“O Fado nasce connosco, não se aprende”
Na primeira entrevista da sua ainda curta carreira, a NS levou a nova voz do Fado pelas ruas estreitas de Alfama, a cantar por alguns dos lugares mais típicos da velha Lisboa dos bairros populares, onde o fado se passeia vadio, há mais de um século.
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Nasceu um fadista. Zé Perdigão, abreviativo artístico de José, “porque o fado é para ser do povo e para o povo”, não é de Alfama ou da Mouraria, nunca cantou em casas de fado, não conhece de cor os meandros e as ruelas do fado vadio, mas sente-o, como se fosse o seu, sem o ser, quando começa a trinar a primeira guitarra.
Tem tanta força na expressão com que canta que quase nos deixa desconfortáveis na cadeira, enquanto o silêncio que se pede, sem que se ordene por palavras, é quebrado por figuras de estilo em formas de espanto, de inquietude e olhares que se preenchem não se sabe bem do quê, mas que brilham logo a partir da primeira sílaba. E começa a murmurar-se na sala que se torna mais quente e apertada, enquanto as emoções tomam conta, primeiro do espaço e depois do interior de cada um.
As referências de Zé Perdigão remontam ao fado e à música étnica. Aos 28 anos, lança-se no mercado discográfico com “Os Fados do Rock”, onde transporta para o fado, as canções de um imaginário comum onde, à primeira vista, a guitarra portuguesa não tinha lugar marcado. Dos Gift a Jorge Palma, dos Chutos & Pontapés aos Rádio Macau... “Então e porque não?!”.
José Cid, que o descobriu por acaso, num final de tarde em Guimarães, nunca mais o perdeu de vista. “É algo raro... De vez em quando aparece gente a cantar assim que se há-de fazer!”. Zé sorri, sobe ao palco, canta.
“Fados do Rock” é pensado para passar bem na rádio...
Sim, é verdade, porque mesmo os mais consagrados têm dificuldade em fazerem-se ouvir na rádio e na televisão. Estou a ter uma boa aceitação até agora. Tenho tido uma mescla de reacções de várias faixas etárias, do miúdo de oito anos que gosta de ouvir, ao avô de oitenta, que adorou.
Tem noção de que se arrisca a ser criticado pelos mais puristas. É de Guimarães, não tem a aparência tradicional de um fadista e, inicia a sua carreira com um álbum chamado “Fados do Rock”...
Já pedi e peço desculpa aos mais tradicionalistas por esta ousadia. Mas ela parte de um produtor com 50 anos de música em Portugal, com uma tecitura musical que vai do étnico ao rock sinfónico, com provas dadas internacionalmente, o único com um disco classificado pela Billboard entre os melhores do mundo de rock sinfónico (10 Mil Anos Depois Entre Vénus e Marte). Um homem que tem todo o direito a ser ousado, para que o fado aconteça de uma forma progressiva. Chamo-lhe fado canção, sou simples, e aceito as criticas com humildade.
É em quase tudo, um fadista diferente do habitual... Até a postura é diferente, da comum, consegue explicar isso?
Se ser fadista é meter as mãos aos bolsos... Eu não sou assim, tenho necessidade de me expressar, entrego-me totalmente ao que estou a fazer, nem sei como as coisas acontecem! Faço gestos incontidos, que surgem no momento.
Como o ouvem, a sua família e aqueles que são mais próximos de si?
O meu pai morreu há alguns meses... Sentia-se orgulhoso de mim. A minha mãe é diferente, sempre achou que estas coisas da música não eram trabalho sério! Acho que acreditava no dom que eu tinha mas, também sabia que ser músico em Portugal não é profissão. Queria que fosse qualquer coisa de gabinete, funcionário de uma câmara municipal... (sorri)
Ao contrário do palco, parece-me introvertido...
Sempre lutei muito sozinho, houve alturas em que não senti o apoio de ninguém. Habituei-me a isso... No palco é diferente, não sou eu, é qualquer coisa de transcendente, que por vezes tenho receio de questionar, acontece apenas, não me pertence.
Agrada-lhe este ambiente de uma casa de fado?
Gosto de ir a casas de fado, são fontes necessárias para alimentar a alma, mas por sistema não. Ir ao fado é como o cristão ir à missa, é preciso sentir a necessidade de ir beber àquela fonte.
Lembra-se do primeiro fado que aprendeu a cantar?
Ah... Estranha Forma de Vida!
E continua a ser especial para si, calculo...
É um fado que me toca bastante, na literatura, na composição musical, no sentimento... E depois porque ser fadista é de facto uma estranha forma de vida, em todos os aspectos.
Então?
Ser fadista não é quem quer... Não se aprende a ser fadista, já está connosco desde que se nasce, não é como a matemática.
Não pensa que por ser de Guimarães, e não de Lisboa, a forma como interpreta o fado não se encontre com a matriz original da canção?
Para mim o fado é mais do que isso. Tem a ver com uma mescla cultural, que emana da nossa história ancestral, que se encontra quase misticamente nesta nossa canção. É muito mais que Lisboa ou Coimbra, é uma portugalidade maior, um reino que não se resume sequer ao nosso país, é universal.
E onde se encontra o verdadeiro Zé Perdigão?
É no fado canção que eu me acho a mim mesmo, onde me sinto bem, no melhor de mim. Foi daqui que eu parti para um primeiro trabalho de gravação, tinha de me sentir confortável a fazer o que faço, o futuro será depois.
Gostaria de interpretar os grandes poetas portugueses?
Num outro trabalho quero ir por aí sim, pelos clássicos e pelos novos poetas portugueses. Tenho uma preferência pelo Pessoa, parece quase inatingível, qualquer coisa de transcendental na nossa literatura, muito à frente do seu tempo, ainda hoje o é. Gostaria de representar algo semelhante no meio onde me encontro.
Não será colocar a fasquia um pouco elevada de mais?
Gosto de desafios, não de pisar o risco. Esse é um grande desafio de facto, tenho plena consciência disso. Não vou deixar que nada do que me agrade me passe ao lado, só se vive uma vez e eu gosto de viver.
Aplica esse principio no dia a dia e transporta-o para o palco consigo?
Sim. Amo a vida que tenho e aquilo que faço...
O que é o fado para si?
É uma forma de vida, estranha também, mas para além disso a melhor maneira de contar aquilo que somos enquanto país, enquanto pessoas. Se alguém se esquecer um dia de escrever a nossa história, o fado encarregar-se-á de dizer o que nós somos enquanto sociedade.
E o que lhe dá mais prazer nisto tudo?
Isso mesmo, cantar e contar um povo com a sua própria musicalidade!
Tem referências que lhe sejam especialmente marcantes?
Todos são importantes para que esteja aqui hoje. De Alfredo Marceneiro até à nova geração...todos. Ser sectário aqui é errado. Todos são diferentes, por exemplo, Marceneiro era alma por todo lado, Hermínia Silva era a fadista das coisas populares e alegres, Amália é a eterna de grandes poemas e de grandes fados canção, muitos quase étnicos também... Lembro-me que ela chegava a Itália e cantava canções tradicionais de lá, fazia isso em quase todos os países, recordo-me de ´Summertime` na sua voz... Pergunto-me se isto é fado? É, na voz dela era! Na voz de um português fadista, qualquer tema é fado!
Tem a noção de que quando começa a cantar, as pessoas o sentem de uma forma pouco comum, muitas começam até a chorar, até porque a maioria não o conhece...?
Sim, acontece-me frequentemente. Não sei se é a voz, se a presença... Como canto de olhos fechados, não me apercebo tanto disso, mas é verdade sim, às vezes tenho de me isolar um pouco de quem está à minha frente para a minha voz não ficar embargada. Nesse momento, concentro-me totalmente, no que estou a fazer, não estou a debitar, sinto-o de uma forma que não consigo explicar... Nunca canto o mesmo fado duas vezes, da mesma maneira. Deixo-me levar pelo momento, apenas.
É verdade que, quando aos sete anos entrou para o Orfeão de Guimarães, a missa de domingo começou a encher-se de pessoas que o iam ver cantar?
(Sorri e olha timidamente para baixo). Nunca perguntei a ninguém porque choravam quando me ouviam, não tenho essa ousadia...
O fado está na moda?
Não, nunca sequer passou de moda, é nosso e se outros estilos musicais podem passar, o fado não! Quem interpreta apenas faz isso, o guitarrista toca, o compositor compõe... Até nisso é democrático.
Começa a ser uma figura pública, já pensou como irá lidar com essa exposição, nova para si?
Há pessoas que vêm falar comigo, fazem muitas perguntas. Não as conheço, mas elas conhecem-me a mim e falo com elas, sem problema nenhum. Há uma oração que faço todos os dias de manhã... Peço a Deus que me conserve humilde, que me mantenha assim, que não me deixe estragar, que me dê paz.
É uma pessoa de fé?
Se ser praticante é cumprir os valores, sou sim.
E agora?
Tenho espectáculos marcados, estou a começar, e a gostar de toda esta nova realidade que é nova para mim. A minha vida mudou completamente, deixei Guimarães, tenho menos tempo para a família, para os amigos mas... nasci para isto!
Legendas:
No Clube de Fado canta pela primeira vez ao lado de Fontes Rocha, histórico guitarrista que acompanhou Amália.
Na Casa fermentação, no Largo de São Rafael, em Alfama. “Estranha Forma de Vida”, reinterpreta “o primeiro fado” da sua vida.
Notícias Sábado, Agosto de 2008
setembro 12, 2008
Notícias Sábado: Gonçalo Amaral
"Maddie morreu naquele apartamento"
Quando recebeu a primeira chamada a dizer que uma menina inglesa tinha desaparecido na Aldeia da Luz, estava “longe de imaginar” que esse telefonema lhe iria condicionar o destino, a profissão e o futuro. Tudo aconteceu em Maio, o “mês que há de vir”, como diz uma das mais antigas lendas que ainda hoje as populações de Lagos vão passando de geração em geração. A sua vida nunca mais seria a mesma a partir desse momento. Gonçalo Amaral conta tudo ou “quase tudo” no seu livro, Maddie, A Verdade da Mentira. Revela o resultados das investigações, explica as conclusões a que chegou, não tem receio em as assumir. À NS explica ainda como o poder político influenciou o decorrer do caso, confessa estranheza pelo facto da direcção da Polícia Judiciária não ter protegido a equipa de investigadores dos ataques da imprensa inglesa e recorda o que sentiu, no último dia em que foi polícia.
Apesar de tudo, não guarda “rancor” de ninguém, e tem “orgulho” do trabalho que fez. Fuma, mas não gosta de ser fotografado a fazê-lo por uma questão de exemplo, recebe chamadas de antigos companheiros que o cumprimentam pela coragem, é “amigo” de muitos dos criminosos que ajudou a prender. “São seres humanos, somos todos, merecem perdão”.
Serão estes, porventura, alguns dos traços marcantes do mais fiel retrato de Gonçalo Amaral, o homem de 48 anos, o polícia há quase trinta, agora apenas o cidadão há pouco menos de três semanas que, quer apenas contar a verdade apurada sobre os factos que descobriu durante o decorrer do mais intrigante e mediático caso de polícia de que há memória. “Para que tudo não caia no esquecimento”
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Tem a certeza absoluta do que se passou naquela noite?
O livro não é especulativo. São factos, testemunhos, provas científicas, está lá tudo. Nisto não há certezas absolutas, tenho é a minha convicção baseada em determinados indícios e comportamentos que observei!
E qual é a sua convicção neste caso?
A Maddie nunca foi raptada e morreu naquele apartamento, naquela noite!
Em que fase da investigação chega a essa certeza?
Desde o primeiro momento que detectámos uma série de depoimentos e histórias que não batiam certo, desconfiámos disso logo desde o primeiro instante. A partir de determinada altura, quando começámos a confirmar esses indícios teve de haver um recentrar da investigação e a partir daí chegámos a conclusões baseadas em provas que nos levaram em determinado momento a concluir com elevado grau de certeza o que terá realmente acontecido.
O que fez então?
Apresentei essas conclusões à direcção nacional e vim-me embora! Comunicaram-me que cessava a comissão de serviço em Portimão, na altura em que proferi aquela declaração a um jornalista, em off e completamente fora do contexto em que saiu escrita. Mas até nisso encarei as coisas como eram, não accionei ninguém judicialmente e segui a minha vida.
Não lhe custa, até em termos pessoais, ter passado por tudo isto e agora o caso ser arquivado?
O arquivamento não é nenhuma declaração de inocência. A qualquer momento pode ser reaberta a investigação e, é por isso que lanço o livro, como um contributo para que isto não seja esquecido, porque no fundo, tudo o que está no livro faz parte dos relatórios que toda a equipa entregou à direcção.
Mas não se sentiu injustiçado com tudo isto, até pela forma como saiu?
Nunca me chateei da vida, tive sempre orgulho em trabalhar na Polícia, e o mesmo com que entrei, foi o mesmo com que saí. A vida tem destas coisas, agora tenho mais tempo para as minhas filhas, para os meus amigos! São quase trinta anos de polícia sabe, lembro-me que ao início, nos primeiro anos, sorria muito, depois fui perdendo essa capacidade ao longo dos anos...
Quantos casos teve parecidos com este, ou seja, inconclusivos...?
Que me lembre, nenhum!
E foi a investigação mais complicada em que trabalhou?
Não, deu foi muito trabalho porque houve muita gente para ouvir, muitas inquirições... Aquilo é passado num resort cheio de turistas ingleses, ouvimos centenas de pessoas, muitas até rapidamente porque havia sempre gente a chegar e a partir. Foi necessária uma estrutura enorme de operacionais para tratar disto tudo. Para responder à sua pergunta digo-lhe que já tive muitas investigações muito mais complicadas do que esta! Este é um caso simples e normal, mas com contornos que dificultam que seja tomado o passo final!
Porque foi diferente desta vez?
Porque houve mais política do que polícia! O que é que a investigação criminal tem a ver com a polícia?! O nosso objectivo é a realização da justiça, com base em factos. A política só tem de garantir o cumprimento da Justiça.
Disse há uns dias que sentiu que tinha, “levado um pontapé no rabo”. Sentiu-se traído em todo este processo?
Em situações como a que aconteceu comigo, em que ninguém vem em meu auxílio como era a sua obrigação, não basta dizer ´ele que se aguente!`. Sou um mero funcionário público, mas com quase 35 anos de função pública e se calhar merecia outro tratamento por parte de quem dirigia a polícia.
Porque e como é que a política entra aqui?
Isso escapa à investigação criminal e parece-me que já é um pouco o vosso papel da imprensa, é um tema importante que deveria ser discutido. Vão investigar, e descobrir isso, porque ganhou este caso todo este peso mediático.
Mas quando se apercebe disso no terreno?
Dou-lhe um exemplo... Há um assessor de um primeiro-ministro que abandona esse cargo de muita importância para ir defender os interesses de dois cidadãos ingleses. Com que interesses, porquê?!
Porquê?
Estava em causa o interesse de algum ministro, algum assunto de estado, a necessidade de uma política de contenção de danos?
Estava?
Não sei... Esse é um problema doméstico inglês, mas acho que não é preciso dizer mais nada!
Porque continua Robert Murat arguido?
Tem-se falado mal dessa questão. Houveram outras razões para ele ser constituído arguido e dessas nunca se fala porque estão em segredo de Justiça. Quando o processo for público pode consultar as quatro ou cinco mil páginas e descobrir-se-á tudo isso. Eu sei o que lá está e a maioria das pessoas não sabem.
Houve um fracasso da sua investigação?
A investigação criminal é uma arte que conjuga experiência, teoria, prática e uma parte mais intelectual até! Nós, que saímos nessa altura, não fracassámos e apresentámos resultados, o que aconteceu depois, terá de lhes perguntar a eles.
Como era a relação da polícia inglesa que os acompanhou durante as investigações?
A coordenação sempre foi muito boa, e trabalhámos sempre bem em conjunto, como sempre aconteceu e acontece de há anos para cá em inúmeros casos.
O pensamento dos agentes ingleses, era equivalente ao vosso, de que não haveria rapto e que os pais estariam relacionados com a morte da criança?
Posso dizer que havia um entendimento entre a policia portuguesa e a polícia portuguesa quanto à morte daquela criança, naquele apartamento naquele dia. Era um ponto assente!
Que ideia tem dos Mccan?
Tive algumas reuniões com eles. Apercebemo-nos de algumas incoerências nas histórias, coisas que não batiam certo, parecia que se andava a compor uma história, hoje era isto, amanhã aquilo...
A percepção que teve no primeiro dia, quando chega ao local e conhece os factos apresentados é a que tem hoje?
Desde início que percebemos que qualquer coisa não batia certo. Era óbvio isso. Mas a seguir a isso tivemos de seguir várias linhas de investigação, colocar todas as hipóteses, até à conclusão a que chegámos.
Gostava que Maddie aparecesse?
Claro que sim! Como cristão e ser humano ficaria muito feliz por me ter enganado, mas por tudo o que descobrimos durante a investigação, não tenho dúvidas sobre o que aconteceu naquela noite. Qualquer pessoa que olhe para os factos que recolhemos durante a investigação de forma racional e objectiva conclui da mesma forma que nós concluímos. Não há dúvida razoável, foi isto que aconteceu!
É verdade que o MI6, os serviços secretos britânicos, estiveram na Aldeia da Luz, dias depois do desaparecimento de Maddeleine?
Eu nunca vi ninguém!
Mas fala-se disso...
Pode ser natural que quando estão cidadãos ingleses com uma certa relevância isso aconteça... Mas como lhe digo, não sei de nada disso.
Se não tivesse aparecido este caso na sua carreira, ainda estaria a trabalhar...
Poderia estar ou não... Não penso nisso assim. Quando entramos numa instituição como esta, abdicamos de uma certa liberdade de expressão, e alguns ficam com essa incumbência que neste caso, falhou. As coisas aconteceram assim, mas saio de consciência tranquila.
Como foi a sua colaboração com o seu sucessor na investigação?
Não houve! Fomos jantar um dia, falámos do caso e não voltámos a falar...
E é normal isso acontecer?
Não me ponha contra o meu colega... O normal é alguém que sai de uma investigação e continua a ser ouvido, passar a informação, orientar quem vai a seguir. Isso não aconteceu neste caso apesar de me ter sempre prontificado nesse sentido.
O homem depois do polícia
Tem-se falado nos últimos anos, de algum desconforto no seio da Judiciária, como observa esta questão?
Saí na altura certa! A criminalidade evoluiu, as competências tiveram de ser repartidas, a PJ tem o seu espaço definido com as áreas de competência reservadas. Ninguém pode pensar que só a PJ pode ser dona da investigação, que é muito vasta e não pode abarcar tudo. Os operadores da Justiça têm de se respeitar e não temos de andar aqui a atacar esta ou aquela classe.
Mas como observou a evolução das coisas, desde 81, quando entrou, até aos dias de hoje, aquando da sua saída?
Antigamente um bom chefe era aquele que nos deixava trabalhar, hoje em dia é aquele que trabalha por nós. Acho que há hoje em dia esse espírito na polícia e em muitos outros sectores da nossa sociedade… Abriu-se muito o leque de investigadores. Em 81 entravam trinta, hoje entram às centenas, o que pode ser bom e mau também porque não há capacidade para integrar tanta gente assim.
Qual foi o primeiro sentimento que lhe ocorreu, no momento exacto em que atravessa pela última vez a porta da delegação de faro da Polícia Judiciária?
Um grande orgulho... No dia seguinte estava um pouco mareado como se diz aqui no Algarve, não sabia bem o que havia de fazer, os níveis de adrenalina baixaram... Agora estou bem.
Já sabe o que vai fazer daqui para a frente, depois do livro?
Saí há três semanas, ainda estou a adquirir novas rotinas. Dediquei-me ao livro, recebi algumas propostas quer têm de ser ponderadas. Pensei em voltar ao Direito, ou ir para o sector privado, consultoria, por aí, mas ainda não decidi nada. Nunca fui homem de estar a ver... Sou um homem de projectos, de decisões, em breve definirei o meu futuro.
Mas porquê o Direito?!
Ainda não tomei essa decisão, é apenas uma possibilidade, mas é uma área bonita, poder fazer Justiça, baseada no bom senso, que até é uma figura do código civil.
Não prefere reformar-se ?
Com que dinheiro?! Não penso nisso ainda!
A Verdade da Mentira
Ao olhar para o livro pela primeira vez, o que lhe passou pela cabeça?
A verdade material dos factos, que estão aqui contados.
Colocou tudo o que sabia nesta obra?
Eu sou um jurista, e como tal, deixa-se sempre alguma coisa para trás, para um segundo volume! (Sorri) Mas não! Coloquei o essencial para se perceber a história, as diligências, o que sentimos, está lá tudo, mas há coisas que não podemos de facto publicar, até para não colocar a polícia em causa.
Foi complicado escrevê-lo?
Não, deu algum trabalho sim! Sou ainda do tempo das máquinas de escrever sabe?! Mas isto não é um relatório policial, é mais complexo.
Como surge este livro?
Surgiu porque tinha de ser defendido, diziam que era incompetente, que utilizávamos métodos medievais e não podia dizer nada. Cheguei a interpor um requerimento à direcção da Polícia, para podermos falar, ou para alguém nos vir defender.
E que resposta recebeu?
Nenhuma, ainda hoje estou à espera!
Decide então abandonar a Polícia...
Tomei essa decisão de abandonar a instituição porque era a única forma de readquirir a plenitude da liberdade de expressão, e poder falar livremente, não só para me defender, ou por vingança, mas para explicar o que se passou durante os meses da investigação, para as coisas não caírem em saco roto e se continuar a procurar a verdade. O livro surge como mais um contributo, o meu e da minha equipa, para a descoberta da verdade.
Vai ficar rico?
Se a fama fosse correspondente ao dinheiro estava rico já! Mas em Portugal ninguém enriquece a vender livros. Se fosse para enriquecer tinha aceite propostas de jornais ingleses que me pagavam balúrdios para comprarem o livro para Inglaterra.
Vai ser editado em Inglaterra?
A editora irá tentar editar o livro lá, penso que sim, até porque seria quase uma censura que o livro não fosse editado num dos mais antigos países democráticos da Europa.
Como se sente no papel de figura pública?
Sempre o fui, para a minha família, para os meus amigos para quem interessava. Nunca andei à procura desta exposição toda, nem tem muito a ver comigo. Se reparar, todas as imagens que saíram minhas eram a sair da polícia, em investigação ou a entrar do restaurante, não me andava a mostrar para as máquinas fotográficas.
É que de repente falava-se mais no Gonçalo Amaral que na Maddie...
Isso tem a ver com o peso mediático que o caso ganhou...
A sua família sofreu com isso?
Tive de sair de casa para proteger a minha família porque andavam atrás de mim e dos meus colegas, foi uma altura complicada para nós...
Porque o atacaram tanto?
A partir de determinado momento alguém se apercebeu que em termos operacionais a pessoa que tinha mais responsabilidade era eu e não foi por acaso que me atacaram, para desacreditar a investigação, o que em parte aconteceu aos olhos da opinião pública, principalmente a inglesa.
Chegou até a estabelecer-se a relação com o caso da Joana, um processo de uma outra menina desaparecida, em que o Gonçalo Amaral também esteve envolvido e solucionou...
Estabeleceram essa relação porque o corpo da Joana também nunca apareceu. Mas esse caso está mais que resolvido e é óbvio que os casos não estão relacionados!
Mas a ausência do corpo não é um impedimento à conclusão da investigação?
Há situações em que não é essencial aparecer o cadáver para se saber quem é o culpado. É claro que se torna por vezes mais fácil investigar, mas nem sempre isso acontece e a investigação não se pode cingir exclusivamente a essa circunstância.
O Gonçalo esteve metido numa guerra de imprensas...
Ainda hoje alguém devia agradecer à imprensa portuguesa por ter sido a única que nos defendeu, quando não era ela que o devia fazer, mas a própria Polícia Judiciária.
O que falhou aí?
É inacreditável que a PJ não tenha um gabinete de comunicação. Neste caso faltou isso, alguém que canalizasse a informação para os media, que pudesse expor o que era verdade ou não, que prestasse um serviço aos jornalistas e a nós que estávamos no terreno.
Foi esse o problema desta investigação, não houve uma retaguarda que nos protegesse disso, nada foi feito neste aspecto.
Porquê?
A direcção da polícia assim o decidiu... As polícias, todas elas, não estão preparadas para lidar com a comunicação social e, a evolução da nossa sociedade obriga a que as polícias comecem a repensar a sua forma de comunicar e relacionarem-se com a imprensa. Tudo isso devia ser discutido e alterado.
Mas a falta dessa política de comunicação, pode influenciar o trabalho?
Obviamente que sim, ou pela menos dificulta muito!
Como é que é passar para o outro lado dos “interrogatórios”?
É gratificante, muito interessante porque finalmente posso explicar qualquer coisa, dizer a verdade sobre o que aconteceu, sem ter, como tinha, a obrigação de estar calado!
Sentiu necessidade de querer falar e não poder?
Cheguei a pedir à direcção nacional que repusesse a verdade... Mas como lhe disse, nem obtive resposta!
De que forma lidavam os seus homens com isto?
Mal, claro porque sentíamos a pressão, e somos humanos!
O que se passou com os vestígios enviados para o laboratório inglês?
Não foi de facto um processo normal, aconteceram coisas estranhas e ainda estão a acontecer...
Como acha que tudo isto vai acabar?
Tenho fé que se apure a verdade!
Uma fé cristã, ou judicial?
Há uma grande diferença entre ambas, mas tenho uma enorme fé na Justiça e espero que um dia, não sei quando, se descubra a verdade, acredito nisso.
Nunca deixou de acreditar na Justiça?
Conheci muita gente boa ao longo dos anos, bons magistrados, bons polícias, bons juízes que se preocupam com a Justiça que é uma causa muito nobre. Nunca deixei ou deixarei de acreditar nela!
Ainda se sente polícia?
Acho que esta é daquelas profissões onde não se tira a farda, apesar de nem a termos. Somos o que somos, sem horários, dia e noite, ano após ano. Não é fácil deixar tudo o que vemos, o que vivemos, as pessoas com quem lidamos, esquecer tudo à porta de casa... Acho que é humano até mas cada um lida com isso à sua maneira.
Se visse agora os Mccan, o que lhes diria?
Que estou solidário com a sua dor, mas isso não me pode inibir de tentar descobrir o que se passou. Como diz um filósofo...´Quando o coração sobe à cabeça a emoção toma o lugar da razão e explode a paixão`. É isto que temos de evitar, não cedermos às emoções e procurarmos sempre a verdade.
Isso nunca lhe aconteceu?
Já me vi várias vezes a chorar, depois de concluídos alguns casos.
Neste caso, já lhe aconteceu?
Neste caso não.
Notícias Sábado
Quando recebeu a primeira chamada a dizer que uma menina inglesa tinha desaparecido na Aldeia da Luz, estava “longe de imaginar” que esse telefonema lhe iria condicionar o destino, a profissão e o futuro. Tudo aconteceu em Maio, o “mês que há de vir”, como diz uma das mais antigas lendas que ainda hoje as populações de Lagos vão passando de geração em geração. A sua vida nunca mais seria a mesma a partir desse momento. Gonçalo Amaral conta tudo ou “quase tudo” no seu livro, Maddie, A Verdade da Mentira. Revela o resultados das investigações, explica as conclusões a que chegou, não tem receio em as assumir. À NS explica ainda como o poder político influenciou o decorrer do caso, confessa estranheza pelo facto da direcção da Polícia Judiciária não ter protegido a equipa de investigadores dos ataques da imprensa inglesa e recorda o que sentiu, no último dia em que foi polícia.
Apesar de tudo, não guarda “rancor” de ninguém, e tem “orgulho” do trabalho que fez. Fuma, mas não gosta de ser fotografado a fazê-lo por uma questão de exemplo, recebe chamadas de antigos companheiros que o cumprimentam pela coragem, é “amigo” de muitos dos criminosos que ajudou a prender. “São seres humanos, somos todos, merecem perdão”.
Serão estes, porventura, alguns dos traços marcantes do mais fiel retrato de Gonçalo Amaral, o homem de 48 anos, o polícia há quase trinta, agora apenas o cidadão há pouco menos de três semanas que, quer apenas contar a verdade apurada sobre os factos que descobriu durante o decorrer do mais intrigante e mediático caso de polícia de que há memória. “Para que tudo não caia no esquecimento”
Texto
Pedro Cativelos
Fotografia
Patrícia de Melo Moreira
Tem a certeza absoluta do que se passou naquela noite?
O livro não é especulativo. São factos, testemunhos, provas científicas, está lá tudo. Nisto não há certezas absolutas, tenho é a minha convicção baseada em determinados indícios e comportamentos que observei!
E qual é a sua convicção neste caso?
A Maddie nunca foi raptada e morreu naquele apartamento, naquela noite!
Em que fase da investigação chega a essa certeza?
Desde o primeiro momento que detectámos uma série de depoimentos e histórias que não batiam certo, desconfiámos disso logo desde o primeiro instante. A partir de determinada altura, quando começámos a confirmar esses indícios teve de haver um recentrar da investigação e a partir daí chegámos a conclusões baseadas em provas que nos levaram em determinado momento a concluir com elevado grau de certeza o que terá realmente acontecido.
O que fez então?
Apresentei essas conclusões à direcção nacional e vim-me embora! Comunicaram-me que cessava a comissão de serviço em Portimão, na altura em que proferi aquela declaração a um jornalista, em off e completamente fora do contexto em que saiu escrita. Mas até nisso encarei as coisas como eram, não accionei ninguém judicialmente e segui a minha vida.
Não lhe custa, até em termos pessoais, ter passado por tudo isto e agora o caso ser arquivado?
O arquivamento não é nenhuma declaração de inocência. A qualquer momento pode ser reaberta a investigação e, é por isso que lanço o livro, como um contributo para que isto não seja esquecido, porque no fundo, tudo o que está no livro faz parte dos relatórios que toda a equipa entregou à direcção.
Mas não se sentiu injustiçado com tudo isto, até pela forma como saiu?
Nunca me chateei da vida, tive sempre orgulho em trabalhar na Polícia, e o mesmo com que entrei, foi o mesmo com que saí. A vida tem destas coisas, agora tenho mais tempo para as minhas filhas, para os meus amigos! São quase trinta anos de polícia sabe, lembro-me que ao início, nos primeiro anos, sorria muito, depois fui perdendo essa capacidade ao longo dos anos...
Quantos casos teve parecidos com este, ou seja, inconclusivos...?
Que me lembre, nenhum!
E foi a investigação mais complicada em que trabalhou?
Não, deu foi muito trabalho porque houve muita gente para ouvir, muitas inquirições... Aquilo é passado num resort cheio de turistas ingleses, ouvimos centenas de pessoas, muitas até rapidamente porque havia sempre gente a chegar e a partir. Foi necessária uma estrutura enorme de operacionais para tratar disto tudo. Para responder à sua pergunta digo-lhe que já tive muitas investigações muito mais complicadas do que esta! Este é um caso simples e normal, mas com contornos que dificultam que seja tomado o passo final!
Porque foi diferente desta vez?
Porque houve mais política do que polícia! O que é que a investigação criminal tem a ver com a polícia?! O nosso objectivo é a realização da justiça, com base em factos. A política só tem de garantir o cumprimento da Justiça.
Disse há uns dias que sentiu que tinha, “levado um pontapé no rabo”. Sentiu-se traído em todo este processo?
Em situações como a que aconteceu comigo, em que ninguém vem em meu auxílio como era a sua obrigação, não basta dizer ´ele que se aguente!`. Sou um mero funcionário público, mas com quase 35 anos de função pública e se calhar merecia outro tratamento por parte de quem dirigia a polícia.
Porque e como é que a política entra aqui?
Isso escapa à investigação criminal e parece-me que já é um pouco o vosso papel da imprensa, é um tema importante que deveria ser discutido. Vão investigar, e descobrir isso, porque ganhou este caso todo este peso mediático.
Mas quando se apercebe disso no terreno?
Dou-lhe um exemplo... Há um assessor de um primeiro-ministro que abandona esse cargo de muita importância para ir defender os interesses de dois cidadãos ingleses. Com que interesses, porquê?!
Porquê?
Estava em causa o interesse de algum ministro, algum assunto de estado, a necessidade de uma política de contenção de danos?
Estava?
Não sei... Esse é um problema doméstico inglês, mas acho que não é preciso dizer mais nada!
Porque continua Robert Murat arguido?
Tem-se falado mal dessa questão. Houveram outras razões para ele ser constituído arguido e dessas nunca se fala porque estão em segredo de Justiça. Quando o processo for público pode consultar as quatro ou cinco mil páginas e descobrir-se-á tudo isso. Eu sei o que lá está e a maioria das pessoas não sabem.
Houve um fracasso da sua investigação?
A investigação criminal é uma arte que conjuga experiência, teoria, prática e uma parte mais intelectual até! Nós, que saímos nessa altura, não fracassámos e apresentámos resultados, o que aconteceu depois, terá de lhes perguntar a eles.
Como era a relação da polícia inglesa que os acompanhou durante as investigações?
A coordenação sempre foi muito boa, e trabalhámos sempre bem em conjunto, como sempre aconteceu e acontece de há anos para cá em inúmeros casos.
O pensamento dos agentes ingleses, era equivalente ao vosso, de que não haveria rapto e que os pais estariam relacionados com a morte da criança?
Posso dizer que havia um entendimento entre a policia portuguesa e a polícia portuguesa quanto à morte daquela criança, naquele apartamento naquele dia. Era um ponto assente!
Que ideia tem dos Mccan?
Tive algumas reuniões com eles. Apercebemo-nos de algumas incoerências nas histórias, coisas que não batiam certo, parecia que se andava a compor uma história, hoje era isto, amanhã aquilo...
A percepção que teve no primeiro dia, quando chega ao local e conhece os factos apresentados é a que tem hoje?
Desde início que percebemos que qualquer coisa não batia certo. Era óbvio isso. Mas a seguir a isso tivemos de seguir várias linhas de investigação, colocar todas as hipóteses, até à conclusão a que chegámos.
Gostava que Maddie aparecesse?
Claro que sim! Como cristão e ser humano ficaria muito feliz por me ter enganado, mas por tudo o que descobrimos durante a investigação, não tenho dúvidas sobre o que aconteceu naquela noite. Qualquer pessoa que olhe para os factos que recolhemos durante a investigação de forma racional e objectiva conclui da mesma forma que nós concluímos. Não há dúvida razoável, foi isto que aconteceu!
É verdade que o MI6, os serviços secretos britânicos, estiveram na Aldeia da Luz, dias depois do desaparecimento de Maddeleine?
Eu nunca vi ninguém!
Mas fala-se disso...
Pode ser natural que quando estão cidadãos ingleses com uma certa relevância isso aconteça... Mas como lhe digo, não sei de nada disso.
Se não tivesse aparecido este caso na sua carreira, ainda estaria a trabalhar...
Poderia estar ou não... Não penso nisso assim. Quando entramos numa instituição como esta, abdicamos de uma certa liberdade de expressão, e alguns ficam com essa incumbência que neste caso, falhou. As coisas aconteceram assim, mas saio de consciência tranquila.
Como foi a sua colaboração com o seu sucessor na investigação?
Não houve! Fomos jantar um dia, falámos do caso e não voltámos a falar...
E é normal isso acontecer?
Não me ponha contra o meu colega... O normal é alguém que sai de uma investigação e continua a ser ouvido, passar a informação, orientar quem vai a seguir. Isso não aconteceu neste caso apesar de me ter sempre prontificado nesse sentido.
O homem depois do polícia
Tem-se falado nos últimos anos, de algum desconforto no seio da Judiciária, como observa esta questão?
Saí na altura certa! A criminalidade evoluiu, as competências tiveram de ser repartidas, a PJ tem o seu espaço definido com as áreas de competência reservadas. Ninguém pode pensar que só a PJ pode ser dona da investigação, que é muito vasta e não pode abarcar tudo. Os operadores da Justiça têm de se respeitar e não temos de andar aqui a atacar esta ou aquela classe.
Mas como observou a evolução das coisas, desde 81, quando entrou, até aos dias de hoje, aquando da sua saída?
Antigamente um bom chefe era aquele que nos deixava trabalhar, hoje em dia é aquele que trabalha por nós. Acho que há hoje em dia esse espírito na polícia e em muitos outros sectores da nossa sociedade… Abriu-se muito o leque de investigadores. Em 81 entravam trinta, hoje entram às centenas, o que pode ser bom e mau também porque não há capacidade para integrar tanta gente assim.
Qual foi o primeiro sentimento que lhe ocorreu, no momento exacto em que atravessa pela última vez a porta da delegação de faro da Polícia Judiciária?
Um grande orgulho... No dia seguinte estava um pouco mareado como se diz aqui no Algarve, não sabia bem o que havia de fazer, os níveis de adrenalina baixaram... Agora estou bem.
Já sabe o que vai fazer daqui para a frente, depois do livro?
Saí há três semanas, ainda estou a adquirir novas rotinas. Dediquei-me ao livro, recebi algumas propostas quer têm de ser ponderadas. Pensei em voltar ao Direito, ou ir para o sector privado, consultoria, por aí, mas ainda não decidi nada. Nunca fui homem de estar a ver... Sou um homem de projectos, de decisões, em breve definirei o meu futuro.
Mas porquê o Direito?!
Ainda não tomei essa decisão, é apenas uma possibilidade, mas é uma área bonita, poder fazer Justiça, baseada no bom senso, que até é uma figura do código civil.
Não prefere reformar-se ?
Com que dinheiro?! Não penso nisso ainda!
A Verdade da Mentira
Ao olhar para o livro pela primeira vez, o que lhe passou pela cabeça?
A verdade material dos factos, que estão aqui contados.
Colocou tudo o que sabia nesta obra?
Eu sou um jurista, e como tal, deixa-se sempre alguma coisa para trás, para um segundo volume! (Sorri) Mas não! Coloquei o essencial para se perceber a história, as diligências, o que sentimos, está lá tudo, mas há coisas que não podemos de facto publicar, até para não colocar a polícia em causa.
Foi complicado escrevê-lo?
Não, deu algum trabalho sim! Sou ainda do tempo das máquinas de escrever sabe?! Mas isto não é um relatório policial, é mais complexo.
Como surge este livro?
Surgiu porque tinha de ser defendido, diziam que era incompetente, que utilizávamos métodos medievais e não podia dizer nada. Cheguei a interpor um requerimento à direcção da Polícia, para podermos falar, ou para alguém nos vir defender.
E que resposta recebeu?
Nenhuma, ainda hoje estou à espera!
Decide então abandonar a Polícia...
Tomei essa decisão de abandonar a instituição porque era a única forma de readquirir a plenitude da liberdade de expressão, e poder falar livremente, não só para me defender, ou por vingança, mas para explicar o que se passou durante os meses da investigação, para as coisas não caírem em saco roto e se continuar a procurar a verdade. O livro surge como mais um contributo, o meu e da minha equipa, para a descoberta da verdade.
Vai ficar rico?
Se a fama fosse correspondente ao dinheiro estava rico já! Mas em Portugal ninguém enriquece a vender livros. Se fosse para enriquecer tinha aceite propostas de jornais ingleses que me pagavam balúrdios para comprarem o livro para Inglaterra.
Vai ser editado em Inglaterra?
A editora irá tentar editar o livro lá, penso que sim, até porque seria quase uma censura que o livro não fosse editado num dos mais antigos países democráticos da Europa.
Como se sente no papel de figura pública?
Sempre o fui, para a minha família, para os meus amigos para quem interessava. Nunca andei à procura desta exposição toda, nem tem muito a ver comigo. Se reparar, todas as imagens que saíram minhas eram a sair da polícia, em investigação ou a entrar do restaurante, não me andava a mostrar para as máquinas fotográficas.
É que de repente falava-se mais no Gonçalo Amaral que na Maddie...
Isso tem a ver com o peso mediático que o caso ganhou...
A sua família sofreu com isso?
Tive de sair de casa para proteger a minha família porque andavam atrás de mim e dos meus colegas, foi uma altura complicada para nós...
Porque o atacaram tanto?
A partir de determinado momento alguém se apercebeu que em termos operacionais a pessoa que tinha mais responsabilidade era eu e não foi por acaso que me atacaram, para desacreditar a investigação, o que em parte aconteceu aos olhos da opinião pública, principalmente a inglesa.
Chegou até a estabelecer-se a relação com o caso da Joana, um processo de uma outra menina desaparecida, em que o Gonçalo Amaral também esteve envolvido e solucionou...
Estabeleceram essa relação porque o corpo da Joana também nunca apareceu. Mas esse caso está mais que resolvido e é óbvio que os casos não estão relacionados!
Mas a ausência do corpo não é um impedimento à conclusão da investigação?
Há situações em que não é essencial aparecer o cadáver para se saber quem é o culpado. É claro que se torna por vezes mais fácil investigar, mas nem sempre isso acontece e a investigação não se pode cingir exclusivamente a essa circunstância.
O Gonçalo esteve metido numa guerra de imprensas...
Ainda hoje alguém devia agradecer à imprensa portuguesa por ter sido a única que nos defendeu, quando não era ela que o devia fazer, mas a própria Polícia Judiciária.
O que falhou aí?
É inacreditável que a PJ não tenha um gabinete de comunicação. Neste caso faltou isso, alguém que canalizasse a informação para os media, que pudesse expor o que era verdade ou não, que prestasse um serviço aos jornalistas e a nós que estávamos no terreno.
Foi esse o problema desta investigação, não houve uma retaguarda que nos protegesse disso, nada foi feito neste aspecto.
Porquê?
A direcção da polícia assim o decidiu... As polícias, todas elas, não estão preparadas para lidar com a comunicação social e, a evolução da nossa sociedade obriga a que as polícias comecem a repensar a sua forma de comunicar e relacionarem-se com a imprensa. Tudo isso devia ser discutido e alterado.
Mas a falta dessa política de comunicação, pode influenciar o trabalho?
Obviamente que sim, ou pela menos dificulta muito!
Como é que é passar para o outro lado dos “interrogatórios”?
É gratificante, muito interessante porque finalmente posso explicar qualquer coisa, dizer a verdade sobre o que aconteceu, sem ter, como tinha, a obrigação de estar calado!
Sentiu necessidade de querer falar e não poder?
Cheguei a pedir à direcção nacional que repusesse a verdade... Mas como lhe disse, nem obtive resposta!
De que forma lidavam os seus homens com isto?
Mal, claro porque sentíamos a pressão, e somos humanos!
O que se passou com os vestígios enviados para o laboratório inglês?
Não foi de facto um processo normal, aconteceram coisas estranhas e ainda estão a acontecer...
Como acha que tudo isto vai acabar?
Tenho fé que se apure a verdade!
Uma fé cristã, ou judicial?
Há uma grande diferença entre ambas, mas tenho uma enorme fé na Justiça e espero que um dia, não sei quando, se descubra a verdade, acredito nisso.
Nunca deixou de acreditar na Justiça?
Conheci muita gente boa ao longo dos anos, bons magistrados, bons polícias, bons juízes que se preocupam com a Justiça que é uma causa muito nobre. Nunca deixei ou deixarei de acreditar nela!
Ainda se sente polícia?
Acho que esta é daquelas profissões onde não se tira a farda, apesar de nem a termos. Somos o que somos, sem horários, dia e noite, ano após ano. Não é fácil deixar tudo o que vemos, o que vivemos, as pessoas com quem lidamos, esquecer tudo à porta de casa... Acho que é humano até mas cada um lida com isso à sua maneira.
Se visse agora os Mccan, o que lhes diria?
Que estou solidário com a sua dor, mas isso não me pode inibir de tentar descobrir o que se passou. Como diz um filósofo...´Quando o coração sobe à cabeça a emoção toma o lugar da razão e explode a paixão`. É isto que temos de evitar, não cedermos às emoções e procurarmos sempre a verdade.
Isso nunca lhe aconteceu?
Já me vi várias vezes a chorar, depois de concluídos alguns casos.
Neste caso, já lhe aconteceu?
Neste caso não.
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