dezembro 10, 2008

Notícias Magazine: Pedro Ayres Magalhães

Música para os sentidos

Três milhões de discos vendidos e quase mil espectáculos depois, uma nova vida, no dobrar de duas décadas de existência, “feitas a pensar em boa música apenas”. Depois da saída de Teresa Salgueiro, os Madredeus regressam, agora acompanhados pela Banda Cósmica, em “Metafonia”, um disco duplo composto de inéditos e temas antigos revisitados em diferentes perspectivas. As duas vozes principais, os sete instrumentistas, a harpa, a guitarra eléctrica, o violino, as percussões traçam novas linhas de carácter, num sonho idealizado para viajar pelo mundo.
A NM foi conhecer o criador dos Madredeus, os segredos da composição das melodias, da libertação das palavras, o roteiro de um destino que se sente no detalhe, e se procura, “passo a passo”.


Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira



Sente-se sempre algo de diferente, quando se ouve um álbum dos Madredeus... Como o explica?

Ainda bem, o objectivo é esse! Começa logo por gravarmos todos juntos, e a força da música tem a ver também com a magia de termos um grupo de pessoas a tocar ao mesmo tempo, ao contrário da maioria dos discos que hoje em dia são gravados em separado. Não tenho nada contra isso, mas prefiro tocar, ensaiar, trabalhar a interpretação e depois fazer estes takes de dezoito minutos, que são uma maravilha, com uma energia extraordinária.

Sempre foi esse, um dos seus segredos?
Mesmo para quem não perceba nada de música, como por exemplo uma criança quando vê uma banda a tocar, percebe perfeitamente se aquele grupo gosta ou não realmente daquilo que está a fazer. O cuidado com que as coisas são feitas, o gosto, o trabalho que deu a preparar, a chegar ali, àquele momento, tudo isso se sente.

Como é que tudo isto começa a nascer na sua cabeça, tem noção de um determinado momento, ou é um processo que se vai desenvolvendo?
A ideia base é a de inventar uma nova concepção de música cantada em português para grandes espectáculos, inspirada na tradição das suas próprias composições e nos arranjos da música popular da Europa, da África Ocidental, do Brasil… uma espécie de orquestra latina portuguesa. Tudo isto, quando se começa por fazer ao mesmo tempo uma obra, e uma banda...


Duplica o trabalho...

Multiplica! E tens de gostar deste trabalho de uma tal maneira, que nunca fiques sem escolhas! Começa-se pelos arranjos de guitarra, da harpa, e com uma voz que trabalhava connosco como se fosse um modelo num atelier, para aprendermos a pintar sobre uma determinada base. A partir daí avaliamos os arranjos, com esse esboço, que tem de ser cantado para ter uma forma mais próxima do resultado final e vai-se trabalhando, modificando, harmonizando até ao dia em que se diz, ´pronto, é isto`.


E como aparecem estas novas vozes?

Quando soubemos que a Teresa ia sair dos Madredeus, começámos a receber cartas de pessoas a dizerem que eram cantoras e que gostavam muito de trabalhar connosco, o que me surpreendeu!

Com o impacto que tiveram na música feita em Portugal, não era natural que isso acontecesse?
Eu não fazia ideia! Mas o que é facto é que nos poupou ao trabalho de ter de por um anúncio e estar a ouvir não sei quantas centenas de vozes. Cingimo-nos só a essas que se dirigiram a nós e algumas delas acabaram por ficar. Não queríamos cópias da Teresa, alguém que seguisse esse modelo. Tivemos de lhes ensinar as canções como elas são, harmonizar as coisas... Não foi complicado, foi complexo! A voz é uma melodia com uma orquestra dentro da boca, que não é igual se estiver isolada. Só muitas vezes depois de ouvir aquelas vozes, é que tenho a percepção de saber o que elas poderiam dizer cantando aquelas músicas.


É assim que se começa a criar música?

Normalmente começo por aí, mas também pode ser ao contrário, também se pode começar pela letra e depois procura-se uma voz para a interpretar de acordo com a harmonia que se procura.

Novas vozes, instrumentalizações diferentes com guitarra eléctrica, bateria, no fundo um novo som, para uma banda praticamente nova. O resultado sente-se mais quente, o que lhe parece?
A ideia é mesmo essa e já vem de há algum tempo. Costumávamos fazer muitos concertos para duas, três mil pessoas, e funcionava bastante bem. Então queríamos tocar as nossas músicas com uma orquestra maior, com baixo, bateria e guitarra para poder optimizar o som. A banda Cósmica funciona assim como um amplificador dos Madredeus.


Agora, a fase em que tudo ganha vida, perante o público... Não teme que antes de se entranharem, as diferenças musicais apresentadas se estranhem?

Não, sempre mudámos, fomos evoluindo e as pessoas sabem disso. A nossa música é para se ouvir no palco, só pode ganhar com isso, e foi sempre esse um objectivo dos Madredeus desde o começo. É muito diferente tocar numa sala na terça-feira, e tocar no mesmo espaço na sexta, e isso fascina-me!


Chegou a pensar em acabar e começar tudo, com uma nova banda?

Sim, claro que pensei nisso! Desta vez, mantivemos o nome do grupo e acrescentamos Banda Cósmica, que é uma banda nova que no fundo incorpora as músicas que a maioria das pessoas não conhece. Fiz 940 concertos no mundo inteiro, temos 118 músicas gravadas com a Teresa, mas a maioria das pessoas só conhece três, apesar de serem todas aplaudidas quando tocamos ao vivo. Não ia prescindir disso!

Mas quando aconteceu para si, o momento chave, dessa decisão?
No dia em que a Teresa disse que ia embora, fui para casa a pensar. `Bem, agora ou te reformas e vais para casa viver dos louros desta bem sucedida aventura... ou não!`. Ainda demorei algum tempo a decidir-me, mas gosto muito de tocar sabes, de fazer, de sentir a forma anónima como milhares de pessoas estiveram connosco ao longo destes anos, mesmo nesta fase em que ninguém sabia o que ia acontecer, esse movimento de retribuição cósmica puxou-me a querer continuar.

E não ficaram ressentimentos?
Claro que não! Mas houve alguma vez alguma dúvida disso?! Há vinte anos vi a Teresa a cantar, gostei da voz dela e convidei-a, disse-lhe que ia fazer música para ela. Já na altura ela tinha projectos e coisas que gostaria de fazer. Andámos vinte anos juntos, passámos grandes momentos de uma carreira mundial quase ímpar, demos o melhor que tínhamos! E depois chegou o momento de ir fazer outras coisas. Apoiei-a nisso, participei no seu disco, tenho muita admiração por ela, tem uma voz invulgar, uma grande experiência e desejo-lhe toda a sorte!

A viagem, é um conceito inerente aos Madredeus desde o início. Mantém-se essa matriz?
Essa é uma ideia que está subjacente no momento da criação dos Madredeus, há vinte anos atrás. Queria um projecto que fosse virado para andar lá por fora a mostrar Portugal. Neste novo trabalho, vamos concentrar-nos na Península Ibérica para já, depois, logo se verá…

Foi por isso que teve esta ideia, de fazer algo completamente diferente, em 1986?
Lembro-me que fazia espectáculos com os Heróis do Mar, e não havia anfiteatros em condições, os espectáculos eram feitos nas feiras, no meio das barracas das bifanas, e de uma barulheira inacreditável... Foi por isso que criei os Madredeus, engraçado não é ?! Tão simples… Queria fazer um grupo que não tocasse em arraiais, mas sim em jardins, em castelos e anfiteatros. Mas durante cinco anos só fizemos dez espectáculos por ano, demorou tempo, mas fez-se um projecto de vanguarda, que privilegia a solenidade do momento de ouvir música.

Vejo-o olhar para o disco... Nota-se que está orgulhoso, espera que o público o olhe assim também?
Tenho esperança que seja um grande êxito, na minha época, antes de eu morrer. Temos a maior expectativa, trabalhamos que nem cães para que sejamos apreciados. Não penso muito no número de vendas, mas mais na quantidade de espectáculos que temos marcados...

Como retrataria o país em termos musicais?
Não me cabe a mim dizer o que mudou, não me apanhas a dizer que fomos muito importantes! Muita coisa mudou de há vinte anos para cá, até em termos culturais, há mais espectáculos, mais oferta de facto. Mas continua a não haver uma indústria musical no nosso país, o que começa até pela falta de educação musical nas escolas, e que se nota também no público que vai aos espectáculos, em que as pessoas gostam do que ouvem mas muitas vezes não percebem porquê, uma vez que não foram educadas para a música nos seus aspectos mais lúdicos.

Há algum segredo para todo o sucesso que foi atingido nestes vinte anos?
Durante muitos anos andámos pelo mundo todo, a falar português em sítios onde nunca ninguém tinha ouvido falar de nós. Isso não aconteceu por termos caído nas graças de alguém, deu muito trabalho, todos os dias a ter de fazer mais um bocadinho...

E nunca lhe passou pela cabeça ficar num desses lugares por onde foi passando?
Eu gosto muito do meu país, de Lisboa.... Mas pensei nisso sim, quando estive em Belém do Pará, que fica na Amazónia, uma cidade índia. Achei aquilo o máximo, não me importava de me reformar e ficar por lá, abrir a tasca do Guaraná por exemplo... (gargalhada) Mas ainda não é para já!

Se não fosse a música, por onde iria o Pedro? Não o estou a ver de fato e gravata a trabalhar numa seguradora no Saldanha...
(Sorri) Não sei... Sempre pensei na música desde miúdo, fui muito influenciado pelo movimento hippie, por Woodstock, pelo Jimmy Hendrix, pela Jannis Joplin, depois pelo punk... Cresci com esses movimentos de revolução, quando se acreditou que a música podia mudar o mundo, eu sou filho dessas ideias! Este é aliás um álbum punk, à sua maneira!


Biografia
A carreira de Pedro Ayres Magalhães é quase impossível de resumir, tão abrangente se foi tornando com o passar dos anos. Começou na década de 70, por ser baixista, primeiro nos Faísca, um dos primeiros grupos de punk rock portugueses e depois no Corpo Diplomático. Alguns anos mais tarde, forma os Heróis do Mar, referência ainda hoje actual da música portuguesa dos anos 80.
No ano de adesão de Portugal à CEE, em 1986, por coincidência ou não, decide então inaugurar um novo projecto, mais virado para o exterior do país, “por levar Portugal a países que nem sabiam que existíamos”. Surgem assim os Madredeus, ainda com Rodrigo Leão, então vindo dos Sétima Legião e que alguns anos mais tarde acabaria também ele por sair, e com uma então desconhecida voz que marcaria a música portuguesa nas duas décadas seguintes, Teresa Salgueiro.
Alguns anos antes, em 1982, Pedro Ayres Magalhães tinha estado ainda na origem da Fundação Atlântica, onde foi director musical, juntamente com Miguel Esteves Cardoso, uma editora que produziu, entre outros, Anamar e os Delfins. Mais tarde foi de novo preponderante numa outra manobra marcante da canção tocada em português, estando na génese dos Resistência.
Multifacetado no campo das artes, extravasou por algumas vezes o campo musical e chegou a participar como actor em filmes como Longe (1988), De uma Vez por Todas (1986), A Janela Não é a Paisagem (1997), A Janela (2001) e ainda em Lisbon Story realizado por Wim Wenders.

Notícias Sábado: Bastidores - Casino Estoril



O Casino como nunca o viu

Das oficinas onde se consertam as máquinas de jogo, à cozinha que mais refeições serve diariamente em Portugal, sem deixar de passar pelos bastidores desnudos do espectáculo futurista Visions, ou acompanhar a preparação do Preto e Prata para mais uma noite de gala, a NS mostra-lhe o dia a dia do maior casino da Europa.



Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira


Manhã cedo ainda. A primeira imagem que se tem ao entrar pela porta principal do Casino Estoril não é a mais habitual, ou sequer a esperada. O movimento é reduzido, as luzes não balançam ainda frenéticas ao som do tilintar das moedas e por agora, apenas as equipas de limpezas conferem a noção de movimento ao espaço, substituindo-se aos jogadores de póquer, frequentadores das mesas de feltro verde e a todos os outros que daqui a algumas horas preencherão todos os recantos do Casino em busca da felicidade, das emoções dos vários espectáculos, ou apenas de alguns momentos de distracção. Fazem-se notar os técnicos de manutenção com as malas de ferramentas, num corrupio contra o tempo, enquanto consertam as pequenas avarias informáticas e os danos causados por um ou outro consumidor do jogo mais aborrecido com os resultados adversos da fortuna. “Isto evoluiu muito nos últimos trinta anos, antigamente era tudo mecânico, hoje é tecnologia de ponta que requer uma actualização constante da nossa parte”, explica Carlos Pinto. A seu lado, João Valente, companheiro de trabalho há mais de trinta anos, observa, cúmplice. “Uma vida! Até já estamos um bocado fartos um do outro”, lança, com humor. As três décadas que passaram nas oficinas de electrónica fizeram-nos conhecer, como poucos, os mecanismos da sorte, explicam, enquanto vão apresentado as velharias que ganham pó no armazém da oficina, num dos pisos subterrâneos do Casino.
O mais moderno centro polivalente da actividade de “entertainment” e lazer em Portugal, com as suas mais de mil máquinas, tem em Artur Mateus o director da área de jogo. Funcionário da Estoril Sol, detentora de vários casinos em todo o país, começou há 18 anos, ainda no gabinete jurídico, a história que o liga ao outro lado do jogo. “Isto é ligeiramente mais animado de facto, os horários são diferentes, mas é algo que gosto de fazer e não sinto muita falta do gabinete, confesso”. Há mais de uma década que conhece todos os recantos das várias salas, vive perto das centenas de jogos disponibilizados, mas não pode participar neles, nem aqui, nem em qualquer outro casino português. “É verdade, nem eu, nem nenhum outro funcionário, só no estrangeiro”, explica. “É o preço a pagar e faz sentido que assim seja por uma questão de credibilidade do próprio negócio”.
Os jogos de sorte e azar, enquadrados nos vários ambientes disponíveis, para fumadores ou não, para mais ou menos endinheirados jogadores, funcionam 12 horas por dia, das três da tarde às três da manhã. “Sendo a conjuntura actual caracterizada por uma redução da capacidade de consumo individual, a reacção dos Casinos é a de conceber e aplicar estratégias para aumentar o número de frequentadores na procura de um desejável crescimento das receitas, com base numa maior afluência de Clientes para suprir o menor consumo ´per capita`. Aqui, no Estoril, implementámos este ano novas estratégias de marketing e animação, o que provocou um crescimento progressivo do número de visitantes em cerca de nove por cento em relação ao verificado no ano passado. E de facto temos aqui pessoas de todos os extractos. Engraçado que durante o dia vêm mais mulheres, à noite mais homens, mas há de tudo entre as cinco mil pessoas que nos visitam diariamente. Se de todas essas pessoas há viciados no jogo? Decerto que haverão, mas penso que muita gente vê mal toda esta dinâmica porque isto deve ser encarado como uma actividade lúdica. Eu acredito no trabalho e na competência para enriquecer, primeiro que na sorte até”.
José Mateus, chefe de sala e um dos mais de cem funcionários que trabalham directamente nas várias salas de jogo, está por perto. “É um costume já, o meu trabalho afinal, estar sempre à vista”. Ajeita os últimos detalhes antes da abertura ao público, hoje, como nos últimos dezasseis anos que aqui já passou. “Sim, tem de estar tudo em ordem”, deixa escapar, sem desviar o olhar do serviço que permanece ainda por cumprir. A outra parte do seu trabalho, essa, não tem no entanto, horário ou local predestinado para ocorrer. “As batotas? Acontecem! Haverão sempre pessoas que tentam quebrar as regras mas estamos habituados e já os conhecemos”.
Artur, complementa. “Por exemplo fala-se sempre na marcação das cartas, mas temos um baralhador automático, que o faz com oito baralhos, é quase impossível! E depois estamos treinados para percebermos quando alguma coisa estranha se está a passar”.
As roletas francesa e americana, o blackjack, o póquer cada vez mais em voga, com um torneio mensal que junta os mestres do bluff de norte a sul do país com final marcada para Dezembro... E as slot machices, claro, a imagem mais marcante de qualquer casino. “Cada máquina é substituída ao fim de quatro anos, porque uma parte importante de tudo isto é a novidade, quer do jogo, quer da apresentação visual do próprio espaço que se quer moderno e versátil”.
Las Vegas e Macau. Duas referências que assomam por sugestão, sempre que se pensa no grande jogo, em lugares promovidos em filmes e agências de viagens por todo o mundo como destinos turísticos onde a sorte anda de mãos dadas com o glamour, a ostentação, e com o universo do espectáculo. “São duas concepções diferente de casino. Las Vegas por exemplo, aposta na competitividade e na oferta cultural, ao contrário de Macau, onde isso já não é tão visível. Nós optámos por uma solução própria, centrada no jogador, tentando chegar a um público mais vasto. Posso dizer-lhe que sem os espectáculos o número de jogadores seria menor, e o inverso também acontece pois é desta sinergia que vive o Casino Estoril”.




Para lá do olhar, outros sentidos são apurados. Na maior cozinha portuguesa, ou pelo menos na que mais refeições confecciona diariamente, a azáfama diária inicia-se bem cedo, ainda com a madrugada como pano de fundo, quando chegam as primeiras mercadorias encomendadas na véspera. O armazém agita-se e na cozinha, a primeira equipa já trabalha para que, ao final do dia, as cerca de trezentas refeições que, em média são servidas, cumpram os requisitos que o espaço e o preço (mínimo de 58 euros por pessoa) tornam necessários.
Depois, os briefings com os comerciais que agendam o número de clientes para cada noite, a escala da semana, as sugestões gastronómicas do dia, e a continuação do trabalho tempero a tempero, com as mudanças de turno pelo meio, constituem-se como os mais rotineiros passos de um dia a dia, que no entanto, reserva sempre surpresas de última hora.
“Bem vindos à maior cozinha portuguesa”. O chefe José Manuel, responsável pela gastronomia servida no Casino há 8 anos, tem dificuldades em distinguir a sua especialidade. É-lhe mais fácil atribui-la ao gosto do cliente, que o tempo e a experiência de noites “sempre diferentes”, lhe foram trazendo. “O que mais nos pedem de facto é o arroz de marisco, e alguns outros pratos que já sabem que aqui têm sempre qualidade. Mas apesar de termos isto organizado e sistematizado, estamos sempre preparados para surpresas de última hora... Não é raro estarmos à espera de 350 e virem mil! E em cinquenta minutos têm de estar todos a jantar... É assim, temos de pensar nestas coisas todas”.
A equipa divide-se pelos vários sectores da área de confecção. No corte e preparação dos frescos, nas sopas, nas carnes, nas sobremesas e no armazém de vinhos. Tudo por aqui existe numa escala exponenciada, dos tachos às máquinas, passando pelos fogões, e pelas quantidades de ingredientes utilizados, começando e acabando nos cerca de 26 funcionários distribuídos pelas diversas tarefas da confecção de uma refeição. “Cada um sabe o que tem de fazer, tem de ser assim, os cheffs, os ajudantes e os chefes de sala... Esta é provavelmente a cozinha que mais refeições serve diariamente no nosso país e a qualidade não pode ficar para trás. Por isso, nada sai daqui sem eu provar!”.





Durante os milhares de momentos que já viveu nas várias cozinhas de luxo por onde foi passando e fazendo carreira, e das doze horas que nesta passa diariamente, guarda um sentimento, que não tem receio em dar a provar, como se de mais um prato acabado se tratasse. “Ser cheff é uma arte, qualquer coisa de muito nobre, uma profissão aliciante que requer atenção ao detalhe”, explica, enquanto observa um dos seus cozinheiros a retirar a espuma de um creme de marisco, com um olhar embevecido. “Isto são pormenores que fazem toda a diferença para quem gosta de saborear”.
Os diferentes aromas começam a divagar livres pela atmosfera, aguçando apetites e a antever que está quase na hora de os pratos serem apurados, e servidos. Começam a circular os empregados de mesa numa rotação que parece interminável. Do outro lado de uma das portas, ainda entreabertas, um vislumbre sobre o Preto e Prata, a principal sala de espectáculos do casino, e onde são também servidas as refeições. Os cerca de trinta empregados, podem chegar aos setenta se a sala estiver lotada, envolvem-se numa estranha dança acelerada, com os guardanapos, as toalhas de mesa, os talheres, os copos, de um lado para o outro, incessantes, numa estafeta organizada em contra-relógio. “Tudo em ordem?!”. As luzes estão altas ainda, e a hora de jantar aproxima-se.



Bastidores dos Sonhos. Com capacidade para mil e cem pessoas, o Preto e Prata é uma das mais emblemáticas salas de espectáculo do país. Palco de actuação de quase todos os grande nomes da música que passaram por Portugal, local privilegiado para a realização de grandes galas, “é a verdadeira sala de visitas” do Casino, releva Branca Frazão, responsável pela parte artística.
Em cena desde Setembro passado, e em permanência durante o próximo ano e meio, o espectáculo ”Visions, o Espírito dos Sonhos”. Idealizado, em exclusivo, para este cenário, reúne em palco, um elenco de artistas das mais variadas artes performativas, secundados por uma banda que interpreta temas originais inspirados na música pop contemporânea.
Por enquanto, no palco, e horas antes da entrada em cena, ensaia-se para mais uma apresentação perante uma sala repleta. “É normal, estamos sempre a tentar melhorar o espectáculo”, explica o norte-americano Michael MacPherson responsável pela concepção de um espectáculo que nasceu, nas suas palavras, “de todas as experiências e emoções antagónicas que já senti através dos meus próprios sonhos... o movimento, o tempo, a luxúria, o pesadelo e a celebração”.
O ensaio termina, todos se recolhem, o Salão escurece e os grandes candelabros de acrílico descem sobre a sala, proporcionando-lhe uma outra luminosidade, mais circunstancial e adaptada à ocasião que se antevê no relógio. Silêncio.
Nos bastidores, e ainda antes das portas se abrirem ao público, a confusão de ginastas a fazerem aquecimento pelos corredores interiores, mistura-se com a profusão de roupas coloridas espalhadas nos camarins, e com os sonoros exercícios de aquecimento vocal de Raquel Alão e Laura Sinclair, que canta durante o espectáculo, a inundarem as galerias resguardadas nas profundezas do Casino.
Rackel, uma inglesa que vive em Portugal há sete anos está encarregada da produção e dos castings. Conversa com Sandra Fernandes, costureira, sobre os reparos do guarda roupa futurista. “Aqui há sempre trabalho para fazer, mas não me importo porque este sempre foi o meu sonho desde criança! Já a minha tia trabalhava aqui no Casino como costureira dos espectáculos e acabei por vir para cá também”.




Se horas antes, as caras destapadas ainda não deixavam vislumbrar as várias personagens que iriam encarnar os diferentes quadros dimensionais de Visions, quando só faltam minutos para o espectáculo começar, nos espelhos emoldurados de luzes, as pinturas começam a esculpir emoções nas faces dos malabaristas corporais que dão movimento e cor quase sobrenaturais, ao esboço do criador da obra. “Demoro mais ou menos quarenta e cinco minutos a estar pronto... Se fico nervoso?! Claro, um pouco, mas já tenho alguns anos disto e acabamos por nos habituar! É daqueles trabalhos que qualquer pessoa gostaria de ter”, conta Marcos, um dançarino brasileiro que nesta peça sobre os sonhos, interpreta o papel de... pesadelo. Sorri pela ironia, e regressa aos contornos da sua personagem. Ao seu lado, Kris Arnold, o protagonista, um inglês que não dispensa o Ipod enquanto se vai também ele preparando, consome-lhe as palavras, e segue-lhe as intenções. “Adoro Portugal! Isto é maravilhoso, Lisboa, esta linha de Cascais... não me importava de ficar cá a viver. Cada noite é diferente da anterior e eu gosto disso”.
Está na hora. Cores, magia, movimento. Os primeiros acordes, acrobacias em corpos agitados e desnudos, magia, publico... Aplausos que se repetem, uma e outra vez. “É assim, quase todas as noites”, alguém vai dizendo nos bastidores sem tirar o olhar da fresta de cortina negra que dá acesso à visão do palco onde quase tudo acontece.
Meia noite. As salas de jogo estão agora repletas, as luzes tornam-se desvairadas ao som de moedas a tilintar no metal, bastante menos que há alguns anos atrás no entanto, já que quase todas as máquinas funcionam com o sistema de créditos debitados no cartão magnético. A bilheteira já afixou o letreiro de esgotado para esta noite, as exposições de arte, os vários bares, o Du Arte Garden, e o Preto e Prata estão repletos. E a cozinha já começa a servir as sobremesas e os digestivos. Ao final da noite, o Casino retoma assim a vida, que lhe serve de incentivo até à manhã do dia seguinte, em que tudo recomeça, uma outra vez.




Números dos casinos do Grupo Estoril Sol

Visitantes
Casino Lisboa: 1.562.611
Casino Estoril: 1.317.872
Casino da Póvoa: 681.221

Valor dos prémios atribuídos nas salas de máquinas
Até Outubro de 2008
Casino Estoril: 283,3 milhões de euros
Casino Lisboa: 255,3 milhões de euros
Casino da Póvoa: 114,7 milhões de euros
Total: 653.3 milhões de euros

Valores das receitas dos jogos:
Até Outubro 2008

Casino Estoril
Bancados: 14.789.227,00
Máquinas: 65.601.808,38
Total: 80.391.035,38

Casino de Lisboa
Bancados: 15.421.793,00
Máquinas: 65.438.996,03
Total: 80.860.789,03

Casino da Póvoa:
Bancados: 7.978.597,00
Máquinas: 40.363.685,30
Total: 48.342.282,30



“Crise tem afectado receitas”
Artur Mateus, o director da área de jogo do Casino Estoril não deixa de admitir que a crise “tem de facto afectado negativamente a evolução das receitas”, sustentando que, “no panorama nacional, se retirarmos o Casino Lisboa, que abriu em 2006 e está ainda em fase de maturação, e o Casino de Chaves, que abriu em Janeiro de 2008, e representa apenas 1,8 por cento do mercado, verificamos que, em média, os Casinos perderam 3,2% no total de receitas, de Janeiro a Outubro deste ano, em comparação com o período homólogo do ano anterior”, explica.
A diferença agudiza-se se se observar isoladamente o mês de Outubro, precisamente o mais assolado pelas notícias da grave crise financeira quer alastravam pelos media de todo o mundo. “Comparando o mês de Outubro de 2008 com o mês homólogo do ano passado, a perda é ainda maior: 7,5%”, assinala.


Casino de Lisboa excede expectativas e da Póvoa vai ser remodelado
No Casino Lisboa, e após decorrida a fase de maturação inicial, correspondente aos primeiros 3 anos de funcionamento, a estratégia de manutenção ou crescimento de receitas tem um objectivo definido para o grupo. “Aumentar o número de visitantes”, explica Artur Mateus. Com uma média diária de 6.000 frequentadores, superior à do Casino Estoril que de há três anos para cá “perdeu de facto visitantes para o novo Casino de Lisboa, sem no entanto isso ter sido tão acentuado como receávamos”, o responsável adverte que será, ainda assim, “necessário ampliar, quer o espaço disponibilizado, quer o leque de ofertas. O investimento nesta solução está já a ser concretizado, e conduzirá à inauguração de um novo andar, prevista para 19 de Abril de 2009, na data em que se comemoram 3 anos sobre a inauguração, enquanto que na Póvoa, estão a iniciar-se as obras que conduzirão à total remodelação e modernização do espaço, para além claro, do up-grading decorativo, bem como obras de total remodelação, visual, estética e funcional, quer no exterior, quer em todos os espaços interiores do Casino Estoril”.

Combate à agiotagem
A agiotagem é um problema em todos os casinos do Mundo, e Portugal não é excepção.
Artur Mateus, tem encarado esta actividade ilegal desde que dirige a área de jogo do Casino Estoril, há mais de uma década. “A nossa acção centra-se na recolha preliminar de provas que permitam caracterizar devidamente a sua actividade. Com base na observação efectuada e nos elementos recolhidos, é efectuado um pedido de proibição de acesso desses indivíduos aos casinos, dirigido à Inspecção de Jogos. De referir que a apresentação de provas da actividade de agiotagem nem sempre é fácil, ao que não é estranho o facto de a lei punir tanto o prestamista como o Cliente que é vítima da sua actividade. Apesar disso, todos os anos é decretada a proibição de acesso de vários frequentadores que se dedicam à agiotagem”.
Algumas denúncias, mais ou menos anónimas, associam por vezes, neste como em todos os casinos, os funcionários em conivência com os agiotas. “Se esta actividade for praticada por empregados do Casino, a acção é do máximo rigor. Os factos são participados à Inspecção, para efeitos de processo de contra-ordenação, e é instaurado simultaneamente o competente processo disciplinar, que termina invariavelmente com o despedimento do trabalhador”, garante.

Notícias Sábado, capa, Novembro de 2008

Notícias Sábado: Portugueses procuram cada vez mais armas ilegais

Desde que a nova Lei das Armas entrou em vigor, há cerca de dois anos, ainda não foi passada uma única licença de porte de arma para civis, situação que tem provocado o pânico entre os armeiros portugueses, com uma quebra de vendas estimada na ordem dos 70 por cento. Por outro lado, no mercado ilegal, a insegurança e a dificuldade em obter uma arma através de meios legais, faz a procura aumentar e os preços descerem. Em poucos minutos, com os conhecimentos adequados, pode comprar-se uma arma ilegal na rua ou até pela Internet.

Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira


Existem actualmente cerca de 1,4 milhões de armas oficialmente declaradas em Portugal, entre armamento destinado à caça, ao tiro desportivo e à defesa pessoal.
Em relação ao número de armas ilegais em circulação, várias são as estatísticas que têm vindo a público nos últimos tempos que aventam a possibilidade de existência de um número idêntico ou aproximado, mas tanto o Ministério da Administração Interna como a PSP rejeitam liminarmente esse cenário. “Desconheço o número ao certo de armas ilegais, justamente por serem ilegais”, afirma o ministro Rui Pereira, apontando então para valores menos alarmantes, “na ordem das dezenas de milhar”, assegura.
Também a Direcção Nacional da PSP se apressou a desmentir os números divulgados na imprensa, negando por completo essa possibilidade. O director do Departamento de Armas e Explosivos da PSP. Luís Farinha garante mesmo que “não existe qualquer estudo, nem dados científicos que apontem para a existência de tal número de armas ilegais”, considerando até “impossível que o mercado ilegal tenha mais armas do que as legalizadas. A polícia não tem nem faz estimativas de armas ilegais pois se as conhecêssemos, apreendíamo-las e aí conseguiríamos fazer uma estimativa”, argumenta.
“Se pensarmos que entre as cerca de 1,4 milhões de armas legais se incluem as armas já abatidas, as armas furtadas, as armas exportadas, incluindo as armas produzidas em Portugal e exportadas para outros países, é susceptível de ser praticamente impossível a existência de um mercado paralelo armas ilegais superior ao das legalizadas”, argumenta.

Sem certezas quanto aos números reais, a verdade é que uma quantidade indefinida de armas ilegais, dos mais variados modelos e calibres, continuam a ser transaccionadas um pouco por todo o lado onde se possa imaginar. Entre as armas ilegais mais comummente encontradas no nosso país encontram-se pistolas de alarme (cuja venda oficial é proibida) transformadas em serralharias clandestinas que podem custar 75 euros, mas também metralhadoras soviéticas, Uzi israelitas e as Remington 1100, mais conhecidas por Shotguns, utilizadas em vários assaltos ao longo dos últimos meses.
Qualquer destas peças pode ser encontrada em muitos dos mais de trinta bairros problemáticos situados na orla urbana da Grande Lisboa, de Santa Filomena à Cova da Moura, da Fonte à Quinta do Mocho, por exemplo, onde se encontram traficantes de armas com recursos necessários para comprar armas de guerra em mercados clandestinos e de imigrantes oriundos da antiga União Soviética como a Ucrânia e a Bielo-Rússia.
O Bairro da Apelação, em Lisboa, é um dos locais onde se podem encontrar armas ilegais, com maior ou menor dificuldade. Fala-se mais de balas, do que de bolas a rolar pela rua, em brincadeiras de miúdos que mesmo assim, se vão mantendo por ali.
Valentim Gonçalves, pároco do Prior Velho explica que é preciso fazer mais do que as recentes campanhas de “dersarmamento” levadas a cabo pela PSP, para se resolverem os graves problemas de criminalidade" que assolam o bairro. “Já me chegaram a oferecer um colar feito de cartuchos de armas de caçadeira”, explica, como forma de ilustrar a realidade diária com que lidam os habitantes da Apelação.
Um dos habitantes, sem se querer identificar, não tem problemas em indicar como se podem adquirir vários tipos de armamento, os preços, quem os fornece. “Solução?”. Um sorriso e um encolher de ombros, proporcionam a resposta que nem surge inesperada, uma vez que a esperança parece já não morar por aqui há tempo demais.
“Não podemos ficar muito surpreendidos se estes fenómenos como o do tiroteio na Quinta da Fonte se repetirem, principalmente quando há tantas armas ilegais e gangs organizados”, assinalou o general Garcia Leandro, que preside ao Observatório de Segurança, aponta as dificuldades de integração das comunidades de migração interna, do campo para a cidade, quer de imigrantes do exterior, que geram exclusão.” Existem problemas sociais e económicos graves a nível dessas famílias que tornam mais provável a ocorrência de situações de criminalidade”, explica.

Circuito paralelo. Se legalmente, e com despesas de licenciamento incluídas, uma arma de defesa pessoal de baixo calibre pode custar perto de 750 euros num qualquer armeiro, e demorar quase um ano a estar disponível para o comprador, na rua o processo é imediato e custa 10 vezes menos, para além do facto compreensível de se poder adquirir um calibre mais poderoso.
Uma das armas mais comuns que se podem encontrar nas ruas é a 6.35mm, uma das permitidas por lei para os civis, para além do calibre 32 longo. Surgem como as mais baratas e acessíveis porque em muitos casos são pistolas de alarme transformadas em serralharias caseiras espalhadas um pouco por todo o país, visto ser este, um negócio rentável pela procura crescente que se verifica, surpreendentemente ou não, por parte de jovens pertencentes a gangs criminosos que as utilizam para pequenos furtos, mas também por cidadãos comuns. “Sim, dá dinheiro e não é muito difícil de fazer! Cada vez mais as pessoas procuram porque não se sentem seguras e não é só malta daqui do bairro, vem cada vez mais gente que não quer fazer mal a ninguém, só se quer sentir protegida”. Paulo Silva, nome fictício de um jovem residente na Cova da Moura, afirma ter já estado no negócio, abandonado “por causa da polícia e dos meses de prisão”, que passaram por ele, como forma de mudança de destino. “Agora estou limpo”, afiança, sem no entanto deixar de dizer que a alguns metros da sua antiga oficina artesanal no bairro, outras iniciaram funcionamento. “Isto nunca há-de parar, porque a violência traz violência e é cada vez mais difícil e mais caro comprar uma arma legalmente não é?”.
Fonte policial explica à Notícias Sábado a razão do “controlo do tráfico de armas” ser ainda uma verdadeira “meta utópica, devido à ausência de fronteiras que por via do desarmamento dos países de Leste e às máfias que controlam o mercado dos estupefacientes e de armamento faz com que aumentasse brutalmente o número de armas a circular ilicitamente no nosso país”.
Depois, uma outra forma de alimentar o mercado paralelo de armamento releva-se após a divulgação de números da PSP, assinalando que no ano passado foi reportado o desaparecimento de cerca de 31 mil armas, tendo sido recuperadas apenas 2.500, o que para a mesma fonte, significa “que existem armas que alimentam um determinado circuito ilegal”.
Há depois, a questão legislativa que, segundo vários membros das forças policiais contactados, não ajuda em nada “um combate que tem de ser vencido! Quando detemos alguém por posse de armas, para o detido, a pena acaba por ser curta e imediatamente o espaço que tinha no mercado é ocupado por outro”, alerta um inspector da Polícia Judiciária.
Leonel Carvalho, secretário-geral do Gabinete Coordenador de Segurança, corrobora as opiniões dos agentes no terreno. “O tráfico de armas é praticamente incontrolável, sendo que é muito difícil entrar no mercado negro alimentado por material fabricado na Europa, cujo acesso é muito barato e fácil”, conclui.


Armeiros alarmados.
“É uma vergonha o que se está a passar no nosso país”. É desta forma e sem meios termos que a presidente da Associação de Armeiros de Portugal, Ana Ferreira classifica o estado do sector. “Engraçado como a insegurança aumenta a cada dia que passa, mas as vendas de armas desceram a nível nacional, cerca de 70 por cento e muitos armeiros estão a fechar. E porquê? Porque a nova Lei tem coisas positivas mas outras que de facto devem ser alteradas, como o exagero em termos burocráticos, de proibições... Imagine que até os sprays e as pistolas de alarme são proibidas, quando depois se vai à Internet, ou se atravessa a fronteira e se podem adquirir esses mesmos produtos”.
Depois, para a dirigente associativa, há ainda uma outra questão relacionada com os serviços da PSP, que não estarão, segundo a própria, “preparados” para fazer cumprir todas as normas emanadas da nova legislação. “Obrigam-nos a esperar meses com o material em armazém, já pago claro, o que nos provoca prejuízos enormes, como calcula. Posso dizer-lhe que desde que entrou em vigor, ainda não foi passada nenhuma nova licença e já lá vão dois anos, devido à falta de cursos obrigatórios para a obter”, assinala.
Contactada pela NS, a Polícia garante que “esta situação ficará corrigida antes do final do ano”, confirmação que não acalma no entanto as preocupações dos armeiros nacionais. “Admito que esta burocracia e este atraso enorme na concessão das licenças leve de facto algumas pessoas a recorrer ao mercado paralelo até porque, quando existe exagero de um lado, a tendência passa por arranjar forma de fuga”, explica.
Para além das ruas, a Internet é outro meio de conseguir comprar uma arma ilegal. Serão milhares os sites que as publicitam, todos estrangeiros, uma vez que em Portugal é proibida a publicidade de artigos do género, mesmo que feita pelos próprios armeiros.
“Sim, é verdade, até tenho vários processos de lojas que tinham sites, com descrição das armas que tinham para venda e que neste momento foram processados por o fazerem, o que achamos ridículo porque se tratava apenas de uma descrição dos produtos que existiam e não de um meio de venda online”, explica Ana ferreira.
Paralelamente, numa das últimas edições da revista dedicada à caça, Calibre 12, um panfleto da Alvarez, uma empresa espanhola que comercializa vários tipos de armamento, anuncia a venda, com os modelos, os preços e até uma ficha de encomenda de vários tipos de armas de alarme, cuja venda é ilegal no nosso país. “Sim, essa situação é verdadeira, aliás já avançámos com uma queixa. Apesar de serem pistolas de alarme são ilegais no nosso país e não as podemos vender, mas no entanto surgem aqui claramente explicitadas e ninguém faz nada”, assevera.
Carlos Batista, proprietário da José Matos Gonçalves e Irmãos, o único fabricante de armas com marca portuguesa (a NOA, iniciais equivalentes à Nacional Oficina de Armeiros), e um dos mais antigos no mercado, mostra-se também preocupado com o rumo que o sector seguiu nos últimos anos. “Já antes da nova Lei as coisas estavam a piorar, mas desde então tem sido preocupante de facto, não sei mesmo, durante quanto tempo poderemos manter um negócio que já vem do meu avô, há mais de 60 anos”, assinala.

Violência. Parece uma consequência indissociável do acesso fácil às armas de fogo ilegais. Com o aumento dos índices de criminalidade violenta que se registaram desde o início de 2008 e que atingiram o auge, em termos de acontecimentos e de mediatismo, em Agosto passado o descontrolo no tráfico de armas em Portugal deixou de ser segredo mas, tão pouco é um facto recente. “Apesar do desmantelamento de pequenas redes ilegais de comercialização de armas, persiste a actuação de estruturas criminosas, de origem estrangeira, que se enformam de um elevado grau de sofisticação e apresentam uma oferta de produtos bastante diversificada”, lê-se numa das alíneas do Relatório Anual de Segurança Interna de 2006.
No entanto, os assaltos a bombas de gasolina, dependências bancárias como a do BES, em Lisboa, e o episódio de violência com armas de fogo na Quinta da Fonte, no concelho de Loures, multiplicaram-se por outros mais ou menos mediatizados, e foram ocupando as conversas de café e espalhando a sensação de insegurança que se reflecte nos números. Nos últimos meses, pelo menos oito pessoas morreram ao serem baleadas e 16 foram feridas, para além dos ainda incalculados pelas seguradoras e vários proprietários atingidos, danos causados pela recente onda de assaltos.
A PSP, mostra-se contudo, ciente dessa realidade “Haverão bairros em Lisboa certamente onde há muito maior concentração de armas e não há incidentes deste tipo, como o da Quinta da Fonte”, explica Luís Farinha, acrescentando “não haver relação com a posse das armas em si, muitas delas se calhar detidas legalmente mas sim com o comportamento humano e com a utilização que as pessoas lhes dão”, sublinha.





Números
-Existem oficialmente registos para cerca de 1,400 milhões de armas em Portugal. Mais de 80 por cento são de caça.
-Um em cada dez portugueses é possuidor de uma arma, na grande maioria, proprietários de apenas uma unidade.
-Em 2007, a PSP e a GNR apreenderam 8 mil armas.
-Em 2008, as apreensões já ascendem às 5 mil.
-31 mil armas foram declaradas como desaparecidas no ano passado. Apenas 2.500, foram recuperadas.


Como adquirir uso e porte de arma
Primeiro, e depois de saber que tipo de finalidade quer dar à arma que irá adquirir, caça, tiro desportivo ou defesa pessoal, inicia-se o processo. Segue-se o requerimento, indicando as razões profissionais ou circunstâncias imperiosas que justifiquem o uso de arma de defesa, depois a declaração do requerente, sob compromissos de honra, em como se encontra em pleno uso de todos os direitos civis e políticos e em como nunca foi condenado ou esteve envolvido em situações relacionadas com estupefacientes que, depois, complementa com o atestado de residência ou fotocópia do cartão de eleitor, identificação pessoal, certificado de registo criminal, declaração passada pela Direcção Geral de Viação onde conste que não foi condenado por qualquer infracção relacionada com a condução sob o efeito de álcool e duas fotografias, a cores, tipo passe.
Existe uma diferenciação entre as pessoas que podem ter o direito a requerer o uso e porte de arma, entre classes B, para todos os funcionários das forças militares, deputados, juízes e armeiros, que têm acesso a um número mais diversificado de calibres, e cujo processo de obtenção é mais célere, e B1, para os civis, com apenas dois calibres, 6.35 mm e 32 longo à disposição, calibres mais fracos em termos de potência.
Nos últimos dois anos, desde a entrada em vigor da nova Lei das Armas, as únicas licenças passadas foram relativas à classse B.
Todo o processo, pode custar ao requerente, para além do valor da arma, entre os 120 e os 200 euros, dependendo das várias categorias e finalidades do uso e porte da mesma.


Onda de violência provocou alteração à Lei
O Governo aprovou há algumas semanas um novo regime jurídico das armas, que prevê a aplicação da prisão preventiva em todos os casos de crimes cometidos com detenção ou com recurso a arma proibida, depois de em 2006, ter entrado em vigor uma nova Lei das Armas que substituía a antiga legislação em vigor, há várias décadas.
“A proposta de lei prevê a aplicabilidade da prisão preventiva em todos os casos de crimes de detenção de arma proibida e de crimes com recurso a arma”, anunciava Pedro Silva Pereira, ministro da Presidência, no final do Conselho de Ministros em que a medida foi tomada.

Notícias Sábado, Novembro de 2008

Notícias Magazine: André Sardet

“Este trabalho é a maior aventura da minha carreira. Precisava disto!”

Do imaginário que agora deixa soltar-se em “Mundo de Cartão”, André Sardet regressa à música com tons diferentes, feitos de memórias de criança, coloridos, alegres, soltos. Da sua infância recorda as brincadeiras de rua na Coimbra dos anos 80, os carros de rolamentos, a bola para a qual não tinha muito jeito, o que lhe valeu a alcunha de “Câmara lenta”, e a música, “sempre”, desde que lembra de começar a sonhar.
Dedica o seu mais recente trabalho “a todos os que gostaram de ser criança”, mas também aos que já se esqueceram, para que voltem a ser emotivas as “viagens ao sabor da imaginação dos nossos filhos”. Sente-se “feliz”, mas não esquece os tempos em que não o foi, conta como quase desistiu de tudo, o passado em que ninguém acreditava no presente que hoje vive, e anseia pelo destino, com um sorriso no rosto.


Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira


Neste “Mundo de Cartão” em que agora se lança, reaparece porventura diferente do André Sardet dos últimos anos...
Sim, tudo começou pela música que fecha o álbum, uma versão de “Anjo da Guarda”, do António Variações, com que costumava adormecer a minha filha. Depois fiz o “Mundo de Cartão”, que dá nome ao álbum, que me deu muito gozo cantar com ela, porque eu começava as frases e ela terminava-as! Achei graça a essa interacção e então comecei a compor mais coisas, dentro deste imaginário dela, dos bonecos, dos brinquedos...


E como surgem as personagens em tudo isto?

Este universo foi crescendo e ganhando uma identidade que não é mais do que o espelho de uma fase muito feliz da minha vida. Quanto às personagens, foram ganhando vida através das músicas... O Palhaço Gargalhadas que era um boneco que lá tinha em casa, a Joana, uma boneca preta que mora na montra de uma loja, a Maria bailarina que a escolhe por ser diferente... e diz: ´Quero aquela boneca de cabelo em pé, que tem olhos de gata e cor de café...`. Quis mostrar isso, como pode ser simples e tão belo, o mundo através do olhar de uma criança.

Foi complicado imaginar, criar e dar vida a todo este contexto partindo de uma base musical?
Tudo isto deu dez vezes mais trabalho que o normal! Sempre fui muito fotográfico a compor, para cada frase associa-se uma imagem e neste trabalho era difícil transmitir tudo o que ia na minha cabeça só com música. Por isso há um universo de comunicação muito maior, das histórias aos personagens que ganharam vida em animação nos telediscos, as histórias, o site criado especificamente para este trabalho...


Porque decide inverter o rumo da sua carreira no seu ponto mais alto?

Este trabalho não é de facto para comparar com tudo o que tenho feito até agora, assumo que é de facto uma fuga para a frente porque tinha em cima de mim a nuvem de um grande êxito, a pressão... Fiz isto sem ligar ao que já tinha feito, sem pensar muito, apenas para compor de ma forma mais livre, mais irresponsável, que é uma coisa que vamos esquecendo ao longo da vida. Acho que com o tempo vamos perdendo o sentido de humor...

Parece quase como que uma pequena fuga artística... é?
Sem dúvida, quis encetar de facto essa fuga, com maior liberdade, mais cor...
Precisava disto artisticamente! Os anteriores trabalhos reflectem um lado mais melancólico, mais nostálgico, mas não sou só isso, tenho sentido de humor, sou brincalhão e quis mostrar este lado de mim agora.

E escolheu o Portugal dos Pequenitos para dar a sua primeira entrevista...
Quero dar a conhecer às pessoas que estou numa fase diferente, e por isso gosto de mostrar um espaço que nos mora na memória colectiva, como os acordes do “Verão Azul”, ou do “Dartacão” que também incluí no disco. Por isso digo que não o fiz para as crianças apenas, mas para todos os que gostaram de o ser, e também para quem já se esqueceu do que é verdadeiramente ser criança!


Como lhe foi surgindo a ideia de elaborar um trabalho deste género?

Foi sendo escrita em vários locais, ao longo dos anos que acompanham as diferentes fases do crescimento da minha filha. Foi ela, sem dúvida, a grande fonte de inspiração de tudo isto que considero o maior desafio musical da minha carreira.

E canta muito para ela ainda?
Canto para ela desde a barriga da mãe!


Mudou-o, o facto de ser pai?

Acho que o filho desperta um lado de imaginação, criatividade... Temos de estar sempre a criar brincadeiras novas porque eles são muito exigentes e cansam-se das novidades em uma hora! Foi fantástico, não quis deixar de escrever sobre isso, sou hoje muito mais feliz e completo!

Nota-se muito de si, nas suas canções, aceita este facto?
Sempre fui auto-biográfico a compor, há fases da minha vida reflectidas em todos os meus trabalhos, mas também histórias que me contam, coisas que observo noutras pessoas... Muitas das minhas musicas são segredos bem guardados!

Como funciona quando está a compor?
Não gosto de fazer as coisas à pressão... Ando sempre com o gravador, porque quando componho não memorizo o que faço, e por vezes sai uma musica do principio ao fim. O “Adivinha Quanto Gosto de Ti” foi assim, composto num hotel em Évora, antes da primeira eco-tour que fiz.


É um dos artistas em Portugal que mais referências faz ao meio ambiente. Tem de facto essa preocupação pessoal?

Tento estar atento àquilo que se passa à minha volta e não ficaria satisfeito se não agisse. Se estou numa fase de carreira em que tenho atenção das pessoas aproveito isso para fazer alguma coisa, e não o faço para cavalgar a onda. Este álbum tem pela primeira vez em Portugal uma embalagem produzida através de árvores com abate controlado e tintas e vernizes feitos com base aquosa, sem solvente numa embalagem da Sony, sem plástico.

Foi Feitiço?

Parece-me uma pessoa bastante exigente, é assim?
Comigo sou exigente, perfeccionista, tento sempre estar atento a tudo, dar o máximo. Confesso que posso ser um bocadinho controlador e chato nesse aspecto porque não acho possível nem lógico que depois de uma entrega tão grande na composição de um álbum não se tenha o mesmo empenho na produção, na gravação, na promoção. Deve-se tudo a uma questão de coerência.

Como se explica o grande sucesso do álbum “Acústico” que acaba por marcar a sua carreira e, quase que por feitiço, ironicamente lhe altera o destino?
Acreditava na altura que tinha um repertório válido mas que não tinha tido grande sucesso e por isso, custava-me fazer mais originais sem ter tido tempo de expor aqueles trabalhos, fruto de uma carreira de dez anos. Acreditei que devia dar uma segunda oportunidade ao meu trabalho..

Acabou por ser esse, um espectáculo para recordar...
Os Coliseus também, sem dúvida, em Fevereiro de 2007. Foi muito intenso tocar naquelas salas, esgotaram duas vezes sem colar um único cartaz, foi mágico. Mas já vieram depois. A gravação do Acústico é onde tudo começa de facto, e aí tenho de te dizer que não foi só a minha entrega total, foi a de toda a equipa que tinha aquela única oportunidade para gravarmos...

E essa noite é decisiva na sua vida... É verdade que já se tinha decidido a abandonar a música?
Foram anos complicados, senti-me muito sozinho, achava que era o único a acreditar naquilo que fazia para além daquela meia dúzia de pessoas que me estava mais próxima.
Não havia já segunda oportunidade, já tinha decidido comigo mesmo que se não acontecesse nada iria desistir, arrumar as botas! Marquei então esse concerto em Coimbra, paguei-o do meu bolso, não houve dobragens, não fui para estúdio corrigir coisas, foi o que foi, e ficou bem.

E se não tivesse corrido bem, chegou a pensar no que faria?
Provavelmente continuaria com a minha empresa de espectáculos que me deu a independência financeira, ao mesmo tempo que tinha uma carreira artística que só me dava prejuízo.


Essa noite, calculo, ficar-lhe-á na memória então...

A partir daí as coisas mudaram na minha vida!

Ainda se lembra da primeira sensação que o invade quando abandona o palco, numa noite que poderia definir toda a sua carreira, e afastá-lo do seu sonho?
Quando saí do palco, estava ansioso por ouvir a gravação, o que fiz no dia seguinte. Era aquilo que queria, o objectivo estava cumprido mas ainda hesitei muito sabe? Gravei-o em 2004 mas só o lancei dois anos depois, porque tinha dentro de mim que era de facto a ultima oportunidade e pensei, pensei... Deixei amadurecer a ideia e só quando estavam reunidas todas as condições para apresentar o trabalho às pessoas é que decidi avançar.

Foi um risco...
Sim, mais a mais, porque nenhuma editora acreditou na minha ideia, e paguei a gravação do meu bolso também! Mas a vida é uma jogada de risco... Temos de estar sempre dispostos a arriscar, e há muitos factores que condicionam o sucesso dos álbuns, a predisposição das pessoas, a própria comunicação...

Ainda para mais, Foi Feitiço até nem era uma canção inédita, mas só da segunda vez é que teve aquele êxito brutal. Como o explica?
Acho que em 2002, quando a música saiu, não foi bem comunicado. Em 2006 já não foi assim, a campanha de televisão mostrou às pessoas que aquelas musicas eram minhas e a partir dai os meios de comunicação perceberam o que o publico queria. Tenho esse orgulho, não foram os meios de comunicação que me impuseram, pelo contrário!

Como se sente nessa altura, depois de dez anos complicados para si?
A minha vida mudou muito em dois anos, muito e demasiado depressa. Tive anos com um único espectáculo e de repente passei a ter 90, dá para imaginar a diferença.
Nesse momento, admito, senti uma pontinha de vingança talvez... Sempre tive a mesma postura, podia ser mais imaturo se calhar, mas quis trabalhar para atingir o que achava que merecia.


Há muitos artistas que se queixam do país ser ingrato...

Essa palavra pode ser perigosa, e o publico nunca o foi comigo! Há pessoas que são cruéis, que não gostam da musica, mas isso é normal. Acho que durante alguns anos sofri foi do estigma de algum preconceito em relação à minha musica.


Por ser considerado um cantor romântico?

Irrita-me essa história de querer rotular as pessoas, sou aquilo que sou, tenho a minha identidade musical. Os rótulos para os músicos são absurdos, é a mesma coisa que dizer que todas as pessoas de uma cidade são boas ou más por exemplo. Cantor romântico é o Júlio Iglésias, não sou eu!

Muitas das suas canções são entoadas por milhares de pessoas, ilustram pensamentos, ajudam porventura em momentos mais complicados... Como retrata o país, para alem da música?
Acho que vivemos numa sociedade que a certa altura promove que estejamos a ser escravos de uma casa que andamos a pagar durante quarenta anos, não colocamos nada em causa, nem pensamos que se estivéssemos noutro local seríamos mais felizes, com outras oportunidades, outra visão da vida... Faz-me confusão isto, a certa altura andamos a empurrar a vida, não a vivê-la! Creio que temos de encontrar o ponto de equilíbrio, entre o que é e não é a felicidade.

É hoje, um homem feliz?
Sou! Mas também sou sincero ao ponto de dizer que nunca se é feliz a cem por cento, falta-nos sempre uma pessoa que já partiu, ou qualquer outra coisa, mas é preciso dar valor ao que de bom se tem! Costumo colaborar com o IPO de Lisboa, e quando algumas pessoas me dizem que estão muito mal, às vezes por razões insignificantes, costumo perguntar-lhes se querem ir comigo ver as crianças que lá estão internadas, para perceberem que mesmo nas piores circunstâncias é possível sorrir!


O sucesso

Os 160 mil discos vendidos, a fama, o sucesso e tudo o que de bom e mau lhes está adjacente assustaram-no quando começou a perceber que estava a chegar a sua vez?
Sim, assustou-me, claro! E preocupou-me também, porque é sempre perigoso subir e descer com tanta rapidez. Não era isso que estava na minha cabeça, mas tentei gerir tudo com profissionalismo e consistência. Era a única forma de não desiludir as pessoas... trabalhei, trabalhei, trabalhei...

Lida bem com a exposição pública?
Sinto que o público me impôs, tenho essa dívida de gratidão com as pessoas, não é um frete para mim falar com quem para falar comigo! Tenho tido boas reacções na maioria dos casos, lembro-me até de uma engraçada, uma senhora no outro dia que me disse que as minhas músicas lhe davam sono, por exemplo! Mas tenho sentido de humor!

Acha que teria todo esse à vontade se tivesse alcançado o êxito, logo no início da sua carreira?
Ainda bem que não! Provei o sucesso com dez anos de insucessos. E como tenho boa memória não me subiu à cabeça, lembro-me de ter feito o caminho das pedras e tenho noção de que há um risco de isso voltar a acontecer.


Regressando um pouco aos palcos, como é que se sai de um concerto com milhares de pessoas, se vai de carro para casa provavelmente sem conseguir evitar ouvir a própria música, que passava dezenas de vezes por dia na rádio e se retoma um quotidiano feito de pequenas rotinas?

Não tenho uma profissão, tenho uma coisa que me dá um prazer enorme e que sempre foi o que quis fazer! Não me considero mais importante do que qualquer pessoa, faço as coisas normais do dia a dia, à noite estou no espectáculo, vou dormir a casa e ao outro dia já me estou a levantar cedo para ir levar a minha filha à escola, ir ao café, comprar o jornal, como toda a gente!

Tem algum ícone musical, algum ídolo com quem gostasse de partilhar um palco?
Gostava de cantar com o Sting! Em termos internacionais é o meu ídolo, tem-se mantido coerente ao longo dos anos, tenho em relação a ele um respeito brutal.

Para acabarmos como começámos, e regressando um pouco a si, à sua infância, imaginou algum dia realizar-se desta forma, através da música?
Ser músico sempre foi o meu sonho! Só me comecei a levar mais a sério quando comecei a compor de facto, na adolescência. Costumo dizer que a musica é o meu Xanax, passou a ser uma necessidade absoluta que não dispenso e, quando se descobre esse lado, é difícil pô-lo de parte. Mesmo que tivesse acabado o meu curso de engenharia mecânica, ou seguido por outros caminhos, acredito que a música estaria sempre presente na minha vida.



Biografia
Aos 32 anos, natural de Coimbra, André Sardet gravou o seu primeiro trabalho ainda jovem, em 1996. "Imagens" incluía canções como "Frágil", "Não Mexas no Tempo" e "Um Minuto de Prazer" que recuperaria anos mais tarde.
Veio depois "Agitar Antes de Usar". Sem muitos concertos agendados, e apesar de trabalhar na sua própria empresa de produção de espectáculos, aproveitou o tempo livre para estudar, viajar e... regressar com o autobiográfico trabalho, que baptizou com o seu próprio nome, e onde acaba por desvelar nas letras e nas melodias, alguns dos mais íntimos momentos da sua vida, com a colaboração de Rui Veloso, Luís Represas e Mafalda Veiga.
Sem grande sucesso comercial na primeira década da sua carreira, grava “Acústico" para assinalar o momento, num registo que inclui 15 das suas músicas já editadas, gravadas ao vivo no Teatro Académico de Gil Vicente, em Coimbra. “Foi Feitiço” tornou-se então genérico de telenovela e canção obrigatória nas playlists de todo o país. Mais de 160 mil discos vendidos depois, a confirmação de que a música seria mesmo o destino que sonhava desde pequeno.

Notícias Magazine, Outubro de 2008