outubro 13, 2008

Pública: Um dia com... Marta Rebelo

Dias plenários

A alguns dias de regressar ao Parlamento, a mais jovem deputada do PS preenche os seus dias de trabalho entre o Ministério da Administração Interna, os sons do seu Ipod e os livros cujas palavras a acompanham para todo o lado.

Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira


Largo do Rato. O edifício sede histórico do Partido Socialista pontifica, para lá do trânsito caótico, num regresso à normalidade rotineira típica dos dias seguintes aos finais da época estival. Marta Rebelo espera-nos, na entrada do Metropolitano. Vê-se, e percebe-se ao longe.“Olá!”. Um sorriso, e mais outro. As pessoas observam-na, sempre que está, e independentemente da circunstância, porque não passa despercebida. “Porque sou bonita ou porque sou deputada? Não sei, nem penso muito nisso sinceramente”.
Não gosta nada que lhe falem disso constantemente, da estética, mas não é por esse ou por outro qualquer motivo que a esconde ou se envergonha dela, pelo contrário. “Para se ser competente tem de se andar mal vestida e ter um aspecto horrível? Isso é apenas mais um preconceito que infelizmente ainda existe, e ao qual me fui habituando com o tempo. Podia ter sido florista, jornalista, gerente de hotel, sei lá... mas olha, limitar-me-ia a ser sempre eu própria, fiel aos meus princípios e àquilo em que acredito”.


Mulher por direito

Marta Rebelo entrou para a Juventude Socialista aos 15 anos. “Sempre me atraiu a política. Porquê? Pode ser um cliché, mas é tão simples como querer mudar alguma coisa”. Ao longo dos cinco anos do curso de Direito que concluiu na Clássica, com 15 valores, acabou por descobrir o que haveria de ser, ou pelo menos o que o destino lhe preparava, enquanto trajecto profissional. Experimentou o jornalismo no extinto Euronotícias, estagiou no gabinete de Sousa Franco, chegou a assistente universitária logo aos 24 anos. “Ainda sou jovem, mas não costumo pensar muito no futuro! Não ando aqui a divagar ao sabor do vento, claro, mas deixo-me ir... Não tenho, ao contrário do que as pessoas acham de quem anda na política, uma agenda secreta tipo mapa do tesouro, de para onde vou e como lá hei-de chegar”.
Sempre gostou de escrever, “uma paixão” que ainda cultiva no seu diário, “mas esses pensamentos ficam apenas para mim”, e no blog que mantém activo há alguns anos. Depois, exercita os pensamentos e agiliza as palavras nas crónicas que preenche em vários jornais, entre os quais, o do Benfica. “Ah, essa é outra das minhas paixões, o futebol, e o meu clube. Sou fanática”.
Marta sabe as épocas, os títulos, os nomes de jogadores dos anos oitenta, mesmo os de bigode, os melhores marcadores de cada época, e é perfeitamente capaz de manter qualquer conversa de café sobre o assunto. Desfia memórias passadas no Estádio da Luz, que frequenta desde pequena, recorda grandes jogos e utiliza sempre o “nós”, quando fala da “sua” equipa. “Sou fanática, até leio a Bola todos os dias! Insultos ao árbitro? Depende de com quem estou, alguns são mentais apenas, outros... não!”, diz com verdade temperada em humor.
Aos trinta anos, e para além do campo desportivo, na política e depois de ter entrado na Assembleia da República em substituição de Vera Jardim como uma das deputadas mais jovens no Parlamento, por lá permaneceu durante seis meses. Recorda agora essa experiência como “positiva”, e prepara um regresso mais ou menos anunciado. “Provavelmente, ainda esta semana, sim! É um lugar de privilégio para alguém que quer servir o país, ajudar a uma mudança de que precisamos enquanto povo que ainda tem alguns complexos e precisa de ser mais optimista”.


Política e não só...
Hora de almoço. “Não tenho nos meus hábitos cumprir esta refeição, mas bebo um sumo de laranja! Por causa da dieta?! Não, nada disso, tem a ver com o meu próprio ritmo diário”. Trabalho, trabalho e mais trabalho...? “Sim, mas não apenas. Aprendi cedo que a vida não é apenas isso. Pertenço a uma geração muito competitiva, mas não me sinto feliz apenas a trabalhar, preciso de pelo menos falar com alguém amigo ao final do dia, nem que seja ao telefone, de sair de casa um pouco, de ter tempo para aquilo que gosto, de ouvir música, aliás ando sempre com o meu Ipod cheio, de ler... Ando a ler Os Maias outra vez, para aí pela vigésima vez, mas nunca me canso”.
Na esplanada do Hotel Regency, a vista sobre a baixa Pombalina, com o rio em plano de fundo, e as sombras recortadas pelos telhados é maior do que as palavras podem descrever. “Lindo, não é?!”.
Está quase na hora de regressar ao Terreiro do Paço, ao Ministério, onde trabalha. “O dia ainda vai ser longo, mas por ali, ao contrário de outros ministérios, bom é quando não se passa nada de grande, e corre tudo dentro da normalidade”.
A cadência da conversa tem agora mais pausas, porque o contexto pede, e a personagem pública vai começando a dar lugar à personalidade mais real. “Sou feliz, mas tenho ainda tanto para aprender, para amadurecer. Sempre lidei bem com o facto de ser mulher neste mundo. Engraçado, antes de estar aqui na política e apesar de ter o costume de dizer que sou jurista, pensava que haviam poucas diferenças entre homens e mulheres, talvez porque estivesse bem rodeada de pessoas sem complexos com isso. Mas mudei a minha opinião e por vezes tenho de reagir apenas mentalmente, outras entro mesmo em confrontação directa, quando sinto que estou a ser insultada enquanto mulher e ser humano”.

Ser ou não ser... bonita
“Tenho cuidado comigo, por dentro e por fora. Tenho um amigo que me diz que as mulheres na política só deviam ser aceites depois dos cinquenta anos! Claro que não estou de acordo com isso, mas espero que o tempo ajude a que as mentalidades mudem, que se diluam os preconceitos, porque se pode tornar cansativo, apesar de estar já habituada, eu como tantas outras mulheres, a ter de provar sempre tudo, pelo menos duas vezes”. Mas não perde o sorriso. “Isso nem por sombras. Há alturas para tudo, em todas as idades, para ter juízo e para o perder de vez em quando...”.
Ao final da tarde, o Centro Cultural de Belém está cheio das maiores figuras do Partido Socialista para a apresentação da Fundação Res Pública. Marta senta-se na primeira fila, cumprimenta os colegas de partido, cumpre os requisitos e mantém a postura serena, de estado, apenas de espírito por enquanto. “Perguntam-se sempre se um dia gostaria de ser presidente da República, primeira-ministra... Não penso nisso para já”. Troca algumas palavras com José Sócrates. “De que falámos?!”. Um sorriso. “Segredo de Estado!”, graceja.
Gosta de se considerar uma mulher de esquerda. “É difícil explicá-lo sem entrar em grandes dissertações, mas simplificando, acho que acaba por ter a ver com princípios como a Igualdade, a Liberdade de atingir um plano em que se tornem plenas, até na felicidade de cada um”.
A sua, onde fica? Um sorriso mais do que facial, que diz tanto quanto carrega sensações que ficam apenas perceptíveis na ortografia daquele pequeno momento. “Sou teimosa, persistente... Ainda não escrevi um livro, não plantei uma árvore, não tive um filho, falta-me viver mais ainda, mas lá chegarei”.
Marta Rebelo gosta de ir ao cinema, depois de um dia cheio. Acompanhada de Filipe Barreiros, um amigo ainda dos tempos de faculdade, escolhe o filme do serão. “Este parece-me bom, tem o Ethan Hawke! Não é o George Clooney mas...”, humoriza. Não sabe muito ainda sobre o que irá ver, mas de vez em quando gosta de ser levada pelo acaso do momento. “Nisto, como em muitas outras coisas! Se há coisa que a vida tem de bom é a capacidade de nos surpreender e eu preciso disso para estar bem comigo e com o que me rodeia”. Luzes, câmara, acção, silêncio.

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