abril 15, 2008

Pública: Um dia com... Diogo Infante



“Sou hoje mais genuíno”

Uma vida cheia de papéis, esvoaçantes, efémeros, “como tudo o que é Teatro”, mas cumpridos sem disfarces, com vontade de “fazer sempre melhor”. Diogo Infante deixa-se acompanhar pela primeira vez por uma equipa de reportagem, e abre as portas do seu mundo no dia em que o Teatro fez anos.


Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira



“Anda Samurai...Anda!”. E ele responde. Todas as manhãs são assim, no Clube Hípico de Janas, perto da Praia das Maçãs em Sintra, onde também vive. Ouve-se a voz, percebe-se quem é pelo perfil alto e cuidado. Não gosta de se revelar, prefere contar-se como indivíduo apenas, multifacetado para além dos palcos, das reuniões e das conferências de imprensa. Diogo Infante, o actor, “de papéis diversos”, que por mais que o afastem das tábuas de madeira e da linguagem cénica se considera exactamente isso. “Sou e sempre serei um Actor”.
Dez horas da manhã. Começa a aula de equitação que lhe preenche quase todos os dias da semana. “Comecei a vir para aqui há dois anos, quando finalmente consegui ter cavalos, que eram uma paixão minha desde miúdo”. A lição é pautada pela voz de Sandra Ferreira, monitora de equitação do Centro. “Tenha calma, vá, vá...”, conversa com Diogo, como com os outros alunos. “Isto hoje não correu muito bem. Ele é um cavalo ágil, quente, muito carinhoso. Mas ressente-se quando não estou sereno e hoje o dia vai ser longo”, antevê, com o sobrolho franzido. Apreensivo? “Não, é um dia bom!”.
Cumprem-se exactamente dois anos sobre a reabertura do Maria Matos, numa data em que também é celebrado o dia mundial do Teatro. E Diogo Infante, para além de ser desde sempre um actor, há alguns anos encenador e há outros tantos emprestar a voz a publicidade e o talento ao cinema, é também desde essa data director do Maria Matos. “Só de referir isso tudo já cansa!”, humoriza.
Para descontrair, transforma pequenas rotinas, como andar de carro, ouvir uma boa música, ou montar a cavalo, em singelos momentos de prazer.
“Sim, tenho de descomprimir, sem pensar muito em trabalho, dedicar-me um pouco a mim”, explica enquanto premeia o seu Samurai com cenouras tenras e palavras ternas, de cumplicidade. “Aprende-se muito com estes animais sabe?”.

Memórias vivas
Óbidos. Meio-dia. Da sua rotina habitual fazem habitualmente parte algumas homenagens. “Sim, mas esta é especial! É ao Carlos Avilez, que foi o meu primeiro encenador no Teatro Experimental de Cascais”, recorda.
Cumprimentam-se no salão do Auditório Municipal Casa da Música, relembram momentos com olhar cúmplice. Por ali estão também Eunice Munhoz, Ruy de Carvalho, São José Lapa, Simão Rubim e outros actores e pessoas do teatro. Está calor lá fora, pressente-se o Verão já. Também nas conversas, que ultrapassam sem querer a barreira da amizade, atravessam o tempo, tocam memórias sem idade.
A exposição evocativa dos 50 anos de carreira do encenador observa-se na passada, na vista que provoca “nostalgia”, nas fotografias a preto e branco e nos cartazes amarelecidos de estreias que já encerraram.

Dois anos depois...
Depois de um almoço apressado, entre amigos e velhos conhecidos, hora de regressar a Lisboa. O novo Maria Matos faz dois anos, de vida nova. “Porque aceitei abraçar este projecto...humm... Bem, pensei durante alguns dias na ideia, tentei perceber se poderia implementar conceitos que foram crescendo em mim ao longo da minha vivência artística. Depois aceitei e começou o trabalho”. Dois anos e alguns meses depois... “Estou feliz por ter aceite”.
As rotinas modificaram-se mas o actor... não deixou de o ser. “Acaba por ser um complemento da minha personalidade. Gosto de controlar os processos criativos, de participar na composição cénica... Mas foi um desafio tremendo que hoje considero, até pelas médias de espectadores que temos, pela dinâmica que o Teatro tem, estar alcançado”.
A poucos meses do final do contrato de três anos que o liga à EGEAC, que gere os equipamentos culturais da capital, a novidade. “Se decidisse hoje, e sinceramente, neste momento e depois de termos alcançado alguns objectivos, tenho agora outros e gostava de os atingir. Mas não posso ainda dizer se irei ou não continuar, apenas que gostava”.


“Um brinde”
Nas vidraças abertas para a luz de um dia que se vai esfumando já nas nuvens típicas dos finais de tarde primaveris, o burburinho das cadeiras a arrastarem-se, posicionando-se, diluído nos toques das flutes de champanhe a serem servidas por entre as palavras segredadas, enquanto a espera se denota. “Um brinde”, pede, à sala. “Saúde”.
Para além do aniversário do Maria Matos e da evocação do dia Mundial do Teatro, é também data da apresentação do novo programa da RTP, "À Procura de Sally", um musical que estreia em Setembro no Maria Matos, e cuja protagonista será encontrada num programa da televisão pública, e apresentado por Catarina Furtado.
A sala, cheia de amigos, conhecidos, jornalistas, fotógrafos. O habitual e... Catarina. “Foste tu próprio”, diz-lhe no final, em tom baixo. Diogo sorri. “Somos amigos sim, trato-a por mana, é uma pessoa muito importante para mim”.
Mais umas fotografias, em pose de sorriso cúmplice. “Já estamos habituados, toda a gente sabe a relação próxima que temos e é natural que demonstrem interesse”. O telefone toca. É da RTP. Diogo é um dos intervenientes do debate conduzido por Carlos Malato em directo da Trindade, sobre o Teatro em Portugal. “Há muito mais oferta hoje, não tem nada a ver com o que acontecia há uns anos. Até em termos de qualidade também penso que há uma melhoria, pela pluralidade da oferta e diversidade dos espectáculos que se podem ver hoje em Lisboa e por todo o país”.

“Estou no equilíbrio”
Diogo Infante aparenta ser um homem reservado, de sorriso pronto, mas sem gargalhada, de palavras escorreitas, livres, apenas no conteúdo que lhes quer dar. Homem de mil e uma personagens artísticas que encarna no trabalho e na vida, com serenidade. “Sim, são tudo facetas que procuro cumprir sem me violentar! Não sou cínico em relação a nada. Mantenho o mesmo entusiasmo em tudo o que faço, procuro aperfeiçoar-me, sem pensar muito no que as pessoas pensam ou dizem de mim. Valorizo a opinião dos outros, mas isso não influencia o meu caminho. Tenho quarenta anos, tenho um percurso que me permite aferir o que fiz bem e mal e de facto não me prendo ao que se diz, às invejas, que as há. Não penso nisso e acho que por isso, sou hoje, mais genuíno, estou no equilíbrio, não sinto necessidade de provar grande coisa a ninguém”.
Quanto a sonhos, alguns, que guarda para si, mas um especial, que confessa publicamente. “Realizar um filme”. E depois desse sonho realizado? “Bem, depois viria a edição, que é bem mais complicada!”, sorri. Sobre a melhor forma de se retratar na vida, resposta, simples, breve e então esperada. “Em película, claro”.
Ruy de Carvalho chega. Vai ler uma declaração, a propósito da evocação do Dia Mundial do Teatro. Diogo, acompanha-o ao palco. “Um grande actor”, deixa escapar.
Não pode ficar até ao fim da Ronda Nocturna, de Lars Nóren, na sessão especial gratuita, que encheu os mais de 450 lugares da sala. “É bom ver isto assim”, diz, com o olhar também esgotado de orgulho.

Olhar cansado, consciência tranquila
O trânsito atrapalha. “Temos de estar na Trindade às onze”. Faltam poucos minutos já, para a emissão em directo da RTP. O Bairro Alto permanece engarrafado ao estacionamento célere. Porta dos artistas, maquiagem, cumprimentos de ocasião, atrás do palco, enquanto a peça em exibição também transmitida em directo para todo o país não termina, minutos mais tarde transformado plateau. “Vamos embora então!”. Vai.
Uma hora depois, o regresso ao Maria Matos, “para beber uns copos!”, solta com humor breve. “Mas não posso... Porque ainda tenho quase uma hora de viagem até casa, paciência...”.
A noite pressente-se já, no olhar cansado, nas palavras que demoram a soltar-se dos pensamentos. “Dia longo hã... O que pensei quando acordei? Que seria um dia de balanços não finais”. Se foi, ou não, lembrar-se-á durante a viagem de regresso. “Aproveito esse tempo para pensar, para acalmar um pouco”, explica.
Quando chega, a primeira coisa que faz é ligar a televisão na... Eurosport! “Não estava à espera pois não?! Gosto muito de todos os tipos de desporto, até pela minha infância muito ligada à actividade física. Ténis, esgrima, tudo, menos futebol”, sorri.
Rodeado da sua equipa do Maria Matos, recorda um dia que “correu bem!”.
E amanhã? “Descansar e ganhar forças para continuar a ser quem sou e a fazer o que gosto de fazer, sempre com paixão!”. Até lá então.


Pública,
Abril de 2008

1 comentário:

Anónimo disse...

Um verdadeiro artista, um homem sério que sabe o que diz!