abril 15, 2008

Pública: Um dia com... Fátima Lopes




"Alimento-me de Stress"


Levanta-se cedo, deita-se tarde e trabalha tanto, quanto sorri. Desenha todas as suas roupas, descobre modelos, veste futebolistas, lança carreiras. Conheça a mulher por detrás da maquilhagem e dos olhos contagiantes, a figura pública da moda, e a empresária que não é de modas.

Texto de Pedro Cativelos
Fotografia de Patrícia de Melo Moreira


“Normalmente levanto-me por volta das oito da manhã... Depende da fase em que esteja! Mas se estou com muito trabalho, antes de Paris ou do Portugal Fashion, aí quase nem durmo. Nas alturas mais calmas, como esta é que aproveito para descansar, baixar um pouco o ritmo”, releva, com um sorriso que se revela fácil e constante ao longo do dia.
É assim que encara normalmente os seus dias de mais de 12 horas de trabalho, de bem com a vida. “Acordo sempre bem disposta, sempre! Sorrio, é a primeira coisa que faço de manhã! Faz bem ao espírito”.
Depois, “e ao contrário do que possa parecer”, não demora muito tempo a arranjar-se, “depende do tempo que tenha”, confessa. “Consigo maquilhar-me em cinco minutos!”, assinala, com humor.
Na sua casa da Penha Longa, com Sintra à vista, perto dos greens que ladeiam a moradia, onde gosta de trabalhar com mais “serenidade”, vê ao longe os golfistas a caminharem sobre a relva verde que lhe preenche e acalma o olhar. “Não percebo é como gostam de jogar golfe! Mas a paisagem transmite serenidade e calma, até porque tenho escritório também em casa e é importante ter de vez em quando algum recolhimento, até para acalmar das viagens e da confusão constante que faz parte da minha rotina. Mas para lhe ser sincera, não conseguia viver se não fosse assim, gosto de pressão, alimento-me de stress, tenho de estar sempre a pensar em projectos e coisas diferentes e novas, a trabalhar, mesmo que seja só mentalmente”.

Pequeno almoço, pequenos detalhes
Depois de ter começado por criar a Versus, uma loja multi-marcas na Avenida de Roma, no início dos anos 90, concebeu a Face Models. Mudar-se-ia alguns anos depois para um edifício de quatro andares no Bairro Alto, e pouco depois fazia o primeiro grande desfile de moda com a sua assinatura, em Paris, a capital da moda, embora por lá já fosse figura assídua das passerelles há alguns anos. Começava então a ser reconhecida a estilista, mas também a despontar a empresária de sucesso.
O seu pequeno império inclui hoje várias agências de modelos para todos as necessidades do mercado, desde os mais esteticamente perfeitos aos mais absolutamente comuns, passando pelos famosos da televisão e pelos desportistas de selecção. “Temos caras e modelos de todas as idades, personalidades e gostos”, explica. Pelo caminho, abriu outras lojas em Portugal e em Paris, concebeu e desfilou um vestido de ouro e diamantes no valor de um milhão de euros e até lançou uma Barbie com uma réplica desse vestido, convidada pela Mattel.
Do Funchal, onde nasceu há 43 anos à Avenida de Roma, daí para as maiores passerelles do mundo, num trajecto que faz impor a pergunta. “Se já estou multimilionária? Quantos desses há em Portugal, dois, três? Não sou, mas estou bem!”.
Fátima passa muitos momentos do seu dia ao telefone. “É uma ferramenta de trabalho! Logo de manhã, falo com clientes e trato de negócios, faz parte”, explica com sorriso cúmplice, de quem sabe ser essa uma das principais armas para abraçar o sucesso, em dois mundos, a moda e os negócios, ambos ainda dominados por homens. “Sou uma pessoa normal sabe? Acho que a única coisa que me difere é a capacidade de trabalhar muito e com prazer no que faço, e de me avaliar constantemente, estar atenta às pequenas coisas”.
No primeiro piso da sua loja do Bairro Alto, o período é de arrumações, depois do regresso de Paris e do Portugal Fashion. Enquanto fala, desvia o olhar para um dos manequins que estão numa das montra que dão para a rua da Atalaia. “Mas os braços estão trocados!”, lança com uma gargalhada, mudando ela própria os membros dos expositores. “Costumo estar atenta ao detalhe, em tudo, porque no final de contas, é nas pequenas coisas que se fazem as grandes diferenças, não é?”.

Prazeres indispensáveis
Poucos minutos depois da uma e meia da tarde, o telefone toca, invariavelmente com um convite para almoçar. É Carla Ferreira, a modelista de há mais de uma década. “Vamos quase todos os dias almoçar com o pessoal todo da agência. Às sextas por exemplo somos ainda mais porque vem cá a Marisa (Cruz) e outras amigas e é muito giro. Aqui é para trabalhar, mas somos todos colegas e a primeira pessoa a quem exijo é a mim própria. Sabe que demoro até conseguir encontrar alguém que me compreenda inteiramente, no meu pensamento para as criações, mas quando isso acontece, é para a vida”.
Na “Tasca do Manel”, no “seu” Bairro Alto, pão e vinho sobre a mesa ficam sempre bem. “Ao contrário do que as pessoas pensam, como um pouco de tudo e nem tenho grandes cuidados com a alimentação”. Entretanto, e no meio do bulício habitual de um restaurante à hora de almoço, Fernando Almeida e o próprio Manel, homem de bigode farto e grande empatia, cumprimentam-nos. “Então e hoje, o que vai ser?”, pergunta Fernando. Pato assado, faz o menu. O vinho, tinto, é sugestão da casa. “Não tenho vícios, não fumo e não bebo, apenas um copo de vinho à refeição e normalmente a garrafa até dura várias refeições porque fica aqui guardada com o nosso nome”, assinala com um sorriso.
A conversa desenrola-se em tom natural. Falam dos vestidos de noiva que estão a ser preparados, de trabalho, dos portugueses de Paris, das memórias de alguns anos passados em comum. “Gosto do Bairro, é barulhento, está cheio de graffitis nas paredes, mas mesmo assim adoro isto e não penso sair daqui. Não passo sem tomar um café ali na dona Matilde, sinto-me bem ao sair do trabalho e ver esta gente toda multi-cultural. Se já pensei em ir viver para outro país? Como a Madeira não chegava, Portugal também não chega. É muito bonito, é fantástico, mas a verdade é que o mercado é pequeno e quando temos sonhos grandes também temos de pensar em grande, no mundo que está lá fora à nossa espera. Agora apenas para viajar e estar dentro do que se anda a passar, o que para mim, profissionalmente é fundamental. Para viver, gosto muito do meu Portugal”.


De volta...ao trabalho
Um dos traços que mais caracteriza Fátima Lopes,, é o visual, à... Fátima Lopes, pleno de tonalidades normalmente escuras, “depende da estação, mas sim, acho que o preto é a cor que mais gosto”, concebido inteiramente por si própria. “Quando saio com uma colecção levo-a toda para casa e vou usando no dia a dia. Toda a roupa que visto é minha, nunca entrei numa Zara, ou loja parecida, não gosto do conceito deles, porque no fundo acabam por ir buscar as referências dos criadores e colocam tudo nas suas colecções e até têm vários processos em tribunal por isso. No entanto, reconheço que ajudaram a democratizar a moda, tornaram-na mais acessível e próxima da maioria das pessoas. No meu caso e também para desmistificar essa ideia, desenho roupa para todos os gostos e carteiras, do pret-a-porter, a outras criações mais elaboradas”, explica, enquanto regressa à agência.
As paredes interiores do edifício estão forradas de fotografias de alguns dos nomes que ajudou a lançar. “Olha aqui a Marisa Cruz. Conheci-a ainda novinha, tornámo-nos amigas, com o tempo. Foi minha madrinha de casamento, sou madrinha da filha dela! Todas as sextas almoçamos juntas. E ali... a Fiona, que também me chegou cá com 16 anos. Gostei logo dela, chegou até a morar aqui!”.
A caminho das duas décadas num meio por vezes olhado de fora “com tanto desejo como com preconceito”, foi assim construindo carreiras, fazendo amigos e alguns... conhecidos. “Sim, gosto de dar a mão às pessoas quando acho que merecem e são trabalhadoras. Claro que não resulta com toda a gente, há algumas com quem me desiludi, mas faz parte não é?! Diz-se que tenho mau feitio, não percebo de onde vem isso! Não sou arrogante nem nunca o fui, não tenho é paciência para estrelas! Acho que ninguém tem muitos amigos, é preciso é que sejam bons e eu tenho essa sorte!” enfatiza. Quanto à relação com os outros estilistas, clarifica. “Não somos todos amigos, mas há lugar para todos!”.
O telefone toca. “Só um segundo”. Acontece várias vezes ao longo do dia. Negócios, pedidos de entrevistas, familiares, amigos de longa data e outros mais recentes. “Já está!”. Enquanto sobe a escada interior que dá acesso à sala da Face Models no primeiro andar, recorda um pouco do princípio de tudo para si. “No início, quando chegámos, a agência parecia grande demais, hoje já é pequena e até temos falta de espaço. Sabe que cheguei a morar lá em cima, no quarto andar? Mas aprendi que trabalhar e viver no mesmo sítio não dá. Foi uma fase complicada, tive dez anos sem férias, acho que foi um exagero!”. Talvez por isso se possa explicar o que conseguiu atingir em cerca de 15 anos. “Sim, trabalhar muito é essencial, mas acho que exagerei um pouco. Às vezes é preciso saber dosear o esforço, até para ser mais eficiente, e hoje continuo a trabalhar bastante, mas de outra forma”. No meio de toda a actividade que ocupa o dia a dia de uma estilista de sucesso, onde fica a vida afectiva? “O meu marido também trabalha muito, estamos os dois habituados a esta rotina e além disso nunca ouviu dizer que mais vale ser desejado que aborrecido?”, humoriza.
O telefone toca novamente. “Agora que tenho mais tempo é assim”, lança, com boa disposição. Enquanto fala pelo headset, vai modificando alguns traços da colecção de Verão no computador. “Isto agora é muito mais fácil. Antigamente se nos enganássemos era uma carga de trabalhos!”. Em pouco tempo modifica um vestido, para exemplificar o funcionamento do programa. “Estão a ver? É assim que desenho as roupas, os sapatos, as loiças, tudo!”.
No final de mais um dia cheio, repete o trajecto para casa. Quando chega, é um pouco igual a todos os outros. “Mas é isso mesmo, acho que sou uma pessoa normal! Vejo mails, descanso na sala, aproveito para ver o Dr. House, o CSI... o Fashion TV? Nem tanto! Mas tenho de ter sempre ali um bocadinho antes de ir dormir, para descomprimir e conseguir adormecer”, conta.
O dia segue longo, e a noite começa a pôr-se, para lá das vidraças foscas que se vêm do outro lado da rua. “Bem, ainda tenho de ir ali aprovar um vestido de noiva, e depois vou para casa descansar, que amanhã... começa tudo outra vez”. Despede-se, com um sorriso.


Pública,
Abril de 2008

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