novembro 05, 2007

Pública: Entroncamento... Na terra dos sonhos




Para começar têm dois, três, demasiadas figuras paternas. Nem uma mãe... Poderia também ter Jonhy Depp esta história, e ainda Tim Burton, Linch, Lewis Carrol... mas numa outra dimensão, tê-los-á conhecido, à sua maneira, a história dos fenómenos que se espalharam de boca em boca, pelo país e pelo tempo. Na estação onde as verdadeiras viagens começam, mesmo que sejam pela imaginação, vai permanecendo um mundo onde cada vez menos coisas deixam de ter explicação, a realidade ocupa o espaço da fantasia, o despertar emancipa-se cada vez mais, e o sonho perde o lugar. Na terra do padre Borga, onde Carlos Paredes actuou em vida pela última vez, já não há cantigas nem histórias de fazer sorrir. Apenas linhas de ferro em memórias para lembrar.


Texto
Pedro Cativelos

Fotografia
Patrícia Moreira


Mil novecentos e trinta. Três da tarde. Cheira a carvão nos vapores do Outono que se avizinha. O comboio que vem de Lisboa abastece as fornalhas cansadas. O ferro está quente, e os suores dos passageiros bem trajados, também.
Entroncamento, deve o baptismo ao emaranhado de linhas que ali se amontoam desde o século passado, uma espécie de capital do caminho-de-ferro, charneira das ligações com o Leste e a Beira Baixa, a estação representou durante décadas, ponto de paragem obrigatória para quem mudava de linha, quando o comboio era o meio de transporte mais utilizado. Nesse tempo, muitos viajantes ilustres vindos da Europa pela Linha do Leste, ou fazendo o percurso inverso, almoçaram ou jantaram no restaurante da estação. Nas suas obras literárias, vários escritores se lhe referiram, de Hans Christian Andersen, a Ramalho Ortigão, passando por Eça ou Alberto Pimentel.
Numa montra próxima da gare, um mostrengo em forma de abóbora com mais de 50 quilos. “Jesus!”, terão murmurado algumas das senhoras da sociedade da época. “Fenomenal”, terão pronunciado os senhores que por ali passavam, esperando o próximo comboio.
E assim acontece. Durante os anos seguintes, a moda pegou e foram entrando em exposição na montra da tabacaria Luanda, outros legumes e frutos ditos “fenomenais', pelo tamanho ou pelas formas sugestivas, frequentemente antropomórficas, eróticas, erógenas, pecaminosas, suscitadoras de sorrisos, como se um malvado diabrete se escondesse nas terras de cultivo com o intuito de brincar com a imaginação malandra e fértil de quem se situava calado para não pecar no Portugal anterior a Abril de setenta e quatro. A lenda cresceu, cresceu, cresceu... e desapareceu. Hoje só já resta a expressão que todos conhecem e que colocou o nome desta localidade igual a tantas outras eternamente alojado numa das citações mais recorrentes do léxico popular português. Às coisas mais bizarras não há hoje quem resista a baptizá-las logo como fenómenos... do Entroncamento.





Cá pelo Burgo

Apenas concelho em 1945 (não deixa de ser um fenómeno para uma estação de comboio com algumas habitações em redor), conta-se que até Salazar sorria (outro fenómeno!), quando lia no jornal mais um dos acontecimentos estranhos daquela terra ribatejana.
Mas, e como nem tudo tem de ter um princípio comum, Eduardo Brito, foi um dos pais dos fenómenos. Era um seguidor das circenses bizarrias americanas, os freak shows de homens com escamas, mulheres de bigode, anões com duas cabeças, que por cá já iam fazendo notícia. Achava que "estes poderiam ser óptimos exemplos para divulgar um lugar onde apenas se cruzavam linhas e comboios", explica. Sendo assim, procurou o invulgar, e encontrou-o. Todavia, mas a uma outra escala, bem menos americanizada. Um raro melro branco. Depressa lhe começaram a levar galinhas com quatro patas ou carneiros com chifres demais...
A palavra fenómeno espalhava-se em cada passageiro em viagem e entrava assim nas páginas dos jornais de Lisboa, e sempre indissociável de uma outra, Entroncamento. "Todas as lendas ou contos populares começam assim, com um determinado facto histórico que depois é explorado e exponenciado" assinala o escritor, agora com noventa e cinco anos de vida, setenta e cinco passados a sublinhar a evolução das histórias do inimaginável ao longo dos tempos numa crónica a que chamou à época, Cá Pelo Burgo. “Depois, bem, a imaginação das pessoas fazia o resto e quem as conta acrescenta sempre mais um ponto não é verdade?!. Às vezes até há várias versões da mesma lenda e aliás, defendo que nestas coisas, neste tipo de assuntos que nos fazem bem até, podemos e devemos intervir à vontade".

Há alguma coisa como um fenómeno?
Pode dizer-se que os portugueses têm uma atracção especial para os fenómenos e uma muito exponenciada relação com os superlativos exagerados. Mania das grandezas ou outra coisa qualquer, porventura bem expressa no livro dos recordes do Guiness e na quantidade de grandiosos feitos que por lá estão identificados em português de Portugal. Em Vila de Rei existe uma cabra com uns cornos com 2,15m, em Vila Verde, na tradicional Festa das Colheitas, bateu-se há tempos o recorde de 645 tocadores de concertina em sinfonia, em Esposende o mesmo homem foi sepultado em dois cemitérios diferentes, em Oeiras o recorde mundial da mais longa cadeia de relógios foi quebrado com um total de 1382 relógios, e mais para o interior, os Viseenses fizeram uma broa de milho com 402 metros de comprimento!
Quanto ao Entroncamento, por lá as abóboras são descomunais, os tomates contra natura, os pepinos avantajados, os marmelos rechonchudos, as batatas têm formas de Buda, as alfaces crescem aos três metros, e há pintos, cães e outros animais com duas cabeças... Houve. Ouve-se e sempre se ouviu que sim. Não entraram para o Guiness, mas entraram para o imaginário nacional que desde então reserva à localidade ribatejana o lugar de sítio estranho onde tudo pode de facto acontecer.



Um sorriso vale mais que mil fenómenos
As histórias do Entroncamento são um pouco como aquelas brincadeiras de criança ou de alguns adultos, da caça aos “gambuzinos” ou do homem do saco. Todas as localidades têm a sua, todas possuem um fundo de verdade ou de lição, comparado com a carga de galhofa que ostentam. Basta perguntar por um fenómeno em qualquer café da região, e o sorriso comprometedor não se faz esperar, como que se revelasse logo ali um segredo apenas guardado a quem sempre esteve por perto. Todas as lendas são assim, só se tornam épicas fora do local onde realmente aconteceram. Aos oitenta e três anos, Antero Fernandes, é outra das figuras paternas dos fenómenos. “Comecei novo, trabalhava na C.P. e como tinha facilidade em viajar e ia a Lisboa frequentemente, acabei por começar a escrever para vários jornais, mais na área desportiva. Depois, e quando reportei o primeiro facto estranho, as pessoas começaram a vir ter comigo para me trazerem abóboras gigantes, cenouras com formas esquisitas e...até um pinto com quatro patas e outras tantas asas”, conta.
E que destino tinham estes fenómenos, para além de propalados nas páginas do Correio da Manhã onde escreveu desde o primeiro número? “Bem, trazia-os onde podiam ser vistos por toda a gente que passava, a tabacaria Luanda”, que durante anos serviu de museu ao sobrenatural mundano que por aqui se passeava. “Claro que na maioria dos casos puxava um pouco à brincadeira... marmelos gigantes, melões gémeos... o que fazia sorrir as pessoas e tornava a coisa engraçada”, lembra.
Nos anos quarenta do século passado, o Entroncamento era, depois do Barreiro, o segundo meio operário do país, representando os trabalhadores dos caminhos-de-ferro mais de metade da sua população. A CP criou bairros para os empregados, uma escola e um armazém de víveres, mas... faltava o resto. Na verdade, a história dos fenómenos passa na sua quase totalidade pela brincadeira popular, de um povoado de gente proveniente dos quatro cantos do país e, onde o único contacto com o meio onde residiam e com o mundo para lá dos horizontes era a linha do comboio. “O Entroncamento é uma terra especial, composta de muitas gentes de várias proveniências, com muita imaginação, também fomentada pela inexistência de grandes notícias e outros atractivos que por aqui sempre foram escassos”. O pároco do Entroncamento, (que se considera em tons de brincadeira também ele um verdadeiro fenómeno, pois dirige as paróquias do Entroncamento com o padre Luís Borga, igualmente natural da região, e ele próprio um fenómeno de popularidade, e partilha com ele uma similitude curiosa, ambos têm irmãos gémeos) explica também que “tudo nunca passou de uma distracção à normalidade que acabou por unir uma verdadeira salada russa de muitas proveniências diferentes”.
Mas, e estando Fátima a poucos quilómetros, nunca terá surgido uma associação mais religiosa, a estes fenómenos mais, mundanos? Padre Vicente, aclara. “Não, porque não é nem nunca foi essa a génese destes acontecimentos. As pessoas daqui são muito criativas sabe, e estas coisas sempre aconteceram como forma de ilustrar a rotina de vida e não de entrar nos caminhos da fé ou do sobrenatural. Nunca se falou em fantasmas nem em espíritos, santos ou não!”, revela, com humor.

O tempo, não volta para trás
De apeadeiro até concelho com vinte mil habitantes num século diferente. Hoje, os comboios já não se alimentam de carvão, a maioria das famílias não trabalha na CP, e muitos comboios nem travam quando se aproximam da estação. A sombra dos aviões que esvoaçam e do TGV que há de passar a correr vão pendendo num tempo onde a ciência também ganhou todas as corridas. Sobra pouco espaço às histórias, e mesmo por aqui, entre a febre da construção de cores berrantes e o trânsito de final de tarde, para lá das tépidas conversas em bancos de jardim repletos de sobreviventes de outros tempos, já vai escasseando tempo para pensar e sorrir sobre as pequenas coisas do dia a dia.
Os motards Fenómenos do Entroncamento e a firma de mudanças Transfenómeno são os últimos resquícios visíveis de uma identidade que nunca o foi verdadeiramente e a última situação verdadeiramente estranha registada aconteceu já há alguns anos. Pouco tempo após a inauguração, o túnel que passa por debaixo da linha do comboio foi palco de um acidente tão trágico quanto invulgar. Dois homens chocaram precisamente a meio do túnel. Ambos morreram, ambos iam de bicicleta, à mesma hora, no mesmo local, na mesma trajectória. Insólito, mas demasiado sinistro para a boa disposição dos descobridores de fenómenos.
Pela cidade, um museu das aberrações chegou a ser falado, anunciado até, mas nunca viria a acontecer por falta de “matéria-prima”. De então para cá, os contadores de histórias como Eurico ou Antero envelheceram, reformaram-se, e apesar das terras continuarem férteis, as pessoas não vêm mais na imaginação as formas que lhes traziam à memória mais um bom tema de conversa, mais uma sonora gargalhada, mais uma história diferente de uma vida de formas sempre iguais.

Pública,
Outubro de 2007

novembro 02, 2007

Pública: Medo de ter medo…

Agorafobia, Aerofobia, Métrofobia, Filematofobia, Mnemofobia… Têm nomes estranhos, distintos significados clínicos, mas muito em comum. Todos são sinónimos de pavor, de perda de controlo. Na viagem pelos corredores labirínticos do Medo humano enquanto fantasma que atemoriza e pesa no subconsciente, a ajuda pode ser real mas também virtual.

Texto por
Pedro Cativelos

Fotos por
Patrícia de Melo Moreira


No ano de 1895, Sigmund Freud, patriarca da Psicanálise, publicou o seu primeiro estudo sobre a Fobia. De acordo com ele, nela “o afecto está presente através da angústia e do medo”, na criação de receios irracionais que impedem a pessoa de ser ou de se comportar de uma maneira lógica e consciente, podendo também causar reacções físicas impeditivas de bem estar pessoal e social.
Esta é a definição mais clínica de um problema que afecta muitos milhões de pessoas em todo o mundo (as estimativas indicam que cerca de 10% da população sofre com algum tipo de fobia), e mais do que se pensa, aqui mesmo em Portugal.
Entrar num café, ser tocado por alguém, percorrer os corredores de um supermercado, tomar banho, tocar em tesouras, botões, agulhas, ou simplesmente viajar em transportes públicos pode ser um verdadeiro tormento para algumas pessoas. Mas, como não há limites para o medo, há de tudo um pouco nas consultas dos hospitais psiquiátricos.
No nosso país, por exemplo, a ansiedade excessiva não é um fenómeno tão raro como se possa pensar. Segundo José Pacheco, Director do Serviço de Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos, “este distúrbio afecta entre três a quatro por cento da população”, admite.
Na vasta maioria dos casos, e como é comum neste tipo de situações, os fóbicos demoram anos a encarar a existência da doença e a recorrer à ajuda médica. “Em meados da década de 80, alguns estudos relatavam que o fóbico demorava em média nove anos a procurar ajuda”, revela o clínico.


Fobias para todos os gostos
Existem muitos tipos de fobias. Mais ou menos estranhas, dividem-se por grupos. As Simples, sobretudo comuns na população geral, envolvem animais, espaços fechados (claustrofobia), alturas (acrofobia), e viagens aéreas.
Há ainda outras fobias, como a Síndrome do Pânico, com uma incidência de cerca de 1 a 2 % da população, iniciando-se normalmente na adolescência ou no adulto jovem, além de ser mais detectada em mulheres. “Nas formas mais graves os pacientes ficam aprisionados nas suas próprias casas e até aí tem crises de pânico”, explica Serafim Carvalho, médico-psiquiatra.
Também a Fobia Social representa um outro tipo de medo profundo e marcante. Telmo Baptista, psicólogo e Presidente da Associação Portuguesa de Terapias Comportamental e Cognitiva, explica que o indíviduo “teme os contactos sociais porque, frequentemente, tem receio, da figura que vai fazer. Está relacionado com a ideia excessiva de que, por um lado, os outros o julgam e, por outro, o julgam de forma excessiva e negativa”, salienta.

Aprisionados no medo
O medo é um sentimento saudável que preserva a vida e nos faz evitar perigos iminentes mas também altera as funções corporais do indivíduo, causando palpitações, tonturas, mal-estar ou suores excessivos. Mas quando essas reações são causadas por medos não justificados ou imaginários, então trata-se de uma fobia que pode interferir na vida de uma pessoa limitando suas atividades diárias.
Paulo Marques, um jovem de 22 anos, é um barman com jeito natural para o Freestyle. Faz voar garrafas e mistura cocktails, com a mesma leveza com que eleva os copos por detrás das costas. “Tenho de fazer alguma coisa para me esquecer que tenho este…pequeno problema”, confessa, com um sorriso meio ingénuo. É que o Paulo, tem o que se chama de “ansiedade patológica”, ou no seu caso, medo irracional e descontrolado de ter um ataque cardíaco. “Os sintomas são os mesmos, começo a sentir o braço preso, dores nas costas, o batimento a acelerar… um dia tiveram de me chamar uma ambulância, que vergonha!”, conta. Chama-se Cardiofobia, este pavor que o atormenta desde que em pequeno presenciou um seu familiar a sofrer um enfarte. “Não sei que idade tinha, mas marcou-me. Lembro-me que tive uma crise, anos mais tarde, no dia em que vi o Feher morrer em campo… Aí decidi procurar ajuda no Hospital Miguel Bombarda, fiz terapia, tomei todos os medicamentos e hoje estu bastante melhor sim, embora ainda não completamente”, releva.
Enquanto conversa, os olhos perpassam para lá das palavras que lhe saem, fixando-se no telemóvel em que não tocou durante anos. Alberto, nome fictício, recupera de um distúrbio que o incapacitava de levar uma vida normal. A fobia social impediu-o, durante algum tempo, de estar em espaços públicos e de se sentir à vontade com estranhos, mesmo ao telefone. Não conseguia contactar com pessoas. “É uma doença de timidez em que, a determinada altura da vida, a pessoa começa a interiorizar bocas, alcunhas, coisas assim”, explica. “Lembro-me do esforço que era atender o telemóvel, encarar o chefe, ou falar com os colegas”, conta.
Para José Pacheco, Director do Serviço de Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos, “uma parte dos fóbicos sociais refugia-se em profissões onde há pouco contacto com o público”, mas alerta para um outro factor não tão claro. “Muitos acabam no entanto por optar por uma profissão que, sendo antagónica, é aquilo que a pessoa deseja porque por um lado tem medo de estar com os outros mas por outro gostava de o fazer” e assim ultrapassar o seu medo”, explicita.
Com o tempo, deixou de conseguir frequentar cafés, supermercados e transportes públicos até que decidiu procurar ajuda. “Estava de rastos, já”, revela. “comecei a enfrentar os meus medos, a respeitar a medicação, a fazer psicanálise… apoiei-me na minha mulher, nas minhas filhas…” Cumpridos os tratamentos, Alberto sentiu melhoras. E até começou a ser “extrovertido e a viver as coisas ao contrário e… resultou”. Agora frequenta um grupo de apoio, “por causa das recaídas”, explica.



Realidade...Real!
Tendo por objectivo a resolução de todos esses medos que residem no inconsciente humano, “muitas vezes o tratamento passa por um casamento entre a utilização de medicamentos e a psicoterapia”, acrescenta José Pacheco, Director do Serviço de Psicoterapia Comportamental do Hospital Júlio de Matos. Contudo, para lidar com este tipo de doença o Hospital Júlio de Matos recorre, de forma pioneira a nível mundial, às potencialidades da cibernética interactiva com um fim... terapêutico, direccionado para os traumas de antigos combatentes da Guerra do Ultramar e até para quem tenha pânico de voar. Segundo a opinião dos clínicos afectos a esta especialidade, “tem sido um verdadeiro sucesso”.
O Laboratório de Psicologia Computacional da Universidade Lusófona e o Hospital psiquiátrico Júlio de Matos estão há dois anos a aperfeiçoar a tecnologia que permite o tratamento de perturbações emocionais de stress pós-traumático através da utilização de instrumentos de realidade virtual. Após um prolongado período de testes, esta inovadora ferramenta de tratamento psiquiátrico está já disponível nas consultas do Hospital.
No primeiro estudo conhecido sobre este assunto, elaborado nos Estados Unidos, os cientistas utilizaram a realidade virtual para tratar vítimas de acrofobia ou o medo das alturas. A pesquisa abriu novas possibilidades para o tratamento de uma ampla gama de condições fóbicas, cujos actuais tratamentos, que utilizam técnicas de exposição a situações reais de geração de ansiedade não podiam até agora dar a resposta mais adequada. E Portugal, a par dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Canadá, está na linha da frente no que concerne ao desenvolvimento de uma tecnologia que pode salvar vidas, ou pelo menos torná-las bastante mais pacíficas.
Pedro Gamito é professor na Universidade Lusófona. Quando estudava para o doutoramento no Reino Unido, decidiu enveredar por um caminho que o traz agora, passados alguns anos, ao momento em que aquele sonho que um dia teve, se pode tornar numa real ajuda para tanta gente cujo sono vem sendo, de há muito, feito de pesadelos. “O problema dos antigos combatentes sempre me foi próximo. O meu pai é médico e sempre lidou com este tipo de casos que, directa ou indirectamente, afectaram nas últimas décadas grande parte das famílias portuguesas. Com base em alguns estudos feitos lá fora, e embora não pertencendo à área da medicina, decidi, através da minha especialidade de computação, desenvolver de raiz, em Portugal, um sistema que pudesse criar condições para facilitar o tratamento de algumas perturbações de stress pós-traumático”.
E foi num espaço cedido pela instituição onde lecciona, e em conjunto com alguns dos seus alunos de informática que desenvolveu todo este trabalho. "Tudo isto me parece importante no que se refere a comprovar a existência de um potencial real para o uso da realidade virtual em terapias de exposição", declara o professor Pedro Gamito, até porque, acrescenta, "existe um vasto leque de doenças que poderão vir a ser tratadas por meio de sistemas de terapia de realidade virtual em consultórios médicos. As vantagens?! É que por exemplo no caso de antigos combatentes é impossível expô-los às condições que os marcaram tão profundamente. Isto até surgir esta possibilidade, de criar um cenário virtual, em que a imagem e o som, enquadrados pelo acompanhamento médico tradicional podem de facto fazer milagres!”. E o que é um milagre, quando se fala das rasteiras provocadas pela mente? “A poupança de tempo, a redução dos custos, e acima de tudo, a acentuada subida da eficácia. Este tipo de tecnologia apresenta ainda algumas outras vantagens. Para além do preço, também pode ser programada caso a caso, ou seja, não é uniformizada mas adaptável ao caso específico que está em tratamento”, explica.

Memória viva
É bem conhecida a situação do stress pós-traumático quer no caso dos veteranos de guerra, de violações, de acidentes de aviação ou outros acontecimentos psicologicamente marcantes. A pessoa que tenha passado por um episódio destes não se consegue livrar dele. A cena repete-se, ganha raízes, mantém-se na mente, e aprisiona o dia a dia, criando problemas e sofrimento, como se essa situação do passado esteja ainda a acontecer no presente. Responsável pelo departamento de stress pós-traumático do Hospital Júlio de Matos, a Dra. Fany Lopes aborda precisamente a envolvência psicológica de alguém que não se consegue libertar do seu passado. “O nosso trabalho, principalmente nesta área, baseia-se na aceitação da situação, por isso é que normalmente se utiliza a terapia da exposição, não com o objectivo de apagar a memória, mas sim de atenuar os seus ecos, de diminuir as suas marcas no quotidiano do paciente, em suma, de melhorar a qualidade de vida da pessoa que padece desta doença”. Até porque, prossegue, “é impossível esquecer o passado porque ele... é parte essencial da pessoa que somos”, assevera.

“Ia partindo aquilo tudo…!
Um dos voluntários que se submeteu a esta fase experimental foi Rui Oliveira, nome fictício que este antigo combatente com comissão de três anos feita em Moçambique, decidiu escolher para evitar a exposição pública do seu problema perante os colegas. “Estive em África durante poucos anos, que me pareceram maiores que a toda a minha vida, antes e depois. Vivi pouco de facto, após o regresso...”, começa por contar. Torna-se ainda inevitável deixar de observar os seus olhos, a forma como se vão emudecendo, em contornos ainda enraivecidos, sublimados por uma certa e por vezes demorada ausência do espaço físico do presente. “Vi coisas que me mataram enquanto homem. Mesmo sem nunca ter levado uma bala, sei que ali vivi e morri com todos eles”. Não disse quem eram, mas pressente-se que ainda os vê, provavelmente aos seus camaradas que não regressaram como haviam embarcado. A seu lado.
E à tormenta do cenário de guerra, seguiu-se o infortúnio de uma vida que, desde esse momento que durou tempo de mais, se espalhou como doença para o resto dos seus dias. “Sei que fui mau para a minha mulher, para os meus filhos, para mim... Bebia, era violento, estive perdido no tempo, envelheci sem me dar conta. Até que percebi que precisava de ajuda. Já todos o tinham percebido aliás” conta.
Depois de anos de tratamentos que foram amenizando a sua condição mais revoltada, Rui Oliveira foi um dos que já regressaram ao palco das suas memórias tortuosas, mas desta vez, era tudo um cenário virtual. “Parecia real sabe?! Chorei, gritei, ia partindo aquilo tudo! Sei que era apenas um teste mas senti naqueles momentos que estava lá de novo, voltou tudo, revivi tudo! Foi impressionante!”.

Caixas:
As Fobias mais estranhas
Proveniente do étimo Grego phobos, significa medo, horror, pânico. Se claustrofobia e agorafobia são fobias bastante comuns, apresentamos-lhe algumas bastante mais invulgares, mas igualmente incomodativas.

Botanofobia: medo de plantas
Clinofobia: medo de camas ou de deitar-se
Sofofobia: medo de aprender
Vestifobia: medo de roupas ou de se vestir
Araquibutirofobia: medo de que se incrustem na gengiva ou no palato a pele que envolve o amendoim, pipoca ou outro componente que adere ao palato como doces compactos
Bibliofobia: medo de livros
Eufobia: medo de ouvir boas notícias
Melofobia: medo de música
Aurofobia: medo de ouro
Coulrofobia: medo de palhaços
Cronomentrofobia- medo de relogios
Cromatofobia- medo de cores
Coulrofobia- medo de palhaços
Eisotrofobia- medo de espelhos
Geliofobia- medo de gargalhadas
Métrofobia- medo de poesia
Olfatofobia- medo de cheiros
Pogonofobia- medo de barbas
Pedofobia- medo de crianças
Triscadecafobia- medo do número 13




Caixa:
Ganhar asas
A TAP, em parceria com a UCS (Cuidados Integrados de Saúde), criou no final do último mês de Maio um Programa de Tratamento de Fobias de Voo que se destina a todas as pessoas que têm medo de viajar de avião.
Para se inscrever ou obter qualquer informação ou esclarecimento adicional, poderá contactar a Consulta de Fobias de Voo da UCS, através do e-mail ganharasas@ucs.pt ou através do Call Center da UCS: +351 218 436 300 / 218 436 311 / 218 436 330 / 218 436 340.


Caixa:
Fobias dos Famosos:

Jonhy Depp – Coulrofobia – Medo de palhaços. "Tem alguma coisa naquelas caras pintadas e os sorrisos falsos que me deixam desconfortável", declarou o actor.

David Beckham - Sofre de desordem compulsiva obsessiva. Ou seja, tem de estar tudo sempre milimetricamente organizado.

Billy Bob Thornton - Entra em pânico quando o assunto é mobília antiga e só fica em lugares modernos.

Jennifer Aniston - Apesar de viajar de um lado para o outro por causa da profissão, a atriz morre de medo de avião

Orlando Bloom - Rei das grandes produções épicas e filmes de ação, o ator, quem diria, entra em pânico ao se deparar com um simples porquinho

Christina Ricci - Ela sofre de botanophobia (medo das plantas). "São sujas e eu não entendo como as colocam dentro de casa", referiu.

Tobey Maguire – Ironicamente, o Domem Aranha, não suporta grandes alturas

Nicole Kidman - Odeia borboletas


Revista Pública,
Setembro de 2007