresa, como é bom”.
Actriz de mil feições expressivas, mulher de muitas outras, em linhagens que lhe percorrem o carácter, e lhe deixam o rosto jovem e o sorriso limpo, quase adolescente ainda, como quando a vemos na televisão, ou na memória.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Rúben de Melo Moreira
Conceito. Desconstruir, para fazer reerguer os traços mais discretos de uma personalidade que permanece em silêncio, mesmo que defronte as grandes plateias, da televisão, ou do teatro, por onde se move, há largos anos.
Fios de cobre estáticos, adormecidos, sob um céu claro, carregado de cinzentos frios e húmidos, e um ambiente industrial, cru, quase desértico de vida humana, linhas de vida, que chocam de frente com o olhar, com a tonalidade das palavras. Contrastes e desafios. “Fazer algo de diferente assim, estranho, porque nunca o tinha feito, mas sinto-me bem. Sou uma mulher assim, não gosto de estar parada, sou enérgica, faço várias coisas ao mesmo tempo, e adoro coisas novas que me desafiem e me libertem partes de mim, que normalmente não saem cá para fora”.
Para além de actriz, desempenhou papéis vários, foi figurinista para várias peças de teatro, é compositora de adereços e acessórios há já largos anos, técnica que apura, para dissolver o stress e aconchegar o espírito no cair dos dias de gravações mais intensos. Transportar esse universo interior para uma composição que a envolva, em termos de estética, é um complemento do desafio lançado, aceite com um sorriso apoenas, simples.
Auto-retrato. “É complicado fazê-lo, traçá-lo assim tão de repente e em poucas palavras… É sempre difícil vermo-nos de fora, de forma imparcial, completamente verdadeira. Tenho um lado intuitivo muito marcado, muito activo, que fui ´domesticando` com o passar do tempo, à medida que a vida foi passando por mim. Assim, simultaneamente, fui adquirindo uma consciência selectiva, baseada na razão. Por outras palavras, guio-me pela intuição, mas sempre com os pés muito bem assentes no chão!”.
Instantes, maquilhados com pó de memórias, de momentos que sobrevivem para lá do segundo que se segue, e já passou, antes do próximo que se avizinha, e já partiu, para não mais regressar. Alguns disparos, outras imagens que perduram, num ambiente que se vai tornando mais intimista, mais pequeno. “Sou assim em tudo, não me deixo levar à primeira pelo meu instinto, apesar de ele, no final acabar quase sempre por prevalecer. É um exercício engraçado este, o de reflectirmos entretanto, para no final acabarmos por fazer aquilo que inicialmente pretendíamos... Sabe que no dia em que perder esta capacidade de me entusiasmar, de me apaixonar com a novidade, penso que vou ficar velhinha e acabar enquanto pessoa!”.
Os anos passam, medidos à distância de um ecrã, ou de uma plateia, pelas personagens que vai edificando, e pelas quais a vamos reconhecendo. Umas partem com ela, outras residem em nós durante mais algum tempo, apuradas na memória. “A vida que escolhi, é turbulenta, exige muito de nós, a vários níveis. Enquanto actriz, prefiro comédia, divirto-me, sou mais livre, mas enquanto espectadora, não sou muito deste género, gosto de coisas mais pesadas emocionalmente. Ainda hoje, e já que falamos disto, guardo a Cilinha, de `O Tal Canal` como a personagem que me deu mais gozo fazer, porque ali podia acontecer tudo, caírem cenários, choverem coisas do tecto, sei lá, era hilariante e deixou-me por isso, grandes recordações que vão perdurar para toda a minha carreira”.
Máscaras Improváveis. “São algo com que nós, actores, temos de saber colocar, e retirar, de uma maneira por vezes tão superficial, ou mais profunda noutros casos. Mas eu convivo bem com isso até, porque estou de bem com a vida, não guardo nada em mim que não tenha deitado lá para fora, ou arrumado muito bem cá dentro. A amargura, sabe, reflecte-se na cara das pessoas, e eu sei que devo viver o presente da forma mais intensa possível, para não ter tempo de me esquecer dessa capacidade que me impulsiona, de me apaixonar pelas coisas que a vida me traz, de surpresa, como é bom”.
Máscaras Improváveis - Pública : Joana Vasconcelos
A Valquíria
Compositora de imagens, manipuladora de espaços, criadora de formas sublimes em construções erigidas para os sentidos.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Ruben de Melo Moreira
Conceito. Reconstruir a obra, partindo da personagem que dela emana, ou em termos diferentes, procurar significados, pequenos brilhos, eternos instantes, nas tonalidades da voz, na composição das cores berrantes de que gosta, no tom final das formas artísticas que lhe saem da imaginação, em direcção a um mundo que a começa a reconhecer enquanto artista que deve ser seguida e admirada com a devida atenção. Fazer da mulher, dela própria, uma obra, a mais fidedigna e autêntica, a mais completa e abrangente por isso mesmo então. “Ou não, apesar da intenção ser boa! Tudo o que se vê aqui (no seu atelier) provém de um conceito, de uma ideia base, que não surge de uma epifania, num segundo de genialidade, nada disso. As peças que construo têm por base sim uma mensagem que quero transmitir, e que obedecem apenas ao momento em que as penso, e a nada mais, porque hoje não há limites nem restrições para a arte, não há barreiras, nada, pode fazer-se tudo, por qualquer razão, boa ou má, e o resto, tem a ver com o gosto de quem presencia e interage com os trabalhos”. A frase prolonga-se, à medida que as palavras se sucedem, batendo e rebatendo, com maior ou menor frontalidade em palavras que lhe surgem do discurso, como que sublinhadas na imaginação de quem ouve. Liberdade… Sem limites…Inexistência de barreiras… Mensagem.
Joana Vasconcelos distingue-se no meio artístico português, e cada vez mais no espaço central dos mercados da Arte verdadeiramente grande, onde começa a ser reconhecida, pelo modo aparentemente inocente, arrojado, lúcido e louco, como joga com a banalidade dos objectos utilizados no quotidiano, influenciada por perspectivas que conduzem as peças pelo design, atravessam a arquitectura, pelas proporções, pela funcionalidade, pela ocupação arbitrária do espaço, sinónimos que surgem, suaves no pensamento, quando se visitam as obras expostas no seu atelier, situado em Alcântara, com o Tejo velho, e os navios mercantes na janela. “Bem português, como gosto, como sou”.
Auto-retrato. A maquilhagem carregada, mais clara no centro, sobrecarregada na aureola do rosto, como que construindo uma moldura, onde o olhar atravessa o silêncio da falta de palavras, e fala por si só. E os vinis amarrotados que a decoram, vestes sobressaltadas por debaixo de uma armadura, pesada, da peruca de corte francesa, todo um conjunto inspirado livremente nas Valquírias, uma das suas obras mais marcantes, quadro completo ao qual dá vida e movimento, completando-lhe o instante. Luzes, câmara, actuação. “As Valquírias são peças influenciadas por histórias mitológicas, deusas que traziam vida aos guerreiros do seu tempo… É com base nos diversos ecos desses episódios que as construí, apesar de esteticamente fugirem a essa lógica, da interpretação ser livre, a minha e de quem a vir. É aliás disso que gosto, que vejam o que faço e que quase toda a gente tenha uma interpretação diferente! Talvez seja assim que me reflicta enquanto pessoa, pelo menos através das minhas obras, ficam a conhecer-se alguns instantes de mim, algumas ideias, opiniões. Não a mim totalmente, e isso agrada-me!”.
O espaço acentua-se, diminui, retrai-se com o passar do tempo, torna-se mais cómodo, acolhedor, como as peças que desenha nas ideias. “Vamos lá criar novas perspectivas!”.
Máscaras Improváveis. “Como pessoa, assim como artista, podemos ter várias faces, à medida que vamos experienciando, vivendo. Umas podem ser mais prováveis do que outras, mas o que é certo é que nos vão mudando, e é assim que evoluímos, o que se reflecte no dia-a-dia, na obra, em tudo…”.
Tempo para invadir o ´outro lado`, ultrapassar os limites, quebrar as barreiras, atingir a liberdade criativa. A toda a composição, a adição de dois polvos acabados de comprar, tingidos de dourado no momento, sem como nem porquê, simplesmente porque a ideia parece arrojada o suficiente para lhe assentar bem, no corpo, e nas ideias, completa definitivamente um cenário. “Cada vez que faço algo, começo naquele momento, como se nada houvesse para trás. Vale tudo a partir daí, tudo é possível, viável, porque é assim que o imagino, é dessa forma que me vejo. Não penso demasiado em consequências, nem no futuro, e o que sei, é que no dia em que deixar de ter alguma coisa para dizer, sigo em frente, e prossigo o meu caminho sem olhar para trás, e com a consciência de que se tudo acabasse agora, hoje, já teria valido a pena… Mas ainda quero mais, muito mais”.
Máscaras Improváveis - Pública : Francisco Moita Flores
Crime, disse ele!
Escritor, inspector, político, e mais algumas coisas ainda que ainda estão por descobrir, numa busca constante, vicio que alimenta o espírito, e as palavras… “Que nunca se esgotem”.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Rúben de Melo Moreira
Conceito. Perscrutar o universo do velho romance policial, da sombra opaca por detrás da porta semi-aberta, da pegada escondida debaixo do tapete, do mistério insondável, em busca da verdadeira impressão digital, que revela a pessoa para lá da figura de facetas diversas, conhecida de todos. Francisco Moita Flores embarca no desafio, sem receio de partir em busca de uma fracção do seu passado, que se reflecte ainda bem visível, nas palavras e memórias do seu presente. “Eu gosto sempre destas coisas, de encarnar personagens sabe?! Aliás, nos filmes e séries escritos por mim, acabo sempre por aparecer nas filmagens, como figurante, lá atrás... Dá-me um prazer enorme poder participar numa personagem que construí, de raiz, que veio de uma ideia, passou para o papel, e que depois ganha vida. Neste caso, não fui eu que a criei, foram vocês, mas acaba por se adequar a mim”.
Sherlock Holmes, Hercule Poirot, Dick Tracy, nomes de figuras que preenchem um imaginário colectivo de romances em que o bem triunfa sobre o mal, com a ajuda da intuição, da dedução, da lógica, figuras factuais que aliadas ao poder da escrita livre e da imaginação sem limites, impulsionam ideias, conceitos, imagens, no caso. “Lembro-me que em pequeno nos juntávamos, em redor da televisão a ver os programas do Inspector Varatojo. Se calhar foi a primeira coisa que disse que queria ser, quando mo perguntaram na quarta classe. ´Polícia e escritor`, respondi, na voz de criança, mas com uma convicção que me levaria a ainda cedo, ter cumprido estes dois desígnios”.
Auto-retrato. Imagens soltas, sem nexo aparente de causalidade, quando se observam as facetas dispersas da sua vivência. Escritor primeiro, inspector da judiciária, escritor ainda, professor, político, escritor sempre. As palavras marcam o seu ritmo e unificam-lhe as passadas, qualquer que seja o próximo rumo a tomar. “Em tudo o que faço, a escrita está sempre presente. Curiosa essa questão dos livros policiais, até porque a maioria dos vinte e tal livros que escrevi não tem a ver com esse assunto. Vou contar-lhe uma coisa que nunca referi publicamente. Aos trinta e poucos anos, tive um AVC, e fiquei com o lado direito do corpo paralisado. Quando acordo, passados quatro dias de coma, e descubro que o meu lado direito, a mão direita com que escrevia não o poderia voltar a fazer, olhei para a janela do corredor e pensei em por termo à vida. Por qualquer razão não o fiz, e acabou por acontecer o contrário, agarrei-me a ela e àquela ínfima possibilidade que existia, de vir a recuperar. Ganhei forças onde não as tinha, lutei contra mim próprio, andava a noite inteira pelos corredores do hospital a exercitar-me, fazia-o constantemente e passados quatro meses, quando deveria começar a fisioterapia, já estava bom. A escrita, ou a ideia de que necessitava dela para sobreviver, salvou-me a vida”.
Palavras, memórias, assuntos cumpridos e outros, por construir ainda. “Se pudesse acabar tudo o que ainda tenho por escrever, e já fiz essa conta, teria de viver até aos cento e cinquenta e três anos!”, conta, com um sorriso breve, e sucinto.
Máscaras improváveis. “Todas o podem ser, quando não são convenientemente vestidas, ou apresentadas. Costumam dizer-me por exemplo, que as minhas personagens femininas são muito reais. Talvez seja essa uma outra máscara, bem real até, a da feminilidade que tenho em mim, porque gosto de mulheres, porque as admiro. Há muitos menos mulheres presas, ou a cometerem actos atrozes, talvez pela consciência uterina, por um universo mais rico de afectos, emoções, porque são mães antes de sermos pais. Tudo isto me fascina na mulher”.
Um cigarro, as golas da gabardina decorada como nos policiais dos anos cinquenta do cinema norte-americano, o chapéu de feltro, típico do investigador misterioso, envolto na nuvem de fumo e cinza que transporta o espaço para outra dimensão. “Não há nada que não tenha vivido que não tenha sido consubstanciado, e essa parte de mim, a busca, a procura por histórias, está sempre viva”.
Da política, que vive por dentro há alguns anos, enquanto autarca da Câmara de Santarém, leva mais algumas, “para contar daqui a alguns anos, quando fechar esse capítulo, e me dedicar aos livros a tempo inteiro, como sempre sonhei”.
Escritor, inspector, político, e mais algumas coisas ainda que ainda estão por descobrir, numa busca constante, vicio que alimenta o espírito, e as palavras… “Que nunca se esgotem”.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Rúben de Melo Moreira
Conceito. Perscrutar o universo do velho romance policial, da sombra opaca por detrás da porta semi-aberta, da pegada escondida debaixo do tapete, do mistério insondável, em busca da verdadeira impressão digital, que revela a pessoa para lá da figura de facetas diversas, conhecida de todos. Francisco Moita Flores embarca no desafio, sem receio de partir em busca de uma fracção do seu passado, que se reflecte ainda bem visível, nas palavras e memórias do seu presente. “Eu gosto sempre destas coisas, de encarnar personagens sabe?! Aliás, nos filmes e séries escritos por mim, acabo sempre por aparecer nas filmagens, como figurante, lá atrás... Dá-me um prazer enorme poder participar numa personagem que construí, de raiz, que veio de uma ideia, passou para o papel, e que depois ganha vida. Neste caso, não fui eu que a criei, foram vocês, mas acaba por se adequar a mim”.
Sherlock Holmes, Hercule Poirot, Dick Tracy, nomes de figuras que preenchem um imaginário colectivo de romances em que o bem triunfa sobre o mal, com a ajuda da intuição, da dedução, da lógica, figuras factuais que aliadas ao poder da escrita livre e da imaginação sem limites, impulsionam ideias, conceitos, imagens, no caso. “Lembro-me que em pequeno nos juntávamos, em redor da televisão a ver os programas do Inspector Varatojo. Se calhar foi a primeira coisa que disse que queria ser, quando mo perguntaram na quarta classe. ´Polícia e escritor`, respondi, na voz de criança, mas com uma convicção que me levaria a ainda cedo, ter cumprido estes dois desígnios”.
Auto-retrato. Imagens soltas, sem nexo aparente de causalidade, quando se observam as facetas dispersas da sua vivência. Escritor primeiro, inspector da judiciária, escritor ainda, professor, político, escritor sempre. As palavras marcam o seu ritmo e unificam-lhe as passadas, qualquer que seja o próximo rumo a tomar. “Em tudo o que faço, a escrita está sempre presente. Curiosa essa questão dos livros policiais, até porque a maioria dos vinte e tal livros que escrevi não tem a ver com esse assunto. Vou contar-lhe uma coisa que nunca referi publicamente. Aos trinta e poucos anos, tive um AVC, e fiquei com o lado direito do corpo paralisado. Quando acordo, passados quatro dias de coma, e descubro que o meu lado direito, a mão direita com que escrevia não o poderia voltar a fazer, olhei para a janela do corredor e pensei em por termo à vida. Por qualquer razão não o fiz, e acabou por acontecer o contrário, agarrei-me a ela e àquela ínfima possibilidade que existia, de vir a recuperar. Ganhei forças onde não as tinha, lutei contra mim próprio, andava a noite inteira pelos corredores do hospital a exercitar-me, fazia-o constantemente e passados quatro meses, quando deveria começar a fisioterapia, já estava bom. A escrita, ou a ideia de que necessitava dela para sobreviver, salvou-me a vida”.
Palavras, memórias, assuntos cumpridos e outros, por construir ainda. “Se pudesse acabar tudo o que ainda tenho por escrever, e já fiz essa conta, teria de viver até aos cento e cinquenta e três anos!”, conta, com um sorriso breve, e sucinto.
Máscaras improváveis. “Todas o podem ser, quando não são convenientemente vestidas, ou apresentadas. Costumam dizer-me por exemplo, que as minhas personagens femininas são muito reais. Talvez seja essa uma outra máscara, bem real até, a da feminilidade que tenho em mim, porque gosto de mulheres, porque as admiro. Há muitos menos mulheres presas, ou a cometerem actos atrozes, talvez pela consciência uterina, por um universo mais rico de afectos, emoções, porque são mães antes de sermos pais. Tudo isto me fascina na mulher”.
Um cigarro, as golas da gabardina decorada como nos policiais dos anos cinquenta do cinema norte-americano, o chapéu de feltro, típico do investigador misterioso, envolto na nuvem de fumo e cinza que transporta o espaço para outra dimensão. “Não há nada que não tenha vivido que não tenha sido consubstanciado, e essa parte de mim, a busca, a procura por histórias, está sempre viva”.
Da política, que vive por dentro há alguns anos, enquanto autarca da Câmara de Santarém, leva mais algumas, “para contar daqui a alguns anos, quando fechar esse capítulo, e me dedicar aos livros a tempo inteiro, como sempre sonhei”.
Máscaras Improváveis - Pública : Marta Rebelo
No Masculino
Deputada cessante da Assembleia da República, caminha por agora afastada dos caminhos da política. Nunca ausente no entanto, que a política, assume-o, estará “para sempre”, em si.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Produção
Rúben de Melo Moreira
Conceito. Transformar femilidade, em algo mais rude, mecanizar a suavidade dos traços, para reforçar o contexto das ideias, retirando-lhes a carga estética, reconduzindo-a para o ritmo dos sentidos mais essenciais. Assim, puro, directo e verdadeiro, no masculino, ou no feminino, sem género, e com todos os géneros imiscuídos. “Tenho vários traços na minha personalidade que foram ficando mais carregados com a minha presença na política. Sendo um meio de homens, torna-nos mais duros, até porque precisamos de trilhar o mesmo caminho, com o dobro do sacrifício, dos obstáculos, e dos declives… Por um lado é bom, ganha-se resistência, persistência, tornamo-nos mais fortes”.
O hangar da Helibravo, que por acaso até já conhecia dos tempos em que era chefe de gabinete do Ministro da Administração Interna, serve de cenário imagético de fundo para a composição da ideia inicial. “Curioso que não haja mulheres pilotos em Portugal, não sabia”, sobressai-lhe da expressão, em tom de surpresa, entre um disparo de retracto, e outro, e outras dezenas mais, e um retoque sombreado escuro na maquilhagem. Ambiente metalizado, frio, industrial, de helicópteros estacionados esperando voar, ferramentas arrumadas, fuligens de óleo aqui e ali, estéticas próprias que ajudam a compor o desenho final. “Disseram-me um dia que só deveria ter chegado à política aos 50 anos! O preconceito acerca das mulheres com uma determinada imagem que exercerem cargos de maior exposição, existe de facto, ainda para mais, sendo uma mulher de esquerda! No entanto, a ideia de que apenas devemos alimentar o intelecto está a mudar e ainda bem, porque é completamente ridícula”.
Auto-retrato. Teimosia, persistência, organização e método, símbolos com que se define, no significado, e na substância de quem é, e quer ser. “Tenho várias dimensões, e talvez sejam estas as palavras que melhor me definam, e constem em todas elas. Sou advogada, política, sei dizer umas coisas, dizem que sou engraçadita… Tudo factores que à primeira vista fazem desconfiar as pessoas. Sinto que tenho sempre de as conquistar, o que nunca acontece facilmente, e foi sempre assim, desde que me lembro”.
Ilusões, utopias e verdades reais. Caminhos que foi desbravando ao longo dos ainda verdes anos, em que já se conquistou a si própria, e a alguns dos sonhos e ilusões que lhe cativam o espírito, e o tornam sobressaltado por vezes. “Cresci na ilusão de que o mundo era um lugar bonito, perfeito, cheio de pessoas boazinhas. Com o tempo, fui perdendo essa ideia, fui-me tornando mais espessa, fui encontrando em mim as tais várias dimensões de que falava. Agora separo bem as coisas, mas não perco a minha visão utópica de certos assuntos que são fundamentais, e só podem existir baseados e impulsionados por essa perspectiva. Sou o Norte daquilo que sou e a política nunca poderia mudar, na essência, aquilo que quero ser”.
Máscaras improváveis. Figuras descartáveis, momentos instantâneos, que todos temos, para proteger ou afirmar, para parecer ou decorar. Para ser, e para não ser noutras ocasiões, depende do contexto, do propósito ou da falta dele. “Prefiro antes designá-la como uma crosta provável. E quem não tenha essa capacidade de a desenvolver, terá pela frente uma vida difícil, seja em que campo for, e especialmente na política. Há uma grande diferença entre a Marta privada e a pública, embora muitas vezes, por aparecermos nos jornais e revistas pensem que nos conhecem por inteiro. Espero que, apesar das exigências, consiga manter sempre um espaço privado de afectos, disso não abdico, até porque sou mais do que a soma de todas as coisas que se sabem sobre mim”.
Do “vício” que lhe deixou a política, que não abandonou definitivamente, enquanto recorda as sensações controversas marcadas nas palavras que deixa soltar. “É isso mesmo que é viciante sabe?! Principalmente naqueles breves momentos em que se concretizam coisas em que acreditamos verdadeiramente, e não são tantos quanto queríamos, até porque são precisos meses de luta, muito trabalho, persistência… Perguntaram-me um dia se ainda queria mudar o mundo, e o que é facto é que apesar de tudo, das coisas boas e más, ainda e sempre o quero fazer, nem que seja a suaves prestações”.
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