outubro 13, 2008

Notícias Magazine: O fascínio das árvores anãs

Uma tradição milenar que se tornou moda um pouco por toda a Europa e parece estar a ganhar cada vez mais adeptos em Portugal ou, a simples procura da tranquilidade das emoções, da conquista de um espaço pessoal comum, da relatividade de todas as coisas. A NM visitou a primeira e mais antiga escola de bonsai portuguesa.


Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira


O ruído estridente e desencontrado do metal em alvoroço de corte transporta-nos ao imaginário cinematográfico do Eduardo Mãos de Tesoura. Todavia, por aqui, a personagem mais eloquente é bastante diversa, mitológica ainda assim, porventura pelas memórias que evoca em quase todos. O Mestre Myagi do Karaté Kid. Sim, é verdade, o êxito de bilheteira dos anos 80 é o responsável pela massificação da ideia do bonsai que até à época era relativamente desconhecido para a maioria dos que agora, o transformaram em elemento integrante da sua vida. “Acho que já está... Não está?!”. O olhar divide-se, as mãos seguram com gentileza de cristal as pequenas folhas de um verde vivo. Sobre a mesa, reminiscências caídas do crescimento evitado. “Parece que respira melhor e tudo”, ouve-se com orgulho.


Quem são?
Gramaticalmente pode até parecer incorrecta a utilização do quem, em vez do que. Para quem os conhece no entanto, a permuta faz todo o sentido. “Então, falta ainda aqui limpar estas folhas, espaçar estes ramos, colocar os arames, ainda cá vai ficar mais umas horas, ou então leva trabalho para casa”. Gargalhadas. São assim as aulas na Escola do Bonsai, em Sintra, a pioneira de entre algumas outras instituições que têm aberto as portas um pouco por todo o país nos últimos anos, em resposta ao interesse crescente de um público sobre o qual não existe ainda uma quantificação concreta.
“Hoje é dia de exame, vieram numa boa altura”, afiança Marco Rodrigues, professor e proprietário do Centro Bonsai de Sintra, onde funcionam as aulas e está instalado o Museu do Bonsai.
Para o trabalho estar concluído, todos os ramos da pequena árvore terão de estar visíveis, não se cruzarem entre si para que a luz consiga penetrar sem obstáculos, do topo à raiz do arbusto. “Trabalho para casa? Então de casa vim eu com ele!”, responde Pedro Fernandes, enquanto observa o seu ulmeiro. “Costumo trazê-lo, tratá-lo. Noutras ocasiões, cuidamos das árvores que estão aqui no hospital de bonsais (um serviço gratuito) e acabamos por praticar e aprender com árvores cá deixadas por pessoas como nós, que também têm esta paixão”. A sua mulher que o acompanha nas aulas desde que o marido lhe ofereceu um bonsai como prenda de aniversário, mantém-se atenta às forma que a tesoura vai deixando na “sua” árvore. “Acabamos por vir os dois juntos, é tempo de qualidade que passamos”. Pedro interrompe. “Sabe que queria comprar um bonsai da idade dela, mas seria muito caro. Acabei por lhe oferecer um mais baratinho que vai envelhecendo connosco”, humoriza. Ana Isabel sorri.
Na realidade o Bonsai é o resultado de um conjunto de técnicas esculturais de horticultura baseadas em princípios de arte e estética que se pode aplicar a diferentes tipos de árvore ou arbusto. O nome provém dos dois caracteres que se escrevem da mesma maneira em Chinês e Japonês, e que significam na génese, árvore em vaso, talvez o principio básico, para se poder ou não considerar um verdadeiro bonsai. Na prática e para além da definição tanto enciclopédica como milenar, resume-se por aqueles que o aceitaram na sua vida como “um hobby que se tornou prazer, que evoluiu para paixão”.
Eduardo Carvalho dedica-se àquela a que chama “a arte que mudou a sua vida” desde há seis anos. Do primeiro sobraram apenas raízes... na memória. “A minha mãe ofereceu-me um que morreu, o que é normal em quem tem um bonsai pela primeira vez e não possui experiência de como o deve cuidar. Depois, antes de ir para o segundo, li, informei-me e ainda hoje o tenho”. Mais uma tesourada, pequenos ramos e folhas espalhados sobre a mesa da sala iluminada no sol do Inverno que ainda se prolonga. Uns conversam entre sorrisos, outros lidam apenas consigo próprios e com a sua missão para hoje. A preparação para a Primavera. “Depois de ter vindo para a escola há uns dois anos, de aprender realmente a tratar de um bonsai, acabei por continuar por aqui, porque me faz bem. Trago a minha árvore, cuido dela e trato de mim também”, explica. Dedica-se agora a começar um bonsai a partir de apenas um tronco de carvalho. “De quase tudo se pode fazer um bonsai, é preciso apenas carinho e respeito por ele, e saber tratá-lo claro. Por onde se começa? Pelo princípio, a colocação no vaso”.
Se André Rosa, um jovem na casa dos trinta anos que quase apenas se ouve respirar, pelo estremecimento que provoca nas pequenas folhas que vai cuidadosamente retirando, faz deste “um vício que lhe leva cada vez mais tempo, atenção e espaço na casa porque já tenho para aí uns dez”, Marcelo Neves, já reformado da pesca, descobriu-os há apenas alguns anos mas tomou-lhes o gosto. Eles tomaram-lhe o quintal, o pátio do segundo andar e alguns outros recantos da casa. A esposa parece não gostar muito da ideia. “Não, nada disso, ela é é envergonhada!”, clama com um sorriso que não se dissipa facilmente.
Quanto aos bonsai... “Não podia ter encontrado nada melhor para mim. Sou meticuloso, tenho gosto nestas coisas”. Marcelo tem assim um verdadeiro viveiro de bonsai na Ericeira, de costas para o mar, protegidos do vento e das condições do clima. Construiu-lhes um sistema de rega automática, tem todos os instrumentos necessários, dedica-lhes largas horas do seu dia, e até lhes oferece o melhor do seu feitio “difícil”. “São muito sensíveis”, segreda enquanto segura com as mãos de quem trabalhou muito, um ramo que parece sem destino, assim a olho nu. “Parece mas não é, vai ser uma laranjeira bonsai...daqui a uns tempos”, professa.
Existem bonsai de quase todas as espécies de árvore. Da nespereira à roseira, passando por videiras, figueiras, oliveiras, macieiras... Há de tudo, ou quase tudo no pequeno grande mundo do bonsai. “O ideal é que as árvores tenham folhas pequenas para não ficarem desproporcionadas nas miniaturas, embora existam técnicas para que se mantenham todas elas esteticamente uniformes, a sua principal qualidade”, explica Marco.
A turma de vinte alunos, homens e mulheres, mais novos ou mais velhos, mais pequenos ou mais altos, com vidas mais ou menos diferentes, ouve-o, sem tirar os olhos do bonsai, “ou do que ele poderá vir a ser, algo que nos está sempre na cabeça”, acrescenta.


Lições de vida

As tesouras repousam agora na bancada de madeira, disfarçadas na folhagem, por entre emaranhados de turfa e musgo que perfuma o ar. No ambiente, apenas os sons que se alastram por todo o espaço. Ruídos da Natureza embutidos em notas que soam a oriente extremo, retiram o lugar da estrada que se encaminha para Sintra e colocam-no algures para lá da fronteira do perceptível. Sente-se a calma, pressente-se o tempo no seu real estado. “Os sons aqui são importantes, trabalhamos com isso também, para transmitir boas sensações aos nossos visitantes”.
Das largas centenas de minúsculas árvores dispostas pelos bosques recriados por aqui, as placas dos preços sobressaem, pouco é certo. “Normalmente dentro da mesma espécie e qualidade estética, quanto maior é a planta mais cara é. Porque demora mais tempo a ´construir` um Bonsai maior, mas se a qualidade estética for diferente, poderemos ter um mais pequeno e mais novo e no entanto mais caro”. Há assim formas, estéticas e preços para todos os gostos, vontades e bolsas, claro. Por aqui, desde os 50 ao 2000 mil euros. Noutros mercados, até bastante mais. “Depende disso mesmo, da beleza do bonsai”, reitera Marco Rodrigues, que desde muito novo descobriu o fascínio, primeiro pela cultura, depois por esta forma de a exteriorizar. “Tive a felicidade de estudar na Coreia do Sul, onde tomei contacto com a realidade do Oriente. Há mais de 25 anos que temos este centro de jardinagem que acabámos por adaptar e especializar no bonsai. Fomos os primeiros a fazê-lo no nosso país, e também a abrir uma escola para as pessoas aprenderem a lidar convenientemente com as suas árvores”, assinala.
Quanto à moda que, depois de ter alastrado pela Europa, parece ter chegado a Portugal, é claro. “Notámos um boom aquando do Karate Kid, depois estabilizou. Sempre tivemos muitos clientes espanhóis e holandeses por exemplo. Agora nos últimos tempos têm aparecido cada vez mais portugueses, até tivemos de duplicar as aulas, aumentar o espaço que já não chega para todos. Razões para isso? Talvez pelo stress que se sente hoje em dia, pela luta diária, pela correria urbana... Isto acalma-nos, traz-nos de volta à terra, devolve-nos a natureza”.



Caixa:

Curiosidades:

Os Bonsai surgiram na China há mais de 2000 anos. Com a expansão do império a arte alastrou-se ao Japão e a outros pontos no extremo oriente.

Por ser mais pequeno, em termos de tempo de vida, o bonsai tem uma longevidade pelo menos semelhante às suas congéneres da mesma espécie, podendo atingir mesmo as largas centenas de anos.

O valor de um Bonsai depende de vários factores, como a origem, a qualidade estética, a espécie e a idade. Normalmente, quanto mais velho é, mais valor atinge no mercado. Existem bonsai centenários que podem custar facilmente mais de 10 mil euros.

Notícias Magazine, Agosto 2008

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