outubro 13, 2008

Pública: Um dia com... António Marinho Pinto

Dias com Ordem

Levanta-se de madrugada, gosta de passear pela blogosfera, adora um excesso alimentar “de vez em quando”, e confessa sentir-se ainda “um estrangeiro” em Lisboa.



Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira


Praça do Rossio, Lisboa. As cores das roupas, as tonalidades das peles que se passeiam, ou se deixam ficar embaladas nas conversas que se vão trocando naturais pelos passeios em calçada do centro da capital, desnudam as diferenças mais visíveis entre esta e as demais cidades portuguesas. “Ainda me sinto um estrangeiro aqui, de facto”, começa por assumir, nas primeiras palavras de um dia passado na primeira pessoa, enquanto espreita pela janela, olhando o mundo que escapa para além das vidraças da Ordem.
Na sala de reuniões do edifício sede da Ordem dos Advogados, emoldurada no seu perímetro por uma biblioteca que conta os numerosos capítulos da história da Justiça portuguesa, a mesa das reuniões, ao centro, começa a fazer decair os primeiros sinais do que já se conhece de António Marinho Pinto. Directo, frontal, um homem “mais próximo do povo”, bastante mais até, do que o povo está habituado. “Sabe que para além de advogado fui professor, e devido ao facto de a minha história profissional ter passado também pelo jornalismo, aprendi que temos de explicar às pessoas estas coisas da Justiça, dos tribunais... Ser simples é muito complicado sabe?! E sempre achei que quando uma pessoa se escuda demasiado numa linguagem técnica e imperceptível isso apenas serve para disfarçar a incompetência”. Sorri. Algo que se torna comum, ao longo do dia, sem nunca ser associado no entanto a alguma leveza, pelo menos aparente. “Levo isto a sério, é um trabalho que me ocupa o dia inteiro, bastante mais complicado e trabalhoso do que esperava, pois esta é uma estrutura muito pesada, burocrática, pouco agilizada.... Há muito a fazer ainda, mas quem não gosta de calor não trabalha na cozinha e eu não estou nada arrependido de cá estar. Quanto a mim? Tenho saudades dos tribunais, mas acho que não o devo fazer, pelo cargo que ocupo e esta regra só tem excepção para mim em casos que tenham a ver com violações de direitos humanos. Faltam ainda mais de dois anos de mandato, logo se vê se continuo ou não...”.


Por Direito próprio...

Filho de um alfaiate e de uma camponesa doméstica, aos 58 anos, o advogado de Coimbra com a naturalidade de Amarante impressa no bilhete de identidade, foi eleito para bastonário da Ordem dos Advogados depois de começar a aparecer aos olhos do público mais frequentemente nas manhãs da SIC, no programa Fátima. “Sempre gostei de me dirigir às pessoas que estão para além do circuito judicial mas que no fundo são a razão da sua existência, e muitas vezes acabam por ser deixadas à margem por causa do discurso que impera nesta área”, explica, enquanto vai apresentando os seus colaboradores, e o próprio espaço, onde passa “mais tempo do que em casa”, humoriza.
“É quase hora de almoço... Se sou um bom garfo?! Não sou homem de muitos vícios mas gosto de comer um bom bife mergulhado em molho, com um ovo a cavalo e umas batatas fritas cheias de sal a condizer... Mas só uma vez por mês”, lança numa advertência bem intencionada ao seu próprio apetite. Excessivo e controlado ao mesmo tempo são dois traços de carácter que apesar de quase conflituosos entre si na etimologia, parece gostar de conciliar... “Tenho para mim que quando se gosta realmente de alguma coisa, se deve aproveitar isso ao máximo. Como a maioria dos prazeres, o da boa comida não faz muito bem á saúde, por isso tenho de me controlar um pouco, é verdade, até porque não tenho tempo nem feitio para muito exercício físico”.


Noites breves
Levanta-se normalmente de madrugada, pelas cinco da manhã. “Sim, é um ritual que já cumpro há muitos anos. Acordo, por vezes até vejo um filme, mas por norma faço o meu jogging matinal pela blogosfera, esse sim, um desporto que gosto de praticar! Depois preparo-me para mais um dia de trabalho”.
Enquanto nos dirigimos para o restaurante Regional, numa transversal da rua Augusta, abandona um pouco a postura de bastonário, que, a bem da verdade nunca lhe tolda completamente a personalidade nem o faz distanciar-se demasiado de si próprio. Caminha e conversa sobre o que lhe apetece almoçar, sobre o seu Benfica, sobre as pessoas nas ruas, “gente, sempre muita gente”, sobre o tempo. “Sei que a minha postura me valeu muitos amigos e inimigos ao longo da vida. Mas valorizo mais os primeiros!”. Sorri, como aliás costuma fazer sempre que o assunto se torna mais incómodo, mas não abandona o pensamento. “Sabe que quanto mais uma pessoa se expõe maiores são as hipóteses que tem de arranjar uns e outros. Há certas coisas que não previ, os ataques pessoais de tanta gente que não se conforma com o facto de querer cumprir o meu programa por exemplo mas isso pessoalmente não me afecta nada”.
Deixou de beber e de fumar há mais de vinte cinco anos... “só uma ou duas imperiais uma vez por mês, outra vez a questão do controlo dos prazeres e do gosto pela saúde”, deixa escapar com humor, enquanto lê a ementa e se decide por cherne à moda da casa, com água fresca a servir de acompanhamento. Antes, uma sopa, e um leve fio de azeite, num desenho gastronómico que lhe “recorda” a infância.


Ir, exercer, fazer
Ler é um dos seus fascínios mais rotineiros, e as palavras que consome distanciam-se entre si quase que meta-fisicamente, do Código Civil à poesia que o “encanta”, e sem a qual não pode deixar de debruçar a vista e a imaginação, por um dia que seja. “Todos os dias leio poesia, de Camões a Pessoa, passando pelo Jorge de Sena, pelo Baudelaire, pelo Rimbaud... Em relação a este, costumo dizer que se devem temer os políticos que escreveram apenas um livro, mas que em relação aos escritores, normalmente essa única obra é uma obra prima que fica para sempre”. O gosto pela leitura, e o abandono da poesia na conversa, acontece com o nome de Carl Sagan, que sempre gostou de ler. Astrónomo “amador”, como faz questão de mencionar, descobriu o espaço para além do mundo quotidiano ainda criança, e fala do tempo, da sua relatividade, do seu excesso e da sua falta, como uma das causas desta sua paixão. “Fascina-me isso, esta ideia de que quando olhamos o céu passeamos no tempo. Vida extraterrestre?! É tão provável que exista como improvável que tente contactar connosco”:
A música também pertence ao seu ritmo diário, no escritório e nas viagens semanais de regresso a casa, em Coimbra, também elas um outro ritual que não dispensa, normalmente à sexta-feira.“Está quse na hora de regressar, mas de facto não posso fazer a viagem sem música. Posso dizer-lhe que gosto um bocadinho de tudo, mas ando sempre no carro com o Dark Side of the Moon dos Pink Floyd, com a Bethânia com o Elvis... adoro o Elvis! Se danço?! Não tenho jeito!”.

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